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G ERAÇÃO M ODERNISTA

3.1 A evolução histórica do regionalismo/sertanismo na Literatura brasileira

A literatura de cunho regionalista/sertanista apresenta, como toda e qualquer literatura, um embasamento histórico a fim de engendrar uma representação pontuada em mundos fictícios, tanto mais convincentes enquanto arte quanto forem as suas verossimilhanças com os dados do mundo real – seja este pretérito, presente ou possibilidades de futuro. Portadora de um imaginário e de uma ideologia (concepção de mundo) que lhe é constitutiva, as literaturas regionalistas, como se pode supor imediatamente, pautam-se na região enquanto escopo espacial de referência para as narrativas: segundo Vicentini (2007), essa região, na literatura, é caracterizada por seus aspectos físico, geográfico, antropológico, psicológico etc., apresentando, ao máximo possível e (obviamente) sob o ponto de vista do literato, o caráter performativo de apresentação da identidade grupal.

Em outras palavras, o conteúdo-chave da literatura regionalista é a identidade regional, pondo em destaque, portanto, as preocupações com a verossimilhança do mundo que é representado. Tal verossimilhança é fundamental para a identificação do mundo em foco, da região de que se trata o discurso artístico-literário, dependendo de tal identificação o caráter regionalista do texto: por isso, a literatura regionalista pretende também ser a mais documental possível. Nesse contexto, as narrativas regionalistas, por seu caráter documental, buscam expressar todos os caracteres regionais, como linguagem, fauna, flora, ofícios, roupas, comportamentos, climas, os problemas, crenças etc.

Essas são as razões por que os escritores regionalistas dizem-se também

pesquisadores, recolhedores de anotações em cadernetas. Publicam miscelâneas de

lendas, cancioneiros, folclore recolhido, provérbios, dicionários de termos típicos, livros de receitas etc., todos dentro ou ao lado de suas obras literárias propriamente ditas. E também se lançam em polêmicas infindáveis sobre a fidelidade da representação de mundo que suas obras apresentam – se de fato é ou não é assim a sua região; se aconteceu ou não do jeito que está relatado. E defendem a posição de que só o nativo ou o enraizado no local é capaz de ler, entender e transmitir essa identidade regional. (VICENTINI, 2007, p.188, grifos da autora).

Por centrar-se em espaços distantes ao “mundo oficial” das cidades mais importantes do território brasileiro, a literatura regionalista nacional frequentemente abordou os sertões

nacionais – como aqui considerados, espaços de lógicas diferentes às vigentes e dominantes, hegemônicas do ponto de vista socioeconômico, cultural e político.

Ainda segundo Vicentini (2007), o percurso histórico de nossa literatura regionalista iniciou-se com as primeiras manifestações do sertanismo árcade e romântico do final do século XVIII e meados do século XIX, em sonetos do jurista e poeta Cláudio Manuel da Costa ou ainda nas expressões românticas de Alfredo de Taunay e José de Alencar. Todavia, esse modelo literário tornou-se recorrente apenas no final do século XIX, com o mineiro Afonso Arinos de Melo Franco (1868-1916), e, já no século XX, com o gaúcho João Simões Lopes Neto (1865-1916), os paulistas Valdomiro Silveira (1873-1941) e José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) e o goiano Hugo de Carvalho Ramos (1895-1921). Os anos 1930 marcaram profundamente a literatura regionalista/sertanista com os prestigiados nordestinos Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado – que, com Rachel de Queiroz, constituem-se nos literatos em foco nesta pesquisa. O quadro de literatos ainda se completa com o mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967) e os goianos Bernardo Élis Fleury de Campos Curado (1915-1997) e Eli Brasiliense (1915-1998), expoentes da literatura nacional no pós-guerra e, sobretudo, a partir da década de 195071.

Em todo caso, a literatura de cunho regionalista/sertanista apresenta, segundo Lima (1999), uma dimensão de intenso debate entre o progresso e a autenticidade: não exclusivo da seara artístico-literária, como visto já aqui no tocante às preocupações do pensamento social brasileiro (ver subitem 2.1.1), tal debate coloca a hinterlândia sertaneja em franca oposição à modernização produtiva e à urbanidade. No campo literário, o traço do homem do interior é diferenciadamente caracterizado no âmbito do idílio romântico e do realismo literário, colocando em xeque uma associação simplista entre o regionalismo e o conservantismo.

