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2 A EVOLUÇÃO DA GREVE NO DIREITO INTERNACIONAL E NO

3.4 O direito às diferentes formas de greve

3.4.1 Greve política e sua importância histórico-revolucionária e social

A greve política, sob o ponto de vista da tipificação exclusivamente trabalhista do direito, não poderia ser determinada como um movimento de liberdade sindical. Porém, não se pode olvidar dos resultados que tais movimentos desencadearam nas sociedades nas quais já se conformaram, geralmente trazendo ínsitas uma forte conotação revolucionária, de quebra de paradigmas para a formação de outros novos, a fim de melhorar a situação de vida daquela sociedade, geralmente oprimida por governos que restringiam os direitos fundamentais dos cidadãos.

Em geral, estes movimentos não têm características típicas dos movimentos grevistas, por serem de natureza geral e destinados não a reivindicações oriundas da relação de trabalho, mas sim destinados a pressionar outros Poderes a não aprovar determinadas leis que venham a restringir direitos adquiridos, ou mesmo efetuar paralisações visando a protestar contra a execução de determinada política pública do governo destinada a restringir direitos conquistados pelos trabalhadores151. Nesse sentido, se a greve perde toda a sua conotação de reivindicação de caráter eminentemente trabalhista para adquirir um significado fundamentalmente político, desvirtua-se a natureza do movimento para torná-lo um movimento alheio à proteção dada ao direito de greve, tendo seus participantes que arcar com as responsabilidades decorrentes de seus desdobramentos152.

150 DELGADO, Maurício G. Direito Coletivo do Trabalho, op. cit., p. 180, 181.

151 AMORIM E SOUZA, Ronald. Greve & Locaute: aspectos jurídicos e económicos. Almedina, 2004, p. 88. 152 Conforme entendimento do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, por meio do Verbete nº 372, citado por:

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 2. ed., atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 462.

Porém, em casos extremos, estas manifestações possuem um significado importante para a sociedade: o de auxílio no processo político-revolucionário, por meio de uma mobilização maior e mais importante em relação ao governo repressor. No momento em que conseguem constituir uma mobilização expressiva de adeptos, estas greves podem minar a economia de um país, pressionando o Poder central a tomar decisões contrárias aos seus princípios, a fim de favorecer os interesses da população como um todo.

A importância desses movimentos, especialmente no século passado, representou a mudança de diversos regimes em diversos países, especialmente nos casos do apoio dos trabalhadores a Gandhi, durante as manifestações favoráveis à independência da Índia do domínio inglês, bem como no caso da África do Sul, onde o apoio da classe trabalhadora ao líder Nelson Mandela foi fundamental à derrubada do regime de apartheid naquele país153.

No caso brasileiro, foi notável a participação dos trabalhadores, em movimento organizado pela Central Única dos Trabalhadores, bem como das demais Centrais Sindicais visando o apoio a outras entidades da sociedade civil por meio da deflagração de greves gerais, as quais auxiliaram na aceleração das mudanças que ocasionaram a redemocratização do país, além de terem auxiliado, no processo de elaboração da Constituição, a propiciar o grande apoio popular configurado pela elaboração de diversos projetos destinados à garantia de direitos de cidadania da sociedade civil154.

Estes são apenas alguns dentre muitos exemplos que podem elucidar a importância destas manifestações para a mudança social nos países em que ocorrem. Apesar de que, em praticamente nenhum país do mundo Ocidental155 tal greve é sequer tolerada no ordenamento jurídico, este movimento possui inegavelmente um nítido caráter de fenômeno social, não podendo ser simplesmente deixado de lado pelo Direito. Não é recomendável, em nenhum ordenamento jurídico, que tal movimento ocorra. Mas não há como negar que, em existindo

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BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional, Lumen Juris, 2006, p. 147.

154 Como as greves gerais organizadas pela CUT a partir de 1981, culminando na greve geral de 1986, que teve,

segundo a Central Sindical, 25 milhões de participantes em todo o país, apesar de que os números oficiais atribuíram a participação a meros 10 milhões de trabalhadores. No setor público, esse movimento grevista somente começou a ser configurado a partir de 1983, quando a eleição de governadores de oposição ao regime militar em vários estados desencadeou uma série de manifestações destinadas a reivindicar reposições salariais, engrossando a massa de trabalhadores paralisados. Cf.: BARROS, Maurício Rands. Labour relations and the

new unionism in contemporary Brazil. New York: St. Martin’s Press, 1999, p. 57, 61.

155 AMORIM E SOUZA, Ronald. Greve & Locaute: aspectos jurídicos e econômicos. Almedina, 2004, p. 89,

esta espécie de paralisação, deve existir alguma motivação muito forte para que este processo de reunião político-trabalhista se configure.

Esta espécie de greve acaba adquirindo uma conotação idêntica à de uma revolução156. É um processo que, a princípio, é inadmitido pelo ordenamento jurídico, mas que, após a sua deflagração, e em sendo positivo, quando resulta no atendimento às reivindicações dos envolvidos, pode ser convalidado pelo Direito, tornando-se, pois, um fato jurídico. É nesse sentido que deve ser analisada a greve política, como um movimento que pode ser necessário, a depender do momento social e histórico vivenciado pela sociedade, mas que, em circunstâncias de normalidade da ordem política de um país, não deve ser admitido.

Em outras palavras, a greve política torna-se essencial para os momentos em que circunstâncias de exceção dominam o cotidiano de uma sociedade. Entretanto, este movimento também deverá ter caráter transitório, a fim de assegurar, após a sua conclusão, o retorno à normalidade das instituições e do Estado, que provavelmente terá sido modificado por meio das manifestações deflagradas, encerrando-se, também nesse caso, a situação de exceção que motivou o surgimento da paralisação de caráter eminentemente político. Essa situação de fato pode ser definida como uma situação de exceção adequada a ser exercida em momentos de restrições democráticas na sociedade em que se consolide.

Mesmo que o arcabouço normativo do país em que ocorre tal processo não permita a sua ocorrência, faticamente ele poderá se suceder, tendo o Poder constituído, então, a atribuição de aferir o caráter de legalidade ou não àquela paralisação. A própria OIT, por meio do Verbete nº 372 já citado, do Comitê de Liberdade Sindical, estabeleceu que as greves de natureza meramente política não podem ser protegidas pelos princípios da liberdade sindical157. Diferentemente dessa espécie, que é praticamente abominada em todo e qualquer ordenamento jurídico, a greve reivindicatória adquire outro status jurídico na maioria das legislações do mundo Ocidental.