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A essência da estrutura do programa de oficinas

4 Substâncias componentes do programa de oficinas de vídeo experimental no

4.3 A essência da estrutura do programa de oficinas

75 tomo a liberdade de descrever um momento de um filme que me instiga e motiva já há alguns anos. Ele me fornece combustível criador para projetos que vislumbro como micro-intervenções que intentam penetrar a epiderme do organismo social para unir forças com outras propostas que desejam construir um mundo mais equitativo e sensível.

O filme em questão é A Corrente do Bem (Pay it Forward, 2000) dirigido por Mimi Leder. Na cena em questão, o professor Eugene Simonet fala sobre sua proposta de ensino no primeiro dia de aula da disciplina de Sociologia da sétima série. Após alguns momentos de conversa, Simonet diz:

Há um mundo lá fora e mesmo que vocês não queiram encará-lo, ele ainda estará lá e vai bater direito na sua cara. Acreditem em mim. Então, melhor vocês começarem a pensar sobre o mundo agora e o que isso significa para vocês. O que o mundo significa para você. [...] Quantas vezes vocês pensam sobre coisas que acontecem fora desta cidade? Vocês assistem aos noticiários? Sim? Não? Tudo bem, então ainda não somos pensadores globais. Mas por que não somos?

Após nenhum dos alunos haver demonstrado estar interessado em questões que ultrapassavam suas vidas particulares, um aluno chamado Trevor responde: “porque temos só onze anos”. Logo, o professor responde: “por que deveríamos pensar sobre o mundo? Afinal, o que o mundo espera de nós?”. Trevor responde novamente: “Nada!”. Atônito, Simonet prossegue:

Nada. Meu Deus, meninos e meninas, ele está absolutamente certo. Nada. Aqui estão vocês, não podem dirigir, não podem votar, não podem nem mesmo ir ao banheiro sem permissão. Estão presos aqui na sétima série. Mas não para sempre, porque um dia vocês estarão livres. Mas e se no dia que vocês estiverem livres, não estiverem preparados, não estiverem prontos e então, ao olhar ao seu redor, não gostam do que o mundo é? E se o mundo for apenas uma grande decepção?

O espanto no rosto dos alunos é visível e um deles responde: “Nós estaremos ferrados”. O professor diz: “A menos que você pegue as coisas que você não gosta sobre este mundo e vire-as de ponta cabeça. [...] E você pode começar isso hoje. Esta é a tarefa de vocês. Crédito extra. Vai durar o ano todo”. Ao dizer isso, o professor havia apontado para o quadro que dizia “Pensem em uma ideia para mudar nosso mundo – e coloque-a em prática!” (Figura 4).

76 Figura 4 - Cena de A Corrente do Bem, 2000 – Dir.: Mimi Leder

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Alguns alunos ficam assustados com a proposta e a definem com palavras como: estranha, difícil e chata. O professor considera todos os termos usados pelos estudantes e diz: “Que tal possível? É possível. O reino da possibilidade existe onde? Em cada um de vocês. Então vocês podem fazer isso. Vocês podem nos surpreender. Vocês decidem. Ou podem apenas sentar para trás e deixar atrofiar”. Trevor pergunta o que é que o professor faz para mudar o mundo. Ele pensa um pouco e responde: “Bem, Trevor, eu tenho uma boa noite de sono. Tomo um café da manhã saudável. Apareço aqui na hora certa e aí eu passo a bola pra vocês”.

Mesmo tratando-se de uma situação cinematográfica fictícia, o episódio da aula do professor Simonet faz com que, enquanto pesquisadora e docente, eu me sinta convocada a construir minha prática pedagógica no sentido de contribuir para meios de vida nos quais deposito minhas esperanças no prospecto de um futuro melhor. Simonet demonstra crença no potencial criador dos alunos, convida-os a produzirem e compartilharem saberes e é nessa direção que a pesquisa e a prática desenvolvidas no decorrer desta pesquisa se pretendem lançar.

Buscando respirar os ares de uma perspectiva orientada pelas questões anteriormente ponderadas, as oficinas foram delineadas de modo a distender experiências que propiciem um aprofundamento nas questões problematizadas pela pesquisa e outras proposições que venham a surgir durante o desenvolvimento da

77 ação.

Estas experiências é que fornecem o alimento para a produção dos vídeos, então não há a necessidade de realizar aulas isoladas para falar sobre técnicas de produção audiovisual, a menos que os alunos demonstrem necessidade ou desejo. Por essa razão, é abordado o vídeo experimental em consonância com algumas videoartes e outros vídeos experimentais. Também são explorados com novos olhares alguns materiais veiculados pela grande mídia televisiva, a fim de problematizá-los. Na realização das oficinas, o descompromisso com padrões visuais e informacionais deve ser destacado e contextualizado na contemporaneidade e a produção do novo através da descoberta das peculiaridades precisa ser instigada. O princípio da exploração da mídia no decorrer das oficinas vai de encontro à visão de Martins e Sérvio a respeito dos processos educacionais:

[...] cremos que a escola deve engajar-se num projeto de inclusão que seja responsável contribuindo para uma crítica das imagens que nos circundam. Uma inclusão que considere pensar a multiplicidade de imagens, a complexidade dos interesses a partir dos quais são produzidas e a relação ambígua, de amor e resistência que podemos, como receptores, ter com elas. (2013, p. 274)

Outro fato a ser esclarecido é que as oficinas não possuem uma sequência fixa e predeterminada, sendo possível trabalhá-las com diferentes turmas e executar o programa na ordem que pareça mais adequada ao momento. Também não há uma necessidade rígida de execução de todas as oficinas, já que isso depende do andamento das atividades e não de alguma dura esquematização que poderia ser aqui recomendada.

A descrição das oficinas que segue nas próximas páginas, se apresenta como um esboço de ideias que complementam o torço da proposta, que por sua vez consiste na discussão a respeito dos temas discutidos ao longo desta pesquisa. Os alunos participantes das oficinas devem produzir os vídeos experimentais de acordo com as significações que forem captando e engendrando durante as experiências propostas. Essa discussão será desdobrada através de conversas e exploração de materiais videográficos que nos ajudem a pensar nas questões que forem surgindo durante as oficinas.

A escolha dos materiais a serem utilizados depende bastante de um contato com a turma, para que seja possível conhecer os participantes em uma tentativa

78 de entender algumas de suas necessidades e anseios. Não seria coerente com a premissa aqui instigada seguir para a sala de aula com receitas prontas sem a disposição necessária para construir as ações pedagógicas em conjunto com os discentes.

As ações não foram planejadas tendo em mente uma faixa etária específica, sendo assim, aos educadores que possam se interessar pela proposta, é possível que realizem com várias turmas e em diferentes contextos, desde que realizadas adaptações que levem em conta o perfil dos alunos participantes.

Para a produção de dados desta pesquisa, as oficinas foram realizadas através de uma parceria entre pesquisadora e orientador no estágio docente que realizei na disciplina de Ateliê das artes do vídeo, a qual, além de propor a prática audiovisual, aborda o estudo de processos videográficos, tanto históricos quanto atuais.

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