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2 IDENTIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES DA CIÊNCIA DO DIREITO

2.2 Função Sistêmica

Na continuidade do que anteriormente afirmamos, podemos perceber ainda que o cientista do Direito, ao implementar as atividades que propõe, acaba, também, por contribui para a verificação de falhas ou contradições no ordenamento, podendo, então, indicar mecanismos de integração que possibilitem o escol das soluções.

Ora, se pressupomos que o objeto investigado pelo jurista e, a partir desta investigação, o conjunto de conhecimentos e enunciados construídos compõe verdadeiro conhecimento científico, estas falhas ou contradições não podem permanecer. É, desta maneira, que a Ciência do Direito acaba por cumprir também uma função sistêmica.

Por sistema, nesta proposta, queremos entender um conjunto de conhecimentos organizados segundo princípios próprios, organizados a partir de estruturas e valores unitários. Segundo DINIZ (2011), “sistema é o ‘nexus veritatum’, isto é, agregado ordenado de verdades, que pressupõe a correção e a perfeição formal da dedução”.

3 Numa tradução livre: “embora claríssimo o edito do pretor, contudo não se deve descurar da

interpretação respectiva”;

Por sua vez, o sistema jurídico deve ser encarado como um conjunto de valores ou instrumentos normativos, mais ou menos complexos, que, em agrupado, perfazem um todo uno, harmônico e exaustivo de assertivas voltadas a disciplinar o convívio social e permitir a paz e a ordem.

São exatamente neste sentido as constatações de BOBBIO (2009, passim, p. 19-114) sobre a sistematicidade do Direito. De acordo com o autor, as normas jurídicas, por sua natureza, nunca existem isoladamente, mas sempre num contexto de correlações particulares entre si.

Este conjunto de normas forma um sistema jurídico quando ali se enxergue uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. E, para se falar em ordem, deve-se verificar, outrossim, a existência de um relacionamento de coerência mútua destes objetos.

Assim, só se pode falar em unidade quando se pressupõe a existência, na base do ordenamento, de uma norma fundamental (não no conceito estritamente kelseniano), com a qual se possa, direta ou indiretamente, relacioná-la com todo o ordenamento jurídico. É, em certa medida, a construção coerente da escala de justificação hierárquica das normas jurídicas (das contribuições de Kelsen, uma daquelas que se pode aproveitar, com ressalvas).

Por suposto, como já citado anteriormente, a hermenêutica sistemática, é outra prova de que o ordenamento forma um verdadeiro sistema, pois que é possível extrair seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento, ou mais exatamente, de uma parte do ordenamento, constituam uma totalidade ordenada e, portanto, seja ilícito esclarecer uma norma obscura ou diretamente integrar uma norma deficiente recorrendo ao chamado espírito do sistema, mesmo indo contra aquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal.

Entretanto, enxergar no direito um sistema é talvez uma das propostas mais hercúleas do jurista. Isto porque muitos teóricos, com uma boa dose de firmes argumentações, vão enxergar no apanhado de conhecimentos ou proposições jurídicas um caráter de assistematicidade. FERRAZ (1988, passim) chega a afirmar que, numa dada sociedade, o direito identifica-se e, por isso, se torna peculiar

enquanto objeto do conhecimento, por um conjunto de símbolos ou de ideais não coerentes entre si.

Para o atingimento desta função de sistematização, o cientista do Direito e, portanto, a Ciência do Direito, deve partir dos seguintes pressupostos: a) de que o direito é, verdadeiramente, desorganizado; b) que somente o cientista do direito pode, através de sua análise e integração, e pelo emprego de métodos, princípios e regras própios, organizá-lo; e, sobretudo, c) que seria efetivamente possível organizá-lo.

Esta, seria, portanto, a segunda tarefa da Ciência do Direito, cabendo ao jurista, portanto, sistematizar este conhecimento, dando unicidade ao objeto investigado. Nesta importante constatação, fassemos uso das lições de DINIZ (2011)

A solução a esses problemas levou a ciência jurídica a ser uma espécie de analítica das figuras jurídicas, que teria por escopo último encadeá-las num sistema, constituindo um saber sistemático capaz de dar um quadro coerente do direito como conexão de normas e dos elementos típicos que o compõem.

Esta sistematização é a tarefa que permite, depois de implementada, uma visão ampla e completa do conjunto normativo que permite o jurista a construção de suas assertivas ou a realização de uma opção técnica.

Trazendo, então, a importância desta função da Ciência Jurídica para a investigação proposta, eis que a sistematização das normas jurídicas, mormente dos direitos e garantias fundamentais, é conditio sine qua non para o estabelecimento do verdadeiro teor destes mandamentos.

Ao implementar a proteção prevista no texto normativo, o operador deve lembrar não se tratar de um comando isolado, senão integrado a um conjunto normativo próprio que, em sua base, deve ter a norma fundamental como escopo balizador de seus efeitos.

Em sede de processo, incluso o administrativo, a validade do procedimento está diretamente ligada a efetivação sistêmica destas garantias. Se lembrarmos, ainda, das argumentações anteriores, a implementação destes requisitos validadores não pode levar à aniquilação total de outros. Mais especificamente, o impulso oficial e a presunção de legitimidade do ato

administrativo, primordiais para a efetividade do processo, devem ser harmonizados com as garantias do sujeito cidadão administrado. Em nosso proposta, o estado de inocência não pode, então, ser subjugado pelos demais institutos processuais, eis que, primordialmente em se de processo, estamos diante de um conjunto coerente e harmônico de regulações, ou seja, de um sistema normativo próprio, voltado à validade e ao equilíbrio da relação processual.