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O acentuar dos processos de vulnerabilização

1. Perceção dos problemas mais estruturantes e estratégias para a sua superação

1.1. Processos de vulnerabilização do Painel do Barómetro: um balanço

1.1.2. O acentuar dos processos de vulnerabilização

Entre 2011 e 2014, 15 dos entrevistados que haviam entrado em situação de vulnerabilidade há menos de 8 anos não encontraram ainda saída para a sua situação. Como podemos verificar no quadro seguinte, nenhum elemento deste segmento perceciona a sua situação de pobreza como persistente.

Quadro 7. Entrevistados em situação de pobreza há menos de 8 anos por perceção da situação de pobreza

N Exclusão Intergeracional S/Exclusão Intergeracional Oscilante 8 2 Incapacitadas (Maria Celeste, Dália); 2

trabalhadores Pobres (Maria da Graça, Paulina)

2 Trabalhadores Pobres (Miguel, Rita); 1 Incapacitado (Antero); 1 Desafiliado (César)

Episódica ou Acidental

6 1 Desempregado (Pedro); 1 Idoso (André); 1 Trabalhadora Pobre (Carolina)

2 Trabalhadores Pobres (Verónica, Vasco); 1 Desempregada (Márcia)

Na Reforma 1 1 Idoso (Gonçalo)

Total 15 7 8

Fonte: Entrevistas a pessoas em situação de pobreza, Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Dinâmia-CET, 2014

O percurso de vulnerabilização de Vasco ilustra como o tempo de permanência numa situação de desemprego e a ausência de respostas sustentadas para alavancar um processo de desvulnerabilização se poderão traduzir num enraizamento de situação de pobreza. Em 2011, Vasco encontrava-se desempregado há 5 anos após uma vida de trabalho estável no comércio de calçado. Apesar de ter rentabilizado o período de desemprego para incrementar o seu nível de qualificação (concluiu o 12º ano em RVCC8) não foi possível durante um longo período de tempo regressar ao mercado de trabalho. Findo o subsídio de desemprego, recorre à assistência para apoio e em 2014 consegue um trabalho como auxiliar de educação numa escola. Trata-se, contudo, de um trabalho a tempo parcial, sem garantia de continuidade, e com um salário muito baixo (cerca de 300€), que ainda é diminuído por uma penhora de 75€

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O RVCC - Reconhecimento, validação e certificação de competências - é um processo através do qual são reconhecidas as competências que os adultos adquiriram ao longo da vida, fora dos sistemas formais de educação e formação, em contextos passíveis de gerar aprendizagens. Em 2005 foi lançada a Iniciativa Novas Oportunidades que contemplou a implantação de uma rede de Centros Novas Oportunidades que operacionalizaram, de forma massiva, os processos de reconhecimento e validação de competências. Estes Centros Novas Oportunidades encerraram definitivamente em Março de 2013.

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mensais e pelos gastos em transportes para o local de trabalho no concelho da Amadora. O seu discurso em 2014 revela um sentimento de frustração relativamente à situação em que vive.

Para César, também em situação de pobreza há menos de 8 anos, a perceção dos incidentes críticos é oscilante, mas em 2014 a consciência das dificuldades em recomeçar um percurso é marcante no seu discurso. César é filho de um operário fabril e esteve numa escola particular até ao 4ºano. Na infância nunca lhe faltou nada em casa. Abandona a escola aos 15 anos. Entra no mercado de trabalho e inicia um percurso de toxicodependência. Esteve detido entre 1997 e 2011 onde descobre que tem VIH. Quando sai da prisão inicia uma relação conjugal que durou sete anos. Encontra trabalho, ganha um enteado e completa o 9º ano. Em 2010, o fim da relação traz-lhe uma depressão e auto despedimento da empresa onde trabalhava. Em 2014, César encontrava-se desencorajado, arranjando por vezes trabalho esporádico na empresa de um amigo.

1.1.3. A saída da situação de pobreza: dois casos

Tânia e Marisa, ambas mulheres em idade ativa, revelaram na Fase II do Barómetro ter saído da zona de vulnerabilidade em que se encontravam. Porém, não só os incidentes críticos que as fizeram entrar episodicamente numa situação de pobreza são diferenciados, como os motivos pelos quais hoje estão em melhor situação se afiguram diferentes, nomeadamente no que diz respeito às condições de entrada no mercado de trabalho. Se no caso de Margarida a situação precária em que se encontra e a não proteção em caso de doença poderá reverter as melhorias conseguidas, Tânia apresenta desde logo um percurso mais sustentado por via da qualificação profissional e da entrada no mercado de trabalho com vínculo laboral.

Os pais de Marisa tiveram percursos laborais estáveis. Porém, esta aos 14 anos, apenas com o 1º ciclo concluído, começa a trabalhar como empregada de limpezas, e aos 17 anos casa-se. Inicia um percurso de toxicodependência com o marido e separa-se. Aos 20 casa-se novamente. Em 2001 é detida com o marido por tráfico de droga. Passa 6 anos na prisão. Quando sai da cadeia, com 36 anos de idade, para além das dificuldades em arranjar trabalho depara-se com um problema de dependência da sobrinha por doença ao qual tem que dar apoio. O marido consegue arranjar trabalho como eletricista, mas em consequência da falência da empresa é despedido. Findo o período de subsídio de desemprego, sobrevivia a fazer

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alguns biscates. As despesas eram pagas com os biscates do marido e o vencimento da enteada. Em 2014 Marisa havia saído da pobreza, através da angariação de várias casas onde faz trabalhos de limpeza, sem contrato e sem descontos. Com um rendimento de 1200€ mensais, os biscates do marido e o vencimento da enteada é hoje possível ter uma vida mais confortável. Tendo em vista um trabalho para o marido espera comprar a casa onde reside9.

Tânia tem a frequência do 3ºciclo de escolaridade. Aos 16 anos começou a trabalhar como florista. Com as gravidezes de risco chegou um período de instabilidade laboral. O negócio por conta própria neste ramo que tinha iniciado com o marido chegou ao fim com o divórcio, do qual resultou um período crítico. Nesta altura recorreu ao RSI do qual beneficiou durante 6 meses. Através de uma conhecida soube de um curso de geriatria subsidiado pela SCML e durante a formação viveu com pouco mais de 200€ do curso, a pensão de alimentos e a ajuda financeira dos pais. Conseguiu começar a trabalhar num lar como ajudante onde permanece até hoje, com contrato a termo, mas com confiança na continuidade do emprego. Em 2014 Tânia havia reatado a relação com o marido, tinha sido novamente mãe e continuava a viver numa casa cedida pelos pais. O seu vencimento (620€) mais o do marido (1500€) permitem uma vida desafogada.

O exercício de pesquisa do perfil de pessoas de acordo com a sua perceção de pobreza, exposto no quadro seguinte10, distingue sobretudo os que referenciam a sua situação como sendo persistente e aqueles que a consideram oscilante ou fruto de acidentes de percurso. Tendencialmente, os elementos do Painel que experienciam a sua situação de vulnerabilidade de forma persistente são pessoas incapacitadas por motivo de doença, desempregados e idosos, residentes nas freguesias de Marvila e Santa Clara. Trata-se de um grupo que, tendo crescido num contexto de vulnerabilidades, é tendencialmente menos escolarizado e mais velho, permanecendo na situação de pobreza há mais de 8 anos. A relação com a assistência é de longa duração e, se em 2011 já se definiam como pobres, essa perceção permanece em 2014.

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Apesar da sua situação ter melhorado, Marisa dá conta na entrevista da situação difícil em que se encontram alguns dos seus familiares próximos, nomeadamente uma irmã: "Eu tive uma cunhada minha que esteve muito mal. Ela perdeu o trabalho e já esteve para vender a casa e tudo. Agora é que ela arranjou trabalho, mas teve um ano e tal para conseguir. Os filhos é que a ajudaram. Ajudaram a pagar a água e a luz. A única coisa é que ela ficou em atraso foi umas dívidas de uns cartões e da casa. Ela teve que tirar um filho da escola que estava no 6º ano" (Marisa, 43 anos, Trabalhadora, 2014).

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Encontra-se excluído deste quadro a perceção de pobreza por entrada na reforma por se tratar apenas de dois casos.

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Já os entrevistados cuja experiência na pobreza é tida como episódica ou acidental apresentam um perfil mais heterogéneo. Trata-se de incapacitados, desempregados, cuidadoras e desafiliados, de vários grupos etários, mas tendencialmente mais escolarizados, que se encontram em situação de pobreza há menos de 8 anos, e com menos casos de intergeracionalidade das situações de privação. A sua relação com a assistência não dura há mais de 10 anos, mas entre os elementos deste grupo encontram-se entrevistados que alteraram a sua auto-perceção para pobres, face a 2011, enquanto outros que não se identificavam como pertencente ao grupo dos “pobres” em 2011, mantêm a mesma postura em 2014. A área de residência não se apresenta neste grupo como uma variável discriminante. Aqueles cujo percurso tem sido marcado por oscilações nas suas condições de vida apresentam um perfil com contornos mais nítidos no que diz respeito aos perfis de pobreza. Trata-se, sobretudo, de cuidadoras e trabalhadores pobres, que embora tenham sofrido privações na sua infância e juventude, iniciaram a sua relação com a assistência há menos de 10 anos, e residem sobretudo nas freguesias de Sta. Maria Maior e São Vicente. Porém, revelam ter também alguma heterogeneidade traduzida nos grupos etários (mais jovens e a meio da sua idade ativa), nas suas habilitações onde se registam entrevistados com o 3º ciclo, a par daqueles que não têm qualquer grau de ensino e os que têm o 1º ciclo e ainda na sua auto-representação face à pobreza: se uns se sentem pobres em 2014, como o haviam expresso em 2011, outros alteraram a sua perceção e não se identificam como sendo pobres em 2014.

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Quadro 8. Perfis de entrevistados por perceção da pobreza

Episódica ou Acidental Oscilante Persistente

Zona: Transversal Zona: Sta. Maria Maior/São Vicente

Zona: Marvila/Sta. Clara

Perfis: Incapacitados, Desempregados, Cuidadora, Desafiliados

Perfis: Cuidadoras e Trabalhadores Pobres

Perfis: Incapacitados, Desempregados, Idosos Balanço Perceção Pobreza: Altera para

pobre em 2014/Sente-se não pobre 2011-14

Balanço perceção pobreza: Sente-se pobre 2011- 14/Altera para não pobre em 2014

Balanço perceção pobreza: Sente- se pobre 2011-14

Idade: transversal Idade: até 35; 46-55 anos Idade: 36-45; mais de 56 anos Inicio relação com a assistência: 10 ou

menos anos

Início de relação com a assistência: 10 ou menos anos

Início de relação com a assistência: 10 ou mais anos

Tendencialmente mais escolarizados Sabe ler e escrever, 1º ciclo e 3ºciclo

Tendencialmente menos escolarizados

Tempo de permanência na pobreza_ menos de 8 anos

Tempo de permanência na pobreza_ menos de 8 anos

Tempo de permanência na pobreza_ mais de 8 anos Menos situações de

intergeracionalidade da pobreza

Pobreza intergeracional Pobreza intergeracional

Fonte: Entrevistas a pessoas em situação de pobreza, Barómetro do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, Dinâmia-CET, 2014

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1.2 Principais momentos críticos entre 2011-2014: uma redução