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A estratégia institucional e as disposições na adesão à condição de assistido

1. Perceção dos problemas mais estruturantes e estratégias para a sua superação

2.2. Presente e gestão da privação

2.2.1. A estratégia institucional e as disposições na adesão à condição de assistido

Quando se analisa o tipo de adesão a prestações e benefícios assistenciais tem-se em consideração a perceção por parte dos entrevistados do que é adquirir o estatuto de “beneficiário”, ou seja, aceder a algumas das medidas de garantia de rendimentos no âmbito dos regimes de proteção e cidadania a apoios económicos e materiais atribuídos por via da rede de assistência social seja ela privada ou pública. Embora para a análise da adesão se contemple apenas estes dois domínios, quando se trata de compreender as estratégias institucionais que são convocadas e o tipo de apoios auferidos inclui-se também as prestações do sistema previdencial32, tendo sempre por referência as pessoas que integram o Painel do

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Embora se considere os dois sistemas - proteção e cidadania e previdencial – é relativamente ao primeiro que as pessoas mais se manifestam quando se trata de falarem da forma como aderem e acedem aos apoios previstos. Importa clarificar o que inclui cada um destes sistemas: ao sistema de proteção e cidadania compete: i) a efetivação do direito a mínimos vitais dos cidadãos em situação de carência económica; ii) a prevenção e a erradicação de situações de pobreza e de exclusão; iii) a compensação por encargos familiares; iv) a compensação por encargos nos domínios da deficiência e da dependência. Englobando três subsistemas: i) o de Ação Socialconcretiza-se nos seus principais objetivos, através de serviços e equipamentos sociais; programas de combate à pobreza, disfunção, marginalização e exclusão social; atribuição de prestações pecuniárias de carácter eventual em condições de excecionalidade e prestações em espécie; Ii) o de Solidariedade abrange um conjunto de eventualidades (ex.: invalidez, velhice, morte, insuficiência de rendimentos…) e de situações de compensação social ou económica em virtude de insuficiências contributivas ou prestacionais do sistema previdencial (ex.: RSI, CSI pensões sociais, subsídio social de desemprego…); iii) o de Proteção Social assegura a compensação de encargos familiares quando ocorrem determinadas eventualidades (encargos familiares no domínio da deficiência e da dependência). O sistema previdencial garante prestações substitutivas de rendimentos de trabalho das pessoas com carreira contributiva, nas seguintes eventualidades: doença; maternidade, paternidade e adoção; desemprego; acidentes de trabalho e doenças profissionais, velhice e morte.

150 Barómetro, ficando deste modo excluídos os restantes elementos que compõem o agregado familiar33.

A inquirição em dois momentos distintos (2011 e 2014) sobre a disposição das pessoas para requerer apoios que suprissem as suas necessidades permite detetar algumas nuances na forma como este percurso se configura, revelando como se negoceia em termos identitários a condição de assistido, nomeadamente pela oscilação destas disposições ao longo do tempo. Como se constatou anteriormente, a estratégia ativa institucional na gestão da privação diminuiu, em 2014, entre os entrevistados do Painel. De 52 passaram para 48 as pessoas que recorreram aos apoios institucionais para suprir as suas necessidades quotidianas. Este dado é aparentemente paradoxal com as alterações registadas no tipo de adesão aos dispositivos de assistência/proteção social, que apontam para uma manifestação de adesão mais facilitada. Se os casos de recusa aumentam (mais 2 pessoas), das 17 pessoas que revelavam resistência em 2011 encontram-se apenas 7 com a mesma disposição em 2014, sendo nesta Fase II do Barómetro 39 os entrevistados que assumem não ter qualquer dificuldade em aderir aos serviços, contra 31 em 2011.

Quadro 48. Tipo de adesão aos dispositivos de assistência social

2011 2014 Recusa 5 7 Resistência 17 7 Inevitabilidade 3 2 Facilidade 31 39 N/A 2 NS/NR 1 Total 57 57

Fonte: Entrevistas a pessoas em situação de pobreza, Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Dinâmia-CET, 2014

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Uma análise mais detalhada das fontes de rendimentos dos agregados familiares que integram o Painel pode ser consultada no Capítulo 1.4.

