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A ESPETACULARIZAÇÃO DA SOCIEDADE

No documento A PARECIDA M ESTRADO EMC (páginas 44-47)

E LEMENTOS PARA ANÁLISE

2.2. A ESPETACULARIZAÇÃO DA SOCIEDADE

Dois são os grandes fundamentos do cristianismo: a crucificação e a ressurreição do judeu Jesus, o Cristo, filho de José e Maria. A crucificação era um ato público de tortura que provocava a morte do crucificado. A punição era aplicada pelas autoridades romanas a presos e subversivos do império romano. Era um grande espetáculo para demonstrar a soberania romana sobre os povos dominados. Já a ressurreição é um ato de fé; nos relatos bíblicos não constam testemunhas do fato. O cristianismo teve início com dois grandes espetáculos. Desde o início, a igreja católica esteve muito ligada à ideia de espetacularização da fé.

O pensamento de uma sociedade espetacularizada foi sistematizado pelo pensador francês Guy Debord30. Ele utilizou a expressão pela primeira vez em 1967.

Num conjunto de 221 teses, divididas em nove capítulos, o autor trata das mudanças sofridas pelo ser, pela vida e pelo mundo a partir do nascimento do espetáculo. Analisa a transformação radical da comunidade em sociedade espetacular; a mercadoria como único ser humanizado neste social. As severas mudanças nas concepções da história, do tempo, da ideologia, da cultura, dos espaços urbanos; além de uma espécie de atualização dos projetos e práticas marxistas, isso tudo apenas como maneira de melhor elucidar o caminho que levaria, segundo Debord, diretamente à prova de saída da sociedade espetacular.

“Ele se referia ao giro que a cultura estava realizando na direção do predomínio das imagens sobre as palavras. Ele chamou de espetáculo o surgimento de uma nova modalidade de dispor a verdade mediante a

imposição de uma representação do mundo de índole tecnoestética” (BERGE, C. in MELO, José Marques de (org.), 2007, p. 27)

Espetáculo, segundo o autor, não é um conjunto de imagens ou utilização constante delas, mas consiste na relação social entre pessoas mediadas por imagens (DEBORD, 2007, p. 14); espetáculo é o uso social da imagem e a dependência que a sociedade tem da imagem. Os meios de comunicação são a manifestação mais esmagadora da sociedade do espetáculo. A imagem se torna parte formadora da realidade, sendo responsável pela atividade social daqueles que a contemplam. “Assim, na contemporaneidade, a noção de ser foi substituída pelo ter que, por sua vez, na degradação da espetacularização, passou a ser parecer” (DIXON, 2002, p. 145 – grifos do autor)

Para Debord, o problema não está nas peças que compõem o jogo, mas no modo de jogar. O pensador afirma que nosso olhar está anestesiado pelo prisma da imagem. Está na mentalidade espetacular, no sujeito domesticado pela virtualidade, e não nos objetos em si imagéticos e espetaculares. A sociedade criou dependência da realidade virtual e não real. Há aí um vício, um olhar vicioso, um jeito imagético de ver a realidade por meio de espetacularização. Criou-se uma necessidade virtual e contemplativa.

De acordo com DEBORD, o espetáculo causa a passividade da contemplação, uma vez que encontra a substituição da realidade por sua imagem. Nesse processo, a imagem acaba sendo transformada pelos receptores em algo como se fosse real, sendo causa de comportamentos reais uma vez que despertam desejos inconscientes. Percebe-se que, para o autor, o espetáculo desempenha seu poder a partir do momento em que proporciona a geração de sensações reais baseadas na contemplação de imagens (DIXON, 2002, p. 145)

Assim, na tele-religião, alguns sacerdotes assumem um novo papel: passam a ser atores que proporcionam diversão, entretenimento, ocupação às massas. Sua função não é apenas o múnus de ensinar, santificar e governar. Agora, incorporam também as funções de animar a plateia/fiéis, transformar os ofícios religiosos em

shows do entretenimento. O clérigo neste mundo do espetáculo funciona como um

garoto- propaganda, disposto a vender seu produto na indústria cultural religiosa. A tendência secular confirma-se no religioso.

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“Alguns pensadores apontam que os novos signos e símbolos que conectam o ser humano com a realidade desapareceram, são puros signos desprovidos de significado. Não haveria nada que poderia salvar a sociedade e livrá-la dos simulacros” (SCHMIDT, 2008, p. 31)

No processo de midiatização da religião, as religiões históricas – católicos e protestantes31, sempre utilizaram os media para veiculação da mensagem evangélica.

Já as religiões contemporâneas, com raízes neopentecostais, nascem fundidas geneticamente com a mídia, em especial a televisão. “O que significa que as segundas [neopentecostais] correspondem ao bios midiático e as primeiras [históricas] precisam aprender a ser assim para sobreviver (BERGE, C. in MELO, José Marques de (org.), 2007, p. 29).

Diariamente, em canais segmentados ou em grandes redes de TV, como é o caso da Bandeirantes, somos invadidos por programação e pregações evangélicas de cunho neopentecostal. Inúmeras vezes ao longo do programa, o dízimo é pedido (e até mesmo cobrado) de forma incisiva; hoje, com a praticidade, cobrado até mesmo através de boleto bancário e/ou débito em conta. Isso demonstra o enraizamento midiático das novas facetas do cristianismo.

“Enquanto as igrejas históricas, que desde sempre produziram seus impressos, programas de rádio, agora buscam apropriar-se da televisão na perspectiva de adequação aos novos tempos e de manutenção de seus fiéis, fazendo um arranjo entre suas mensagens tradicionais e os novos formatos, as novas religiões nascem prontas para a televisão – este é seu habitat. As igrejas tradicionais buscam entre seus padres e pastores aqueles mais aptos à comunicar-se via televisão. A Igreja Eletrônica faz sua tele-pregração com tele-pregadores, que discorrem sobre a tele-fé, propõem tele-romarias e fazem curas tele-religiosas” (BERGE, C. in MELO, José Marques de (org.), 2007, p. 29)

Em nosso contexto social, a religiosidade também se configura no paradigma de espetacularização, propondo a fé (e tudo o que a envolve) como espetacular, como um show, como um carnaval de imagens e sensações. Há uma economia da razão e um espetáculo da sensação, resultado da admiração platônica das imagens.

Criou-se uma sociedade religiosa do espetáculo. Onde os sacerdotes assumem o papel de atores que proporcionam entretenimento às massas. A tendência secular confirma-se no religioso. Os dogmas não são enfatizados, pois são absolutos. Os valores absolutos são impopulares numa sociedade permeada pelo relativismo moral. Portanto, somente o passar pela experiência é absoluto, mas a sua forma é relativa. O que vincula os fiéis não é a aceitação de um credo, uma ideologia, mas a experiência sobrenatural em comum. Parece que o velho estereótipo de manipulação atribuído à religião medieval se consolidará na atual sociedade. Se a dos idos tempos não permitia a reflexão, o questionamento, a de hoje não o estimula, o banaliza. Talvez, mais alienado do que aquele que não tem acesso à informação é o que tem, mas não reflete sobre ela. Vive-se um ecumenismo da sensação e uma economia da razão.32

No documento A PARECIDA M ESTRADO EMC (páginas 44-47)