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1. ORGANIZANDO O REPERTÓRIO DA FAMOSA

2.5. A estreia na música

Depois de muitas correrias para acompanhar meu pai nos muitos ensaios da banda de música, participei da minha primeira apresentação oficial na Festa do Padre Cicero e Aniversário da Banda de mesmo nome. Era um grande evento na cidade e toda a comunidade esperava esse dia, mesmo porque, além da festa do Padre e aniversário da banda, acontecia a renovação do coração de Jesus da banda que também levava o nome do padre.

É importante dizer que essa manifestação apoiada pela igreja católica, a Renovação, que foi motivada e incentivada pelo Padre Cicero, reunia todos os músicos e as suas famílias para agradecer as bênçãos alcançadas durante o ano, como também, pedir proteção para os próximos passos da banda. Essas celebrações aconteciam sempre depois da missa da capela do Socorro que era finalizada com a benção aos romeiros e também a banda.

No que se refere à renovação em si, Carvalho (2011, p. 59, 60, 61) faz a seguinte consideração:

É o Padre Cicero... que inaugura no sertão a festa do Sagrado Coração de Jesus. Ao

retornar de Roma, onde fora prestar contas do “milagre”, traz uma imagem e ensina

a devoção a seus fiéis (...). O culto foi adotado por todos os lares no Cariri. A imagem do Coração de Jesus encontra-se na parede que se localiza em frente à porta de entrada das casas nordestinas. A sua volta, inúmeras imagens de santos complementam a Corte celestial para a qual se dirige a piedade daquele lar. A partir do momento da Entronização, o Sagrado Coração é tido como dono da casa. (...). A principal finalidade desta devoção é converter as almas ao amor por Jesus no seu Coração, verbo que se fez carne, palavra que se tornou imagem de redenção.

Após as celebrações, muita gente se reunia na sede da banda para rezar a renovação do Coração de Jesus em comemoração a mais um ano de vida da banda. Trago comigo lembranças muito vivas daqueles tempos, dentre elas, as músicas que marcavam sua chegada à sede, como o primeiro dobrado que nunca saiu de minha cabaça: “Cisne Branco” 27. Essas músicas inclusive, habitavam o meu inconsciente uma vez que cantarolava no caminho da sede para minha casa, tornando este percurso lúdico e bem curto em relação aos primeiros dias.

Com base em toda esta tradição de cunho religioso, afirmo que a data de 24 de março de 1984 marcou a minha vida profissional e artística, pois a partir dali, expus para sociedade o meu talento e legitimei a minha arte, perpassando a barreira das brincadeiras para o real, da

27 Cisne Branco – Hino Oficial da Marinha do Brasil. Música de Antônio Manuel de Espírito Santo e letra de

fantasia para a realização delas, dando início assim a profissão tão desejada por mim e construída com muitos sacrifícios pelas minhas raízes paternais.

A partir daquele momento estabeleceu-se um divisor de água entre a brincadeira e a responsabilidade depositada em mim por meu pai, uma vez que, dali em diante tornei-me detentor, cuidador e propagador das heranças musicais, culturais e sociais e, em um futuro próximo, terei a responsabilidade de passar à diante para meus filhos e alunos todos os conhecimentos que iria adquirir a partir daquela conquista.

Sentia assim, todo o peso dessa responsabilidade no meu subconsciente, pois sabia que a partir dali teria que mudar hábitos, saindo das brincadeiras e andando para coisas sérias a partir do cumprimento de horários, além de atingir metas nos ensaios e apresentações. Tudo foi acontecendo de forma muito natural uma vez que, a partir daquele momento e em momentos posteriores, a brincadeira por si só, não mais faria sentido para mim, pois no meu ponto de vista tudo ainda era uma brincadeira, no entanto, revestida de uma seriedade muito grande.

Esta compreensão se devia ao fato de adorar fazer música e tratava tudo como uma grande diversão, porém a partir de então revestida de um caráter de seriedade. Muitos anos depois, percebi a seriedade de tudo e vi que tudo foi construído naturalmente a partir da ludicidade daqueles momentos memoráveis. Hoje, percebo que com aquelas mudanças surgiram os primeiros “tijolinhos” na construção de minha profissionalização como músico.

Recordo-me que, ao final das atividades daquele dia 24 de março de 1984, meu pai, reunido com alguns membros da banda em um bate papo amistoso, me colocando em destaque no meio deles e todo orgulhoso olhou para mim e disse:

- Pronto! Você agora faz parte da Banda de Música Padre Cicero. Parabéns.

Depois disso fui aclamado com uma calorosa salva de palmas por todos que ali estavam. Imagino que no seu interior papai dizia aquela frase em outras palavras:

- Parabéns, você foi batizado na música e agora tem uma grande responsabilidade a

cumprir na sua vida, que é propagar uma das únicas heranças que posso deixar e sei que nunca vai acabar: “A MÚSICA”.

Todo envergonhado e cheio de orgulho e felicidade, naquele momento de êxtase e com a alma pulsando de alegria, pensava:

- Obaaaaa! Agora posso brincar, viajar, tocar e me divertir na banda com os meus

E assim se reverteram as brincadeiras em coisas sérias, do leigo para o estudante e do amador para o semiprofissional e retornamos para casa mais felizes ainda. Com muito cuidado ao chegar em casa retirei o fardamento e o guardei com muito carinho. Tratava-o como se fosse um troféu: limpava, engomava e lustrava o cinto e o sapato deixando brilhando para exibir com orgulho nas próximas apresentações.