151 Quadro 49. Perfil de entrevistados, segundo o tipo de adesão aos dispositivos de assistência social

2011 2014

Recusa 55 a 64 anos

Agregados familiares sem menores Menos 5 anos em situação de pobreza

Tipo de pobreza oscilante|exclusãointergeracional Confiança inter-institucional nula| fraca

Grau de coesão familiar médio

Disposição para a ação Resiliência/ativação | Frustração/stress

36 a 45 anos | 56 ou mais anos Agregados familiares sem menores Mais 5 anos em situação de pobreza

Tipo de pobreza oscilante|exclusãointergeracional Confiança interinstitucional fraca

Grau de coesão familiar médio

Disposição para a ação Resiliência/ativação

Resistência Até 35 anos | 46-64 anos

Agregados familiares com menores Menos 5 anos em situação de pobreza Tipo de pobreza oscilante|episódica Confiança inter-institucional fraca Grau de coesão familiar médio|bom Disposição para a ação Resiliência/ativação

Até 55 anos

Agregados familiares com menores Mais de 5 anos em situação de pobreza Inexistência de pobreza intergeracional Confiança interinstitucional nula/média Grau de coesão familiar bom

Disposição para a ação Frustração/stress

Facilidade 36-45 anos|65 ou mais anos Agregados familiares sem menores Problemas de saúde

Mais 5 anos em situação de pobreza

Tipo de pobreza persistente|exclusãointergeracional Confiança interinstitucional boa

Grau de coesão familiar fraco/NA

Disposição para a ação Adaptação|conformismo

Até 35 anos|65 ou mais anos Sem relevância o tipo de agregado Problemas de saúde

Tipo de pobreza persistente|exclusãointergeracional Confiança interinstitucionalboa|nula

Grau de coesão familiar fraco|médio

Disposição para a ação Adaptação|conformismo

Fonte: Entrevistas a pessoas em situação de pobreza, Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Dinâmia-CET, 2014

A recusa

Entre as pessoas que manifestaram a sua recusa em aderir a apoios institucionais é importante referir que na maioria das situações estes entrevistados auferem já de algum tipo de prestação. Em 2014, das 7 pessoas que manifestaram este tipo de postura (Anália, André, Filomena, Ilda, Maria da Graça, Mariana e Marisa), Filomena é a única que não beneficia de

152 habitação social, nem de qualquer outro tipo de apoio. Os restantes entrevistados para além de residirem em habitação social, acumulam este apoio com outros: 4 beneficiam de pensões/reformas de velhice/invalidez/viuvez; 1 de prestações familiares e 1 prestações da ação social. Trata-se, na sua maioria, de agregados sem filhos menores, cujo percurso de vida é marcado por situações oscilantes de vulnerabilidade e onde emerge uma fraca ou nula confiança interinstitucional, marcada essencialmente pela discricionariedade associada à atribuição de apoios, fruto de um passado de pobreza intergeracional, cujo contacto com os serviços nem sempre trouxe boas memórias (cf. Quadro 76 em Anexo).

“Confio na minha filha. Só. O resto não. A minha mãe, coitadinha, há muitos anos foi à Sta. Casa. Foram lá ver a casa da minha mãe, que era limpa e asseada, e não teve nada. A outra que era porca é que teve! Era miúda e nunca me esqueço disto. Essa que levou o dinheiro e que a Sta. Casa ajudou, não precisava! A minha mãe, coitadita, como era limpa e trabalhava a dias para as pessoas, tinha sempre a casa que era um mimo. A assistente social foi lá visitar a casa e achou que estava muito bem-posta. ‘A senhora não precisa’. [Passavam necessidades?] Passávamos. Fome não. A minha mãe desde aí nunca mais pediu nada a ninguém. Nem Santa Casa, nem mais. Eu fiquei com isso na memória e não vou." (Anália, idosa, 78 anos, 2014)

Entre estas 7 pessoas encontram-se posturas diferenciadas que se refletem na forma como convocam ou não a estratégia institucional para gerir economicamente o seu quotidiano. Se André surge como um dos casos que passou a aderir a esta estratégia por ter requerido, depois de um período de hesitação, a reforma antecipada, demarca-se da adesão a outros apoios, convocando, como vimos anteriormente, o discurso da justiça social.

Entre aqueles que mantêm a recusa em aderir aos dispositivos de assistência encontramos Anália, Filomena, Maria da Graça e Marisa. Filomena, com 60 anos, é um caso paradigmático de descredibilização nas instituições e de total desproteção do sistema, mesmo estando instalada numa condição de vulnerabilidade de longa data. Aliás, à exceção da situação de Jerónimo em 2014, é a única entrevistada que tanto em 2011, como em 2014 não aufere qualquer apoio institucional e que mantém uma postura de recusa resignada:

"Eles não ajudam ninguém. Vamos lá fazer o quê, doutora?" (Filomena, trabalhadora pobre, 60 anos, 2014)

"Somos novos para a reforma e velhos para trabalhar. É o país que nós temos. O país daqueles que os lá puseram" (Filomena, trabalhadora pobre, 60 anos, 2014)

Com a sobrevivência garantida pelo trabalho intermitente do marido nas obras como servente, e com a realização de biscates conjuntos na apanha, descasca e revenda de cobre, Filomena continua com o marido a viver em casa de habitação social da sogra, não reunindo os requisitos para pedir um desdobramento, dado existirem rendas em atraso por regularizar.

153 Marisa, embora tenha saído da zona de vulnerabilidade, continua a manifestar o mesmo tipo de discurso sobre a demasiada exposição pessoal que exige o recurso a apoios. No entanto, apoia o marido nos processos de RSI que vai requerendo e em discurso direto explicita como se dirigiu ao seu companheiro sobre este assunto:

"- Metes os papéis só para ti, porque eu não quero ninguém atrás de mim." (Marisa, trabalhadora, 43 anos, 2014)

Já Ilda e Mariana surgem como os dois novos casos que revelam uma alteração de postura na relação com os dispositivos de assistência (passam de uma adesão facilitada para a recusa). Se Ilda ingressou no mercado de trabalho e reconhece que a sua situação económica melhorou, mesmo tendo deixado de receber RSI, a fragilidade dos seus rendimentos não lhe permite assegurar a regularidade dos seus encargos mensais, nomeadamente com a renda da casa. A beneficiar da pensão de invalidez, de prestações familiares e de habitação social recusa perentoriamente recorrer ao RSI. Mariana, tendo tido anteriormente um apoio eventual da SCML quando a sua mãe estava acamada, hoje com 75 anos e auferindo uma pensão de velhice de 400€, tem dificuldade de assegurar a compra de todos os medicamentos que necessita. No entanto, recusa pedir apoio para medicamentos, pois não acredita que lhe concedam:

“Porque eu sei que chegava lá e não me davam nada. Eram capazes de dar se calhar a pessoas que às vezes não precisam. Eu? Deus me livre. Enquanto, que eu tiver ao menos para comer uma sopa, não vou pedir nada. Mas nem pensar.” (Mariana, idosa, 75 anos, 2014)

A resistência e a inevitabilidade

Dos 17 entrevistados que manifestaram, em 2011, resistência em aderir a dispositivos de assistência, apenas 5 mantêm esta postura em 2014 (Alda, Álvaro, Deolinda, Filipa, Verónica), aos quais se somam 2 pessoas que alteraram a sua atitude, nomeadamente por no primeiro momento do Barómetro terem revelado facilidade na adesão a apoios sociais (Anabela e Luísa). Do conjunto dos entrevistados “resistentes” em 2011, a maioria passou a ter essa facilidade: 2 incapacitados (Aura e Dália); 4 desempregados (Márcia, Olegário, Paula, Pedro); 1 cuidadora (Amélia); 3 trabalhadores pobres (Carolina, Julieta, Valentina)34. Apesar desta alteração de disposição, a tendência, em termos de perfil, dos mais resistentes mantém-se: continuam a ser os trabalhadores pobres e os desempregados que mais manifestam este tipo

34 A entrevista realizada a Rita em 2014 não permite detetar o tipo de adesão a dispositivos de

154 de postura, revelando como a esfera do trabalho assume a sua relevância na credibilização das capacidades dos sujeitos para fazer face a momentos críticos e como a necessidade de ter de recorrer acaba por manifestar os entraves a um agir individualizado (cf. Quadro 49 e 50).

Quadro 50. Comparação da manifestação de resistência na adesão aos dispositivos de assistência, por perfil de pobreza e balanço da situação económica

Perfil

Resistentes 2011 Resistentes 2014

N Entrevistados N Entrevistados

Incapacitados 3 Aura, Dália, Deolinda 1 Deolinda

Desempregados 5 Filipa, Márcia, Olegário, Paula, Pedro 2 Anabela, Filipa

Cuidadoras 1 Amélia 0

Trabalhadores pobres

7 Alda, Álvaro, Carolina, Julieta, Rita, Valentina, Verónica

3 Alda, Álvaro, Verónica

Idosos 1 Mariana 1 Luísa

Total 17 7

Legenda Mantém situação económica Piora situação económica Melhora situação económica

Fonte: Entrevistas a pessoas em situação de pobreza, Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Dinâmia-CET, 2014

