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4 A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO COMO UM DIREITO

4.1 O direito fundamental de greve no serviço público

4.1.1 Conceitos fundamentais: serviço público, servidor público e atividades essenciais

4.1.1.2 Servidor público

Para os fins do presente trabalho, o conceito do termo “servidor público” será buscado com o fito precípuo de interpretar os dispositivos do art. 37, inciso VI, da Constituição de 1988. Tal dispositivo prevê a regra geral de admissão do direito à sindicalização, seguindo o direito de greve como decorrência direta do primeiro184, delimitada no inciso VII do mesmo artigo. Porém, naquele dispositivo (inciso VI) já há uma delimitação conceitual ao termo “servidor público” em relação ao tema aqui abordado, que diz respeito à vedação expressa no artigo 142, inciso IV, de que os servidores militares exerçam tal direito. O inciso analisado refere-se, pois, apenas aos servidores civis.

183 Idem, ibidem, p. 157.

O conceito de servidor público abarcado pelo contexto constitucional, apesar da vedação do art. 142, é bastante abrangente. Para Oliveira, servidor público (ou agente público, segundo nomenclatura usada pelo autor) “é toda pessoa física que desempenha uma função vinculada a alguma atividade do Poder Público”. Nesse sentido, o autor abrange os servidores públicos estatutários, celetistas e temporários, bem como os agentes políticos e servidores estatais, os empregados públicos185.

Tal conceito também é seguido por Maria Sylvia Di Pietro, bem como pela maioria dos autores da área186. Este tema, ao contrário da alínea acima, comporta menos pontos de polêmica, por já ter sido uma situação de discussão doutrinária e jurisprudencial já superada. O conceito utilizado favoravelmente à visão ampliativa da noção de servidor se fundamenta nos dispositivos legais inseridos no Código Penal, em 2000, por meio da Lei nº 9.983, que modificou o art. 327 do referido Código, bem como por meio da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), e da definição genérica do art. 2º do Estatuto dos Servidores Públicos (Lei 8.112/90) que buscaram constituir, para as finalidades que foram criadas, a figura do servidor público187-188.

Atualmente, apenas há que se realizar um exercício de delimitação de algumas categorias que podem ser enquadradas tanto no âmbito do serviço público, como na atividade privada econômica e social. O enquadramento dessas espécies de trabalhadores é o que comporta, nas últimas décadas, a única discussão subjacente ao tema. Tal discussão decorre da arcaica, porém ainda utilizada distinção entre os setores público e privado, distinção que já não pode mais ser encarada como uma delimitação estanque, tal como apreciada no início do presente Capítulo.

Na atual conjuntura do serviço público existente nos Estados Ocidentais o que ocorre é uma crescente tendência à configuração de pontos de contato entre as searas pública e privada, como nos casos relativos às concessionárias e permissionárias de serviço público, bem como nos casos de empresas anteriormente geridas pela Administração e que, com o processo de privatizações capitaneado no Brasil em maior medida pelo governo Fernando

185 OLIVEIRA, Régis F. Servidores públicos. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 11-13. 186

Por todos, cite-se: DI PIETRO, Maria S. Direito Administrativo. 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, 431- 433. Em visão contrária, mais restritiva em relação ao conceito de servidor público, vide: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed., revista e atualizada, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 228, 229.

187

OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Servidores públicos. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 9, 10.

188 AMORIM E SOUZA, Ronald. Greve & Locaute: aspectos jurídicos e econômicos. Coimbra: Almedina,

Henrique Cardoso, foi transferida a empresas particulares a execução de alguns serviços públicos, como telecomunicações, energia elétrica, dentre outros.

No Brasil, como já visto acima, a própria lei, em determinados momentos históricos, tratou de distinguir quem deveria ser considerado servidor público e quem não o seria. Com a instituição do regime jurídico único, que surgiu com o advento da Constituição de 1988, a própria Carta Magna tratou de distinguir os servidores dos demais trabalhadores de acordo com a lei a ser seguida por cada uma das respectivas categorias. Para o caso dos servidores, o regime previsto pela Constituição, bem como pelas leis específicas, criadas para atingir tal intuito, seria o fator distintivo em relação aos demais trabalhadores, que seriam regidos pelos dispositivos da CLT.