Consoante Chiapinni (1995), essa associação imediata entre o regionalismo e a tradição greco-latina do idílio e da pastoral – traços vistos sob uma valoração positiva, reclamando uma retomada e conservação dos mesmos – é apenas uma parcela das literaturas regionalistas, uma vez que as representações realistas tenderam a focalizar progressivamente o homem pobre do campo, que buscava ser “ouvido” pelos leitores da cidade. Desse modo, a nostálgica visão do passado, idealizado e marca da autenticidade do homem, é contraposta às

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A autora ainda cita outros exemplos mais recentes de literatos regionalistas: na década de 1970, destacam-se na literatura goiana – especialidade da pesquisadora – José Godoi Garcia (1918-2001), Carmo Bernardes (1915- 1996) e Bariani Ortêncio (1923-); ademais, destacam-se contemporaneamente o sergipano Francisco Dantas e o paulista Antonio Torres. Além desses nomes elencados por Vicentini (2007), também é possível citar o caso do político e escritor mineiro Mário de Ascensão Palmério (1916-1996), enfocado nos trabalhos de Vinaud (2008; 2011), destacados adiante.

denúncias da miséria do presente, alavancadas pelo progresso ou pela falta de assistência à população excluída das zonas progressistas.

Um dos principais sustentáculos argumentativos dos literatos realistas, em suas descrições regionais/sertanistas enquanto alternativas às idealizações românticas, pautava-se na crítica da falta de “conhecimento prático” dos literatos para com as realidades relatadas nos romances – ou seja, os autores realistas acusavam os literatos românticos de não terem entrado em contato com as paisagens e os homens abordados em seus romances regionalistas, construindo uma representação carente de maior verossimilhança. No entanto, Lima (1999) retoma essas posições dos intelectuais do primeiro período republicano, argumentando que a caracterização positiva dos sertões nacionais não foi uma prática exclusiva da geração romântica, que inclui expoentes como José de Alencar, Bernardo Guimarães, Franklin Távora e Alfredo Taunay, e, tampouco, que a caracterização romântica dos sertões opera com valorizações exclusivamente positivas: “Se, com ela [geração romântica], a ficção romântica consolidou-se sob a forma sertanista e regionalista, encontramos nos textos produzidos tensões e ambigüidades nessa afirmação do sertão como essência da nacionalidade.” (LIMA, 1999, p.65).

Além do mais, a crítica realista da produção literária romântica artificial e confinada em gabinetes é contrastada com o fato de que, em muitos casos, a literatura produzida sob o caráter do Romantismo refletiu experiências de viagens etnográficas e de ações militares, não se diferenciando tão radicalmente aos textos “científicos” do Realismo. (LIMA, 1999). O que se impõe, portanto, é não uma ruptura entre as gerações literárias, mas sim uma necessidade de contextualização das obras, diferenciadas historicamente, uma vez que, nos albores da República, a magna preocupação não era tanto mais – ao menos na mesma medida em que fora no período posterior à Independência – com o forjamento do espírito da nacionalidade, mas sim, influenciado pelas teses cientificistas, com o ideal missionário de “civilizar os sertões”.

Acerca dessas diferenças históricas, Oliveira (1990) coloca que:

O movimento romântico buscava a nossa peculiaridade: com um agudo senso do real, num momento em que, mal saídos da independência, buscávamos a nossa afirmação como povo, o romantismo, de acordo com os esquemas de pensamento do tempo, insistia no típico e no insólito. [...] Outra é a perspectiva da geração seguinte: ela já não quer pôr em relevo o específico nacional, mas integrar-nos na civilização ocidental; compreender nossas diferenças em relação com os países mais adiantados do Ocidente não como uma ‘diferença de natureza’ mas como uma diferença de fase histórica, apreendida segundo o modelo de uma filosofia progressista da história. (BARROS, 1967, p.1472 apud OLIVEIRA, 1990, p.81).

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BARROS, Roque Spencer Maciel de. A evolução do pensamento de Pereira Barreto. São Paulo: Grijalbo/USP, 1967.

No momento pós-independência, o Romantismo configurou-se como um estandarte para a construção da alma brasileira e do entusiasmo patriótico. Vale destacar, embora não seja o foco desta pesquisa e já tenha sido abordado por outras bibliografias73, o Romantismo operou, no Brasil, com a preocupação notável de ensejar um espírito patriótico, engendrando um sentimento de nacionalismo, a busca pelo passado histórico e a exaltação da Pátria. No oportuno momento da consