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2 A EVOLUÇÃO DA GREVE NO DIREITO INTERNACIONAL E NO

2.4 A evolução do direito de greve nas constituições brasileiras

Como já citado supra, a evolução do direito de greve acompanhou a evolução das relações de submissão dos empregados, considerados coletivamente, em relação aos empregadores. No Brasil tal fenômeno também se configurou desta forma, porém oscilou entre a omissão legislativa com a aceitação, na forma somente de tolerância, da prática desses atos e a proibição, ocorrida principalmente nas épocas de regimes autoritários que regeram o país (era Vargas, entre 1937 a 1945 e Ditadura Militar, de 1964 até meados dos anos 80), somente atingindo a sua máxima eficácia a partir da promulgação da Constituição de 1988, sob os auspícios de uma redemocratização do país, a qual permanece atualmente configurada e consolidada, após duas décadas de vigência desta Carta Magna.

Na Constituição Imperial de 1824 não foi feita nenhuma referência ao direito de greve, dada a contradição inerente ao documento, que defendia, ao menos em teoria, os postulados expressos pela Declaração Francesa de 1789, mas que determinava a superioridade de um Poder, o Moderador, sobre todos os demais73. Assim, a primeira menção à greve no ordenamento jurídico brasileiro surgiu por meio do Código Penal de outubro de 1890, que tornou a prática de greve verdadeira conduta criminosa. Porém, essa situação perdurou por apenas dois meses. No mesmo ano, em 12 de dezembro, foi promulgado o Decreto nº 1.162, o qual determinou que apenas as condutas abusivas praticadas durante a greve seriam puníveis na seara penal, tão-somente se provocassem ameaça ou violência74-75.

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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 5. ed., São Paulo: LTR, 2008, p. 552.

Tal concepção perdurou até o advento dos direitos sociais no Brasil, fruto de tímida industrialização sofrida na terceira década do século passado. Com a ascensão de Getúlio Vargas, em 1930, a greve pôde finalmente deixar de ser considerada um delito para vir a ser tolerada. Essa evolução foi provocada pelo fato de que o trabalhismo varguista se baseou especificamente na chamada “questão social”, que já havia surgido anos antes, especialmente pelo desenvolvimento de sindicatos de trabalhadores, capitaneados pelas ideias trazidas pelos imigrantes europeus76.

Nesse sentido, a primeira Constituição a admitir os direitos trabalhistas foi a de 1934. No entanto, em nenhum momento o direito de greve foi referido pelo texto constitucional. Para regulamentar os demais direitos laborais, foi formado um verdadeiro arcabouço normativo, culminando em 1943 na reunião de todas as normas existentes na CLT, onde se tolerou a existência do direito de greve, porém salientando-se a possibilidade, em diversos casos, de que houvesse limitações ao seu exercício77. Entretanto, essa situação de relativa aceitação da greve perdurou por pouco tempo. Com o golpe dado por Getúlio Vargas em 1937, o exercício da greve foi proibido, bem como qualquer espécie de manifestação associativa dos trabalhadores. O Decreto-lei 431, de 1938, regulamentou a proibição para todos os setores da economia privada, como também à administração pública, o que somente foi atenuado, para os primeiros, com o fim do Estado Novo.

Depois de ocorrida a primeira redemocratização do país foi promulgada a Constituição de 1946, a primeira a admitir o exercício da greve como um direito, apenas na iniciativa privada. Em seu art. 158 foi reconhecido o direito de greve, porém este foi remetido à regulamentação por meio de lei ordinária. Essa mudança de sentido do direito de greve ocorreu por influência expressa do direito internacional. O Brasil se comprometeu, aprovando em conjunto com os demais países americanos, na Conferência de Chapultepec, no México, recomendação favorável ao reconhecimento do direito de greve. No entanto, neste sentido foi

75 Para AROUCA, José Carlos. Greve. De delito a quase-delito. Revista de Direito do Trabalho, v. 112, São

Paulo: RT, 2004, p. 93, com base em Evaristo de Moraes, esse Decreto já poderia determinar a existência do direito de greve no Brasil. Porém, a nosso ver a inexistência de organizações de trabalhadores sob a forma de sindicatos à época tornava sem o dispositivo referido sem nenhuma eficácia, o que, concretamente, inviabilizava o exercício desse direito.

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BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de Instituição da Democracia de Massas no Brasil: Instabilidade Constitucional e Direitos Sociais na Era Vargas (1930-1964). In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 48, 49.

77 AROUCA, José Carlos. Greve. De delito a quase-delito. In: Revista de Direito do Trabalho, v. 112, São

apenas aposto o Decreto-lei nº 9.070, também de 1946, que permitiu aos trabalhadores a possibilidade de greve, ressalvadas determinadas condutas consideradas abusivas.

Entretanto, a realidade de aplicação deste Decreto-lei inviabilizava a greve, por conta de seu imbricado sistema de aprovação, o qual vinculava a sua deflagração à imposição de prévia negociação e de prévio ajuizamento de dissídio coletivo junto à Justiça do Trabalho. A paralisação, então, somente poderia ser deflagrada após o ajuizamento da ação coletiva, o que a tornava ineficaz pelo fato de que o Tribunal decidia sempre antes da deflagração do movimento, além do fato de que se não fossem atendidos os requisitos desse dispositivo, seria cabível demissão por justa causa78.

Quanto aos serviços públicos, o sistema de proibição continuou mantido e especificado em lei, a de nº 1.802, de 1953, que revogou o Decreto-lei 431, de 1938. A referida lei estabelecia punições àqueles que promovessem, de alguma forma, a paralisação de serviços públicos ou de abastecimento da cidade. A situação relativa à greve, em linhas gerais, permaneceu assim até a década de 60 do século passado79.

Com o advento da ditadura militar em 1964, os direitos de liberdade sindical foram duramente reprimidos, até que extintos em 1967. Ainda em 1964, entrou em vigor a Lei 4.330, a qual, por possuir tantas restrições à deflagração das paralisações, foi denominada de “lei anti-greve”80

. Havia dois prazos para a notificação prévia dos empregadores, de 5 dias para as atividades acessórias e de 10 dias para as atividades fundamentais. Seria necessário o cumprimento de prazo de 72 horas de aviso prévio para a deflagração de greve quando o objeto desta fosse relativo ao pagamento de salários ou ao descumprimento de sentença normativa transitada em julgado. Somente com a decorrência de todos esses prazos e quando fosse “impossível” a conciliação, a greve seria admitida.

Apesar de ser um direito, na prática, proibido, foi obedecendo-se a esse rígido sistema normativo que a greve voltou a ser exercida pelos trabalhadores ao final da década de 70. Em movimento capitaneado pelo então líder sindical Luís Inácio da Silva, o sindicato dos metalúrgicos das indústrias automobilísticas da região do ABC paulista conseguiu iniciar uma

78 AROUCA, José Carlos. Greve. De delito a quase-delito. In: Revista de Direito do Trabalho, v. 112, São

Paulo: RT, 2004, p. 95.

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Idem, ibidem, p. 95.

80 E que teve como relator, na Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, o mesmo que, décadas depois, teve

“onda grevista”81

em 1978, como resultado da convergência de três situações de fato vivenciadas pelos trabalhadores naquele período: a) o cotidiano opressor das relações de trabalho aliado ao desenvolvimento de práticas de resistência a partir dos anos 70; b) o melhor aproveitamento das ações sindicais perante os Tribunais do Trabalho visando questionar e utilizar as limitadas inconstitucionalidades admitidas; e, principalmente, c) a conjuntura política do momento, assinalada por uma forte crise de legitimidade da ditadura que potencializou a força e a capacidade expressiva dos trabalhadores, num momento de crise econômica e de instabilidade do regime militar82.

Essa situação, logicamente, somente foi possível por pouco tempo. Um ano depois da deflagração desses movimentos, o regime militar, bem como as associações de industriários agiram no sentido de coibir a ocorrência de toda e qualquer greve, seguindo a tendência de restrição total aos direitos dos cidadãos83. No entanto, esse importante fato social iniciado em maio de 1978 ocasionou uma mudança importante no conceito de dignidade dos trabalhadores, o que gerou, anos depois, na Assembleia Nacional Constituinte, a discussão sobre a admissão dos direitos relativos à liberdade sindical na Constituição de 1988.

O direito de greve, assim, somente voltou a ser permitido por meio da redemocratização efetivada pela Constituição de 1988, a qual determinou, em seu art. 9º, a possibilidade de que os trabalhadores pudessem usufruir deste direito, bem como pudessem optar pela melhor forma de exercício do movimento. E, desde 1989, existe a Lei nº 7.783 que determina diretrizes gerais permissivas e algumas limitativas quanto ao exercício da greve, no caso do trabalho na iniciativa privada. Esta é a legislação atual inerente ao direito de greve no ordenamento jurídico brasileiro. Quanto aos serviços públicos, a única determinação está prevista no art. 37, VII, em que é permitido o exercício da greve aos servidores públicos, sob os termos da legislação específica, que ainda hoje não foi aprovada. Em relação aos militares das forças armadas e da polícia, como já afirmado, há vedação expressa à sua sindicalização e exercício do direito de greve (art. 142, §3º, IV).

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Sobre as greves de 1978 como uma verdadeira “onda grevista”, vide: ABRAMO, Laís Wendel. O resgate da

dignidade: greve metalúrgica e subjetividade operária. Campinas: UNICAMP, 1999, p. 209, 210.

82 Tais como relacionados por ABRAMO, Laís Wendel, op. cit., p. 179, nota nº 1.

83 Segundo ABRAMO, Laís Wendel, op. cit., p. 264, nota nº 63, “durante a greve de 1980 no ABC vários

empresários foram impedidos de concretizar sua disposição de firmar acordo em separado com os sindicatos, em razão das pressões exercidas pelo governo e pelo Grupo 14 da FIESP”. E assim persistiu esse mesmo modelo restritivo em relação aos movimentos configurados posteriormente, até 1988.

A seguir, será discutida com mais detalhes a insuficiência legislativa sobre o tema, já que a Lei de Greve cuida apenas dos casos relativos à greve de origem trabalhista, sem que haja lei específica alguma tratando do tema relativo ao exercício do direito constitucional de greve no serviço público.

2.5 A legislação atual sobre o direito de greve e o Projeto de Lei nº 3.670/08 – uma