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1. Perceção dos problemas mais estruturantes e estratégias para a sua superação

2.2. Presente e gestão da privação

2.2.4. A Estratégia autonomizante

A análise dos discursos revela várias formas pelas quais os indivíduos procuram garantir condições materiais às suas vidas, utilizando a estratégia autonomizante para se libertarem dos constrangimentos com que se deparam. Estas diferentes formas variam no tempo (entre 2011 e 2014) e com o perfil dos entrevistados. Pela natureza desta estratégia, diretamente relacionada com o trabalho, formação e rendimentos (dimensões abordadas no capitulo 1), procuraremos aqui apenas evidenciar como se operacionaliza este recurso, que motivações estão na sua génese e como se relaciona com as restantes estratégias.

Em 2014, 32 pessoas convocam esta estratégia para minimizar as suas necessidades quotidianas, mais 8 do que em 2011 (26). Contudo este número não corresponde em pleno a novas entradas. Na realidade, entre 2011 e 2014, 2 pessoas perderam a sua capacidade pró- ativa - Dália (incapacitada) conseguiu a pensão de invalidez e deixou de fazer limpezas, Ramiro (desafiliado) que arrumava carros esporadicamente em 2011, resquícios do seu instinto de sobrevivente de sem-abrigo, já não refere esta prática em 2014. O apoio à renda pela SCML e o RSI podem ter contribuído para sanar essa necessidade.

Por seu turno, Marisa (trabalhadora), Anabela, Olegário e Márcia (desempregados), Celina (cuidadora) e Camila e Vasco (trabalhadores pobres) procuram agarrar todas as oportunidades de trabalho que lhes permite aumentar o seu rendimento familiar.

Esta estratégia aparece nos discursos dos entrevistados sob diversas formas. No caso dos trabalhadores pobres, todos têm como fonte de rendimento o trabalho, pese embora não lhes garanta o sustento necessário. Para contrariar esta necessidade, alguns deles procuram incrementar os rendimentos auferidos com a aposta no aumento do número de horas de trabalho (Verónica) ou na realização de outros trabalhos, os designados biscates (Julieta, Ilda, Mª da Graça, Miguel).

“Para mim é, sendo a única pessoa a ter rendimentos é extremamente complicado. Tenho um hobby, ainda agora fui buscar uns computadores, para reparar, faço reparações em casa, tenho lá um cantinho onde faço reparações para amigos, conhecidos, amigos e isso tudo.” (Miguel, 34 anos, trabalhador pobre, 2014)

178 Os desempregados na expectativa de um emprego, aproveitam os trabalhos que lhes surgem, mesmo que precários e ocasionais (Olegário, Carolina e Anabela).

“Mas é muito raro, de ano a ano, uma vez e não é um mês de trabalho, é dias, 1 dia ou 2 dias, não dá para muito, mas ajuda.” (Olegário, 27 anos, desempregado, 2014)

Compensar as baixas qualificações com formação e/ou aumento da escolaridade na expectativa de, no futuro, disporem de melhores condições e oportunidades no mercado de trabalho é também uma alternativa equacionada e levada à prática por alguns trabalhadores pobres (como Ilda, Mª da Graça e Elvira) e desempregados (como Olegário).

“Porque se eu tinha o estudo como deve ser eu acho que tinha um bom … o meu negócio. Tudo isto também faz … [Gostava de fazer um curso de formação?] De formação de culinária que eu preciso mesmo…Mas ainda tenho ideia de fazer isso, eu não fiz porque eu também não quero meter muita coisa na minha cabeça … mas quando acabar vou fazer qualquer formação de culinária que é para poder…” (Mª da Graça, 56 anos, trabalhadora pobre, 2014)

Os restantes perfis - incapacitados, idosos e desafiliados - procuram complementar os rendimentos das prestações sociais também por via dos trabalhos precários e ocasionais e a através da venda de bens próprios que lhes permita fazer face às necessidades quotidianas que as prestações sociais não cobrem, é o caso de André.