Porém, o regime jurídico único não perdurou por muito tempo no ordenamento jurídico brasileiro. Com o advento do chamado Estatuto dos Servidores Públicos e com a inserção da Emenda Constitucional nº 19/98, esta espécie de classificação dos servidores foi abolida do texto constitucional, tornando sem efeitos a distinção acima realizada pela doutrina e pela jurisprudência. Assim, tornou-se necessário que outros argumentos pudessem proceder a essa diferenciação entre os trabalhadores em geral e os servidores públicos189.

Por isso, o que atualmente distingue a atividade exercida pelo servidor como pública ou privada decorre da natureza do serviço prestado à população, que tem de ser de caráter civil, e desde que haja a participação do Estado, seja direta, seja indiretamente na formulação e execução de tal serviço. Assim, tanto pode ser caracterizado como servidor público aquele que goza de todas as prerrogativas de um funcionário público, como também pode ser um trabalhador vinculado ao regime da CLT, assim como poderá ser um operário contratado ou mesmo que desempenhe alguma função relevante, mesmo sem que obtenha qualquer espécie de remuneração a ser paga pelo Estado, exercendo uma função necessária em uma situação temporária.

Contudo, a doutrina e a jurisprudência não admitem a abrangência excessiva da figura do servidor público para toda e qualquer atividade desempenhada por empresas privadas em situação de subordinação ao Estado. Sob tal perspectiva, funcionários de empresas privadas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos não podem ser enquadrados como

servidores públicos, tendo-se em vista que não há vinculação alguma destes à Administração190.

Como explicado no tópico anterior, cabe ao Estado, nesses casos, regular a atividade econômica desempenhada por essas empresas, estabelecendo limites e metas à sua atuação. Mas o regime de subordinação dos trabalhadores das empresas privadas que prestem serviços em nome da Administração segue a mesma regra de qualquer outro trabalhador da iniciativa privada. No caso em epigrafe, tal relação de trabalho é regida pela CLT e, em relação ao direito de greve os dispositivos referentes à Lei nº 7.783/89 são válidos, inclusive no que diz respeito às atividades essenciais.

Desse modo, feitas as necessárias delimitações em relação aos profissionais que devem ser incluídos na hipótese título deste trabalho, vale distinguir os servidores que estão submetidos ao regime da CLT daqueles que estão submetidos ao Estatuto dos Servidores Públicos. No que diz respeito às atividades essenciais do Estado, a imensa maioria desses serviços é prestada por servidores em sentido estrito, sujeitos à determinação constitucional do art. 37, VII, porém sem a devida regulamentação de uma lei específica.

Explicando melhor, apesar de ter sido apresentada a noção de servidor público sob uma perspectiva bastante abrangente, a problemática que buscará ser resolvida diz respeito aos movimentos deflagrados por aqueles funcionários que não estão submetidos a legislação específica, agindo conforme os ditames constitucionais. Para os servidores contratados pelo regime da CLT não há problemas em exercer o direito de greve, já que este encontra seus delineamentos em virtude da Lei 7.783/89. Entretanto, no caso dos servidores em sentido estrito, os funcionários públicos, essa regulamentação expressa não ocorre, o que acarreta as consequências excessivas cometidas por abusos dos manifestantes no exercício do seu direito legítimo de pressão.

Destarte, aqui vale lembrar a ressalva feita pela OIT no intuito de impedir uma classificação rígida do termo aos países signatários. Nesse sentido, em 1996 a Comissão de Peritos se manifestou no sentido de que “uma definição demasiadamente detalhada do conceito de funcionário público poderia ter como resultado uma restrição muito ampla e até

uma proibição do direito de greve dos trabalhadores” 191

. Foi nesse sentido, pois, que a classificação adotada foi a mais abrangente possível, delimitando-se apenas para o título aqui escolhido quais sejam as hipóteses mais problemáticas referentes ao Direito brasileiro. Feita essa ressalva importante acerca dos titulares do direito de greve resta, então, delimitar o que sejam as atividades essenciais, estas caracterizadas, para os objetivos dessa dissertação, apenas para os serviços públicos.