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3 A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DO ESTADO DE INOCÊNCIA AO PROCESSO

3.2 A evolução da produção jurisprudencial brasileira

Começamos esta empreitada pela análise de um dos mais icônicos julgados de nossa Casa Constitucional que, em pleno período ditatorial, declarou inconstitucional artigo da Lei de Segurança Nacional.

Sem atentarmos às minúcias do caso, pois que não é nosso intento, havia a possibilidade de suspensão de certos direitos civis e sociais do cidadão pelo simples fato de ter sido recebida denúncia pela prática de um delito.

Veja, desta arte, que a legislação pretendia a antecipação dos efeitos de uma possível condenação já na imputação do cometimento da prática infracional, fazendo com que houvesse verdadeira presunção de culpa do acusado.

Confirmando a positividade de direitos e garantias fundamentais mesmo sem expressa previsão no direito escrito, o que, na década de 1968, ainda era bastante insipiente, o Relator, Min. Themistocles Cavalcanti, corajosamente lecionou:

Não é preciso que esteja expressa a garantia, basta que ela decorra do sistema político e do conjunto dos princípios expressos. Não tenho dúvida que isto ocorre na espécie porque o rigor das medidas previstas na lei que estamos examinando grita contra a essência dos princípios humanos que se resumem no direito de sobrevivência, que somente a condenação pode limitar o direito ao trabalho, bem com a normas expressas que assegurem o exercício profissional e as relações de trabalho no âmbito da empresa privada.

Numa clara homenagem aos direitos fundamentais, asseverou-se que, ainda que tácitos, deveriam ser efetivados; disse mais, que a antecipação dos efeitos de uma condenação, num estado prévio de culpa, afrontava toda a principiologia constitucional vigente.

Na vanguarda destes entendimentos, constatou-se ainda que há inconstitucionalidade de uma norma mesmo quando ela não confronte com disposição literal da Carta Constitucional, mas que ofenda os direitos decorrentes dos sistema jurídico-político por ela estabelecido.

Já agora nos idos de 1985, assenta-se entendimento que com esta visão se coaduna. Na condição de Relator do Recurso Extraordinário de n° 99.069/BA, o Min. Oscar Corrêa, analisou questões atinentes ao direito eleitoral, mais especificamente sobre inelegibilidade. Entretanto, todo o arcabouço teórico para fundamentação de seus argumentos referia-se ao devido processo legal, especificamente, no que aproveitamentos, à garantia da situação jurídica de inocência até o trânsito em julgada da decisão que constata a culpa.

Assim, à época, nossa Suprema Corte estabeleceu posicionamento de que, independentemente da especialidade meritória da acusação (em outras palavras, da senda processual – comum ou eleitoral), havia de se considerar o cidadão inocente até a verificação irrefutável de sua culpabilidade.

Não há como querer distinguir entre efeitos da sentença condenatória para fins comuns e para fins especiais (...).Não preserva a moralidade interpretação que considera condenado quem o não foi, em decisão final irrecorrível. Pelo contrário: a ela se opõe, porque põe em risco a reputação de alguém, que se não pode dizer sujeito a punição, pela prática de qualquer ilícito, senão depois de devida, regular e legalmente condenado, por sentença de que não possa, legalmente, recorrer.

Confirma-se, então, que a garantia da situação jurídica do cidadão não era privilégio exclusivo do imputado da pratica de um crime (ou seja, vigente apenas no processo penal), mas que era máxima a ser efetivada em qualquer espécie processual, a fim de lhe assegurar validade.

Tal assentamento é de tamanha pertinência que, contemporaneamente, continua sendo convocado para embasar diversos julgados. Nessa esteira, a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de n° 144/DF, de 2008, sob relatoria do Min. Celso de Mello, que exarou voto condutor da decisão, suscitava o julgado anterior como um de seus argumentos.

No calor dos recentes debates sobre as alterações do processo eleitoral, mormente no que respeita às condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade, nosso Supremo Tribunal Federal foi incessantemente convocado a manifestar-se acerca de diversas questões constitucionais atinentes ao tema.