Ultrapassar a resistência para aderir a dispositivos de assistência social não parece ter sido fácil e alguns entrevistados referem mesmo que se tratou de uma inevitabilidade. Na origem desta alteração encontram-se, sobretudo, os momentos críticos registados entre as Fases I e II do Barómetro, onde se destacam como principais problemáticas referenciadas: a cessação ou diminuição de apoios sociais (6), a redução dos rendimentos do trabalho (4), as situações de desemprego dos filhos/netos (3), os problemas de saúde (3). Márcia e Deolinda são duas das pessoas que expressam a inevitabilidade que foi ter de requerer apoios, apontando com desconforto a invasão da privacidade e a perda de dignidade:

"Dar contas do que uma pessoa faz da sua vida pessoal, não é bom. O ideal seria ter trabalho” (Márcia, desempregada, 58 anos, 2014)

"Porque a gente com necessidades tem que perder o mínimo da dignidade de sempre, mas temos que a perder. Porque há crianças para alimentar também. E eles estão em primeiro lugar do que a vergonha e do que tudo". (Deolinda, incapacitada, 55 anos, 2014)

155 Apesar dos problemas sentidos no período que mediou as duas fases de inquirição, é de salientar os casos de Filipa e Álvaro que apesar do agravamento da sua condição económica, mantêm a resistência em aderir a certo tipo de apoios. Por outro lado, é também de destacar os dois novos casos que passam de uma adesão relativamente facilitada a resistentes. Se Anabela retrata, como já vimos (cf. Capítulo 2.1.) uma destas situações, também Luísa, com 84 anos, embora considere que a sua situação económica se mantém semelhante a 2011 (ela e o marido subsistem com 550€), a sua disposição para a ação piorou, refletindo-se numa desmobilização no pedido de apoios:

"É escusado lá ir, a mim não me dão nada, é escusado lá ir. [vizinhas que tiveram chão novo em casa] É sorte, é. Não sei, elas sabem engraxar, eu não sei engraxar…pedir, não sei pedir. Elas sabem e eu não sei. Eu nunca fui educada nisto. " (Luísa, idosa, 84 anos, 2014)

Identificando como principais momentos críticos ter deixado de receber banco alimentar, por lhe terem dito que não teria direito, e de a renda social ter sido aumentada, acresce as suas dificuldades de locomoção que a impedem de ir comer uma sopa numa instituição, sediada no seu bairro de residência.

A intensidade das necessidades e o seu prolongamento no tempo leva a ultrapassar a resistência na exposição pessoal e de adesão a uma nova categoria de sujeitos. No entanto, estas pessoas confrontam-se com as dificuldades de aceder a apoios que para além de estarem associadas às novas regras de acesso a determinadas medidas de proteção social, parecem também remeter para uma estratégia dos dispositivos de assistência a condicionar a entrada de novas pessoas que pelo seu perfil de recursos parecem ter capacidade para resistir à sua nova situação social.

A facilidade

Entre aqueles que mantêm a facilidade no recurso ao sistema, encontramos, sobretudo, os entrevistados mais novos (até aos 35 anos), mas também os mais velhos (com 65 ou mais anos), com problemas de saúde que os impedem de trabalhar. Com um passado de pobreza intergeracional que ao longo do percurso de vida foi difícil romper, alia-se um grau de coesão familiar fraco ou médio que limita a possibilidade de recorrer aos eventuais recursos que a rede familiar poderia disponibilizar. E é, neste sentido, que emerge tendencialmente entre estes entrevistados níveis de confiança mais elevados nas instituições (cf. Quadro 49).

156 É de salientar o caso de Celestina, com 76 anos, pois em 2011 a estratégia de gestão institucional não estava presente nas suas formas de gestão da privação no quotidiano. Esta ausência não significava, no entanto, que não acionasse mecanismos para poder ter apoios. A sua persistência e insistência para beneficiar de qualquer tipo de apoio tem sido uma constante ao longo da sua vida, auferindo na maioria das vezes de apoios eventuais para colmatar algumas das suas necessidades (luz, fraldas, medicamentos, alimentos…)

“ [Quando foi lá pedir as fraldas e ajuda para a luz, o que ia a pensar?] Ia a pensar levar um não. Mas mesmo assim fui, por causa das fraldas do meu marido. Porque as fraldas são muito caras." (Celestina, idosa, 76 anos, 2014)