“Há um rapaz amigo meu que trabalha num hospital que tem uma empresa, não tem uma empresa, faz trabalhos, acaba de fazer aquilo na candonga, não é bem uma empresa, porque não faz descontos, mas dá-me trabalho quando pode, dá-me trabalho se for preciso uma semana por mês, mas sempre que pode, dá-me trabalho e é assim que eu tenho sobrevivido.” (César, 41 anos, desafiliado, 2014)

“Só se vende por necessidade. E eu fiz isso, vendi por necessidade. Tenho mais umas peças, hoje vendo pouco, 2 – 3 anéis, um fio, é muito insignificante mas… pintura… comprei alguma pintura porque estava estragada e eu restaurei, fiz uns restauros de quadros, tenho alguma pintura mas pouca que fui vendendo e estou a vender algumas coisas, vendi um relógio grande…” (André,64 anos, idoso, 2014)

Esta breve análise permite verificar que estes 32 entrevistados se subdividem em dois grupos, aqueles para quem o trabalho é um objetivo, os que trabalham a tempo completo, os que conseguem apenas trabalhos irregulares ou algumas horas por dia e ainda aqueles que, apesar de o desejarem não têm essa oportunidade (28); e, no polo oposto, encontramos aqueles cuja saúde e idade os condiciona grandemente a desempenhar uma atividade profissional, todavia a falta de recursos que lhes garanta o sustento obriga-os a agarrar e manter qualquer oportunidade de trabalho (4).

179 Quadro 55. Entrevistado por perfil e fase do barómetro em que convocam a estratégia autonomizante,

2011 e 2014

Fase do Barómetro em que convocaram a estratégia

autonomizante

Trabalho como objetivo 2011 (23) – 2014 (26)

Trabalho como recurso 2011 (3) – 2014 (4)

2011 1 Desafiliado - Ramiro 1 Desempregada - Filipa

Incapacitada – Dália

2011-2014 15 Trabalhadores pobres - Rita; Alda; Julieta; Paulina; Verónica; Álvaro; Carolina; Elvira; Filomena; Ilda; Mª da Graça; Miguel; Roberto; Teolinda; Valentina

2 Idosos – Fátima, André 3 Desafiliados – Almerinda, Júlio, César

1 Trabalhadora - Tânia

Incapacitados – Joaquim Idosa – Mariana

2014 Trabalhadora - Marisa

3 Desempregados – Anabela, Olegário, Márcia

1 Cuidadora – Celina 1 Trabalhador pobre - Vasco

Incapacitada - Mª Celeste Trabalhadores pobres – Camila

Fonte: Entrevistas a pessoas em situação de pobreza, Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Dinâmia-CET, 2014

Porém, existem circunstâncias que requerem mais recursos do que aqueles que se podem angariar pela estratégia autonomizante. Nesses momentos, o recurso à rede informal, o contacto com instituições de ação social ou pedir emprestado constituem uma solução.

Sempre que é possível operacionalizar a estratégia autonomizante esta é a primeira opção dos entrevistados, mesmo face à solidária, apesar de se tratar de um grupo cuja coesão familiar é boa. As estratégias institucional e hipotecada são o último reduto, por esta ordem. Apenas são convocadas quando a procura de trabalho não é de todo frutífera ou as necessidades vão para além dos rendimentos que ele capitaliza. O que não surpreende porque dispõem de uma confiança institucional nula, demonstrando resistência, inevitabilidade ou a recusa na sua relação com os apoios sociais.

180 Quadro 56. Número de entrevistados que convocam a estratégia autonomizante segundo as restantes

estratégias e perfil, 2014

Estratégia convocada em

2014 Recurso à estratégia autonomizante em 2014, por perfil

Solidária Sim

(28)

2 Incapacitados; 4 Desempregados; 1 Cuidadora;

15 Trabalhadores pobres; 1 Idosos; 3 Desafiliados; 2 trabalhadoras Não 2 Trabalhadores pobres; 2 idosos

Total 32

Institucional Sim

(25)

2 Incapacitados; 4 Desempregados; 1 Cuidadora;

13 Trabalhadores pobres; 2 Idosos; 2 Desafiliados; 1 trabalhadora Não 4 Trabalhadores pobres; 1 idoso; 1 desafiliado; 1 trabalhadora Total 32

Hipotecada

Sim

(13)

1 Incapacitado; 3 Desempregados; 1 Cuidadora; 6 Trabalhadores pobres; 1 Idosa; 1 Desafiliado

Não

(19)

1 Incapacitado; 1 Desempregado; 11 trabalhador pobre; 2 Idosos; 2 Desafiliados; 2 trabalhadoras

Total 32

Fonte: Entrevistas a pessoas em situação de pobreza, Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Dinâmia-CET, 2014

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3. Resultados dos apoios na satisfação das necessidades: dissabores e