No referido acórdão, de ementa vasta, um dos pontos debatidos foi exatamente a amplitude de eficácia do princípio do estado de inocência para além do processo penal. Extraindo aquilo que interessa à nossa discussão, o decisum exarado afirma o que se segue:

PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA: UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA E REGIME JURÍDICO DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA – O TRATAMENTO DISPENSADO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PELAS DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS, TANTO AS DE CARÁTER REGIONAL QUANTO AS DE NATUREZA GLOBAL – O PROCESSO PENAL COMO DOMÍNIO MAIS EXPRESSIVO DE INCIDÊNCIA DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA – EFICÁCIA IRRADIANTE DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DESSE PRINCÍPIO AO ÂMBITO DO PROCESSO ELEITORAL

Note que na ocasião, apesar de confirmar que é o direito processual penal o campo de substancial aplicação do princípio, afirmou-se uma eficácia irradiante do preceito, asseverando a possibilidade de sua aplicação em outras sendas processuais, in casu, no processo eleitoral.

Ora, se se confirma esta irradiância da máxima da inocência para além do processo penal, afirmando, como se fez ainda no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral no mesmo ano, na arquetípica consulta 1.621/PB, a necessidade de uma interpretação contextual dos preceitos constitucionais, sua aplicação a todos os processos que tenham como objetivo restringir o status libertatis dos indivíduos, nos quais se incluem o processo administrativo sancionar, é consequência lógica, fundada nas mesmas bases.

De maior pertinente ao nosso discurso é o acórdão relatado pelo Min. Ricardo Lewandowski, em 2007, quando a Corte Constitucional fora convocada para julgar a constitucionalidade de artigo de lei estadual mineira, que autorizava a redução de vencimentos de servidores pelo simples fato de estarem sendo alvos de processo criminal.

Trata-se de Recurso Extraordinário registrado sob o número 482.006/MG, em 07 de julho de 2007, que, naquilo que nos interessa, teve a seguinte ementa:

EMENTA: ART. 2º DA LEI ESTADUAL 2.364/61 DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE DEU NOVA REDAÇÃO À LEI ESTADUAL 869/52, AUTORIZANDO A REDUÇÃO DE VENCIMENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS PROCESSADOS CRIMINALMENTE. DISPOSITIVO NÃO-RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. RECURSO IMPROVIDO. I - A redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com o disposto nos arts. 5º, LVII, e 37, XV, da Constituição, que abrigam, respectivamente, os princípios da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos. II - Norma estadual não-recepcionada pela atual Carta Magna, sendo irrelevante a previsão que nela se contém de devolução dos valores descontados em caso de absolvição.

Impossibilitando a subsistência de qualquer dúvida, o Tribunal afirmou, com todas as letras, a aplicação do princípio do estado de inocência ao processo administrativo sancionador, afastando, por conseguinte, a constitucionalidade da lei que com ele confrontava.

No entanto, novamente, estamos em sede de processo administrativo sancionador de natureza disciplinar, no qual, como vimos, é comum o reconhecimento da efetividade do princípio, o que não ocorre, como queremos, em sede de processo administrativo sancionador ordinário.

Por derradeiro, importante ainda trazer à baila extrato do julgamento conjunto da Ações Declaratórias de Constitucionalidade de n° 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.578, que enfrentaram as diversas e cruciais questões suscitadas pela edição da Lei Complementar n° 135/2010, nacionalmente conhecida como Lei da Ficha Limpa.

O referido acórdão teve como ementa, da qual grifamos:

AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA

LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA

CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.

(...)

3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.

4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral.

Tal regramento, muito comemorado pela sociedade, em relação ao nosso debate, resgatou a análise da aplicação do estado de inocência para além do direito processual penal, oportunidade na qual, mudando radicalmente sua posição, como se nota, nosso Tribunal Constitucional concluiu por sua leitura restritiva.

Ressalte-se, desde já, que não se trata aqui de processo efetivamente sancionador, pelo que não se aplicam ao caso, irrestritamente, todos os argumentos que aduzimos até aqui. De qualquer forma, houve a conclusão por uma “redução teleológica” do princípio do estado de inocência, na busca de uma “reaproximação ao sentido literal do comando”. Em outras palavras, o abandono da hermenêutica contextual ou sistemática, e um resgate de uma hermenêutica literal.

Anote-se, de passagem, que todo o debate assentado nas seções parte do pressuposto da vigência de uma redação restritiva, olvidando as profundas alterações já sofridas pelo comando, como defendemos.

Em seu voto, efetivamente, a Min. Carmen Lúcia lembrou dos debates da Constituinte de 1988, que foram trazidos a este trabalho anteriormente, a fim de embasar suas conclusões quanto a inaplicabilidade do princípio a outros ramos do direito processual. Perpetrando uma hermenêutica histórica (por nós combatida), na busca da suposta vontade do legislador, asseverou que os parlamentares decidiram, à época, restringir a aplicação do princípio à esfera penal.

Assim, em suas palavras e citando também a lavra do Min. Hamilton Carvalhido, anota:

É a Constituição taxativa ao estatuir que ninguém será considerado culpado até a decisão penal condenatória. Estamos em sede de Direito Eleitoral, por isso quando a primeira consulta foi decidida sobre esta norma especificamente, no Tribunal Superior Eleitoral, a Consulta nº 1.120, há uma passagem que eu gostaria de lembrar, do Ministro Hamilton Carvalhido, que afirmou, então, o que me pareceu extremamente claro: "A garantia da presunção de não culpabilidade

protege, como direito fundamental, o universo de direitos do cidadão, e a norma do artigo 14, § 9º, da Constituição Federal restringe o direito fundamental à elegibilidade [rigorosamente nos termos da Constituição] em obséquio da probidade administrativa para o exercício do mandato, em função da vida pregressa do candidato. A regra (...) visa acima de tudo ao futuro, função eminentemente

protetiva ou, em melhor termo, cautelar, alcançando

não culpabilidade penal, impondo-se a ponderação de valores para o estabelecimento dos limites resultantes à norma de inelegibilidade."

Ora, além de contrariar verbalmente a histórica posição de nossa Corte, que sempre propugnou, como vimos, pela irradiância do princípio, data maxima venia, rechaçamos já anteriormente este argumento de uma suposta “escolha constitucional” pela restrição do princípio por dois argumentos primordiais: primeiramente, como demonstram os registros nos Anais da Constituinte, o emprego da palavra “penal” pelos parlamentares foi realizado considerando a existência, além deste, simplesmente do processo civil, o que hoje não mais subsiste; em segundo lugar, pela necessidade de uma hermenêutica que vise a promoção do bem comum e busque os fins comuns a que a norma se destina, superando esta busca por uma “constituição perdida” (SUNSTEIN, passim), estanque e inexorável.

Poderia se argumentar que a decisão assim se embasou pois não se está diante do exercício do jus puniendi estatal, o que é bastante válido, e deve ser considerado. Verdadeiramente, no caso específico, urge o emprego do método da ponderação, pois que se encontram em choque dois valores constitucionais primordiais – a moralidade administrativa e o princípio do estado de inocência – devendo pender a balança, também ao nosso ver, para o lado do primeiro.

Entretanto, não nos referimos à substância, pois que o pano de fundo nos parece adequado, mas a técnica empregada para atingir a validação das restrições pretendidas. Queremos dar destaque ao modo pela qual se realizou a ponderação, nisto sim sendo importante para confirmar nosso discurso.

O que vem acontecendo, sobremaneira nos últimos anos, é que nosso Tribunal, a fim de alcançar determinado objetivo, tem promovido esforços interpretativos radicais para alcançar a meta pretendida. A título de exemplo, para afirmar a legalidade da interrupção terapêutica da gestação do feto anencéfalo, a Corte Constitucional enveredou-se por uma nova definição do conceito de vida, a fim de validar a referida prática.