No sentido inverso, encontramos ainda os casos de Jerónimo e César (desafiliados) e de Rita (trabalhadora pobre) que embora sempre tenham manifestado uma relativa facilidade em aderir aos dispositivos de assistência social, em 2014 a estratégia institucional não faz parte do das formas de gestão quotidiana das suas necessidades. Se no caso de Jerónimo encontramos o recebimento de uma herança que o faz sair do Programa Casas Primeiro e dar baixa do RSI, César deixa de receber RSI por falta de comparência a uma entrevista. No entanto, no dia em que nos encontrámos com ele, tinha ido marcar atendimento com a assistente social para requerer novamente o RSI, encontrava-se a aguardar a resposta ao pedido para ter apoio do Banco Alimentar e já lhe tinha sido negado um apoio eventual para pagar água e eletricidade. Rita embora mantenha até 2015 a prestação bancária na sequência do pedido de microcrédito que fez em 2007, para poder comprar carrinhos com refrigeração para vender gelados e ter um lugar de venda fixo legal, subsiste com a pensão do marido e com os rendimentos do trabalho, que têm vindo a diminuir. Esta quebra nos lucros da sua atividade levou-a a renegociar o crédito à habitação e a pedir à SCML, em 2012, um apoio para óculos, ao qual ainda aguardava resposta no momento da entrevista.

Os apoios auferidos

Independentemente das estratégias e disposições na relação com a assistência social e com o sistema de proteção social, interessa fazer o balanço do conjunto de benefícios sociais auferidos pelo Painel de entrevistados do Barómetro.

A manutenção do número médio de apoios que são concedidos às pessoas que integram o Painel (2) poderia ser um indicador revelador de uma faceta positiva do sistema de proteção social e da rede institucional local na resposta ao acentuar das situações de vulnerabilidade

157 que se fizeram sentir, que como se constatou foi marcante entre os dois períodos de observação: a maioria considera que a sua condição económica piorou (30), aumentando o número de pessoas que manifestaram maior facilidade na adesão a apoios sociais (mais 8). No entanto, as alterações registadas no tipo de apoios, bem como a identificação pelos entrevistados dos principais momentos críticos que ocorreram entre 2011 e 2014, põem a descoberto uma outra realidade.

De facto, entre os principais incidentes críticos percecionados pelas pessoas que integram o Painel do Barómetro surge a cessação/diminuição dos apoios: 25 de 57 entrevistados identificaram este problema. Também o balanço do tipo de apoios auferidos entre a 1ª e a Fase II do Barómetro vão, igualmente, neste sentido: de 26 passa-se para 16 entrevistados que deixaram de beneficiar de prestações substitutivas/complementares dos rendimentos do trabalho. Se nalguns casos, se relaciona com o término do período relativo à proteção no desemprego, noutras situações reflete um regime de proteção social que nos últimos quatro anos tem vindo a tornar-se cada vez mais seletivo e cada vez menos generoso: modificações nas regras de acesso a certas prestações, nomeadamente com a alteração da escala de equivalência para efeitos da capitação dos rendimentos do agregado familiar; mudanças no valor e duração das prestações e no quadro do regime sancionatório, no caso do RSI (cf. Caixas 4, 5 e 6 em Anexo).

Também as prestações familiares sofrem uma quebra acentuada: passam de 21 para 17 casos, onde apenas um dos casos se prende com a entrada no mercado de trabalho dos filhos (Álvaro). Na origem desta redução estará a alteração das regras previstas para determinação da condição de recursos, mas também a antecipação da prova escolar a partir do ano letivo de 2012/13 e a obrigação de aceder à Segurança Social Direta. Ou seja, por um lado, anteriormente a prova escolar que permitia continuar a receber o abono de família era feita até 31 de Outubro e passou para 31 de Julho, acontece que nesta data muitos alunos ainda não sabem se irão frequentar o próximo ano letivo e não têm matricula formalizada. Por outro lado, nem todas as pessoas têm facilidade de aceder à internet para formalizar a prova escolar (cf. Caixa 2).

As prestações de ação social, nomeadamente através da atribuição de subsídios eventuais procuraram cobrir algumas das situações deixadas a descoberto pela redução dos apoios anteriormente recebidos: de 18 prestações desta natureza registadas em 2011, passa-se para 24, sendo metade destas relativas a apoios concedidos à renda de uma casa no mercado privado de habitação.

158 Como vimos anteriormente, o problema da habitação é um tema recorrente em muitos dos discursos dos entrevistados. Pelo menos 10 pessoas o identificaram como um fator crítico que ocorreu entre as duas fases do Barómetro, inclusive aqueles que beneficiam de habitação social e viram as rendas aumentadas35. Se 21 pessoas que integram o Painel beneficiam diretamente de habitação social36 e 10 têm apoio ao arrendamento por via dos subsídios eventuais da SCML, os restantes 26 entrevistados não têm nenhum apoio direto: 8 residem em coabitação (6 em habitação social e 2 no mercado privado), 1 num albergue, 1 não é titular do contrato de arrendamento, 2 estão em ocupação abusiva de uma casa em bairros sociais e os