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3 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

3.1 Limites à ponderação dos direitos e garantias fundamentais

Importante, neste momento, assinalarmos posicionamento a ser tomado no que se refere à possibilidade de relativização ou ponderação das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Como sabido, o conjunto formado pelas máximas fundamentais do ordenamento jurídico, por sua própria natureza, são imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, universais e invioláveis.

Assim tomados, é defeso ao Estado, destarte, ainda que sob o pretexto duma mais efetiva harmonização do convívio social, estabelecer atividade de ponderação irrestrita destes valores estabelecidos como pedras de toque do ordenamento jurídico, no que se refere aos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Mais precisamente, é mister assentar que tal método só pode ser cogitado na hipótese em que duas ou mais normas desta mesma natureza (duas ou mais normas fundamentais) entrem em colisão entre si, e, ainda assim, esta atividade de relativização deste ou daquele valor só poderia ser realizada se, no fim, chegasse-se a afirmação da maior e mais efetiva eficácia do preceito fundamental prevalecente.

Esta imponderabilidade, portanto, decorre diretamente da natureza5 dos comandos instituidores de direitos e garantias fundamentais. Por serem consideradas elementares, a estas normas deve ser dada a máxima cogência possível, não se podendo cogitar a mitigação destes valores quando confrontados com preceitos ordinários. Como apontamos, a atividade estatal que pretenda esta relativização deve ser declarada ilegítima desde sempre.

A simples existência destas normas fundamentais já é suficiente para vincular a atividade do Estado, impedindo sua atuação que se distancie deste comando. SARLET (2006, p. 368), a propósito, relembrando os ensinamentos de CANOTILHO, discorre acerca desta necessária vinculação, prescrevendo a

5 Assim afirmamos uma vez que só se pode cogitar fundamentais aqueles valores que se apresentam

como os pilares sobre os quais a sociedade e o próprio ordenamento jurídico se apoiam, indistintamente garantidos a todos aqueles que se insiram neste contexto, constituindo verdadeiras máximas determinadoras da natureza do próprio Estado. Direitos fundamentais são, segundo lição de FERRAJOLI (2006, p. 113-116), com base na teoria do direito, “los derechos que están adscritos

universalmente a todos en cuanto pessoas, o en cuanto ciudadanos o personas con capacidade de obrar, y que son por tanto indisponibles e inalienables.” (grifo nosso).

obrigatoriedade do seguimento invariável pelo Estado dos preceitos estabelecidos por estas normas fundamentais. Faz exata diferenciação entre vinculação positiva e vinculação negativa, como ocorrência direta da própria existência destes preceitos. Abaixo, ipsis verbis, suas palavras:

Há que reconhecer a pertinência da lição de Gomes Canotilho, ao ressaltar a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Assim, num sentido negativo (ou proibitivo), já se referiu a proibição da edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais, que, sob este ângulo, atuam como normas de competências negativas. Na sua acepção positiva, a vinculação do legislador implica um dever de conformação de acordo com os parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais e, neste sentido, também um dever de realização destes, salientando-se, ademais, que, no âmbito de sua faceta jurídico- objetiva, os direitos fundamentais também assumem a função de princípios informadores de toda a ordem jurídica.

Notemos que a lição apresentada corrobora, precisamente, toda a argumentação feita até este momento nesta dissertação. Para que se possa afirmar a atuação legitima do Estado, a atividade administrativa não pode confrontar o núcleo de direitos fundamentais do indivíduo, ainda que indiretamente, pois que estes, por si mesmos, são instrumentos de limitação desta atividade.

No mesmo sentido, a só existência destes valores fundamentais estabelece verdadeiro comando ao Estado, no sentido de que deve atuar, sempre, com o intento de adequar e garantir a concreta eficácia destas normas.

Neste sentido, o Poder Público deve atuar, além de mero administrador, como verdadeiro guardião destes direitos fundamentais, nunca podendo cogitar a invasão da esfera de indisponibilidade destes mesmos. Basta lembrar, para sustentar esta posição, que nosso ordenamento constitucional, em sede de Administração Público, erigiu a Moralidade Administrativa como corolário do Estado Democrática de Direito; encontra-se, dessarte, vinculado e determinado por estes preceitos, devendo tudo fazer para dar-lhes plena e absoluta concretude.

É exatamente por esta constatação que afastamos a possibilidade da ponderação destes princípios em quaisquer outras circunstâncias que não a confrontação recíproca. Como afirmaremos em nossos debates conclusivos, permitir esta relativização é autorizar o Estado a dispor do indisponível.

No que tange ao atuar administrativo sancionatório, esta imponderabilidade deve ser, nada mais, que o pilar justificador do próprio poder hierárquico ou de polícia. Estes poderes só se legitimam, e, consequentemente, os atos administrativos deles decorrentes só podem ser assim pressupostos, enquanto se mantiverem afastados das esferas de liberdades individuais das quais o cidadão não quis abrir mão.

Na senda administrativa, o argumento pronto a ser utilizado para justificar esta relativização é a supremacia do interesse público. Sabemos que esta supremacia não significa soberania e, ademais, afrontar direitos e garantias individuais sob o pretexto de proteger o coletivo ou permitir o desentrave da máquina burocrático-administrativa não passa de um malicioso sofisma.

A vigência destes direitos fundamentais, que constituem o cerne duro do ordenamento jurídico, é anterior ao surgimento da própria ordem constitucional. A positivação destas garantias do texto da Carta Política cumpre função formal e instrumental, servindo de meio para esculpir um rol escrito voltado, expressa e objetivamente, a determinar a atuação do Estado, mormente no que se refere a resguardar esta esfera intransponível de individualidade dos súditos. A materialidade destes valores, portanto, não é instituída a partir desta positivação. A atividade constituinte realiza função constatadora, organizando estas garantias em rol sistematizado, mas não as criando.

Se a existência destas máximas é anterior até mesmo ao pacto constitucional que institui o ordenamento jurídico, impossível cogitar-se, portanto, que estes valores fundamentais possam ser limitados pelo legislador ordinário ou pelo poder constituinte e, quiçá, pelo Administrador Público. Duma ou doutra forma, o valor destes preceitos é tal que sua natureza é inflexível, pois que realizam a função de sustentáculo lógico do ordenamento, este existindo simplesmente porque corrobora a eficácia daqueles outros.

A atividade estatal que confronte esta inflexibilidade é, de fato, arbitrária, pois ofende as bases sobre as quais se apoiam a ordem constitucional. Permitir a relativização destas máximas é permitir a existência de instrumentos de exceção que corroborarão o abuso de poder da autoridade administrativa sancionadora.