Da mesma forma, ainda que o caso não se refira, efetivamente, ao processo administrativo sancionador, o Supremo Tribunal Federal, a fim de asseverar sua inaplicabilidade especificamente ao caso planteado, promove um radical esvaziamento de sua eficácia, fulminando, indiretamente, sua aplicação a

qualquer ramo do direito que não seja o processual penal. Anote-se, inclusive, que tal postura nos parece, no mínimo, bastante casuística.

Nosso entendimento é diametralmente oposto. Mesmo que, nos casos difíceis, seja necessária a relativização, pela técnica da ponderação, do princípio do estado de inocência, o que é possível, quanto a sua irradiância aos diversos ramos do direito a única hermenêutica possível é aquela que resulte em sua máxima efetividade, seu inadmissível sustentar uma postura que esvazie o princípio, restringindo-o tão somente, ao âmbito do direito processual penal.

Reforcemos, ainda, que diferentemente do que aduz o Pretório Excelso, defendemos atual vigência de uma nova redação do art. 5°, LVII, da Constituição da República, provocada pela ratificação e consequente vigência, no direito interno, do Pacto de São José da Costa Rica. Conseguintemente, a redação que efetivamente vigora aduz, assim, o princípio da situação jurídica de inocência: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”, nitidamente, sem nenhum caráter de restrição a este ou aquele ramo do direito processual brasileiro.

CONCLUSÃO

No regime jurídico estabelecido pela ordenamento pátrio, o respeito ao núcleo inalienável de direitos e garantias fundamentais foi erigido como fundamento de nosso Estado. Na história do mundo, a limitação dos poderes do soberano sempre foi a estratégia utilizada para garantir o estabelecimento de uma relação digna e harmônica entre indivíduo e Estado. Conseguintemente, esta mesma história demonstra que esta relação evolui à medida em que passa a se desenvolver com o respeito a regras e valores antecipadamente estabelecidos para o exercício das prerrogativas públicas, definindo em si mesmo uma garantia fundamental, a da processualidade.

Esta, por sua vez, exige que o cidadão imputado de uma prática ilítica, seja ela civil, processual ou administrativa, seja tratado como absolutamente inocente até que sua culpa reste efetivamente demonstrada exatamente pela via do processo. Trata-se do componente precípuo do devido processo legal, que dá origem a todas as garantias do contraditório e da ampla defesa.

Trata-se de comando constitucional que, em assim sendo, deve ser sempre interpretado na busca da máxima efetividade dos direitos humanos. Uma Constituição não é um documento histórico, estático, mas sim um organismo vivo, mutável, que tem por objetivo assegurar a dignidade do cidadão no momento histórico em que se desenvolvem as relações sociais. Desta feita, sua interpretação deve ser sistemática, pois que seus comandos não são tiras normativas isoladas, mas componentes de um regime jurídico constitucional; além disso, deve ser contextualizada, adequada aos anseios sociais vigentes.

Logo, o princípio do estado de inocência, conforme previsto no art. 5°, LVII, da Constituição da República Brasileira tem aplicabilidade em todo momento em que o Estado pretenda exercer seu jus puniendi, independentemente da via processual escolhida. A despeito da literalidade do comando, afirmamos uma reforma tácita de seu texto, em virtude da mutação que sofre e, principalmente, por respeito ao atual status de proteção dos direitos humanos que o Brasil, no âmbito doméstico e internacional, expressamente declarou sua aderência.

A possibilidade de relativização destes preceitos garantidores só é possível na medida em que se escolha implementar, com maior eficácia, outro de mesma natureza. Tais mandamentos não podem, portanto, curvar-se perante outros atributos normativos de menor grau de valência. Assim, a presunção de legitimidade dos atos administrativos, no entendimento por nós esposado, não é suficiente para inverter a natureza intrínseca ao cidadão, tornando-o culpado antes do término do processo.

Esta cultura deve cessar, pois abre as portas ao arbítrio ao excesso. Num Estado Democrático de Direito Constitucional, que tem na cidadania e na dignidade seu alicerce, a Administração Pública deve ser meio, e não fim, para garantir o respeito absoluto a este núcleo intangível de liberdades individuais, que tem no estado de inocência do indivíduo um de seus pressupostos fundamentais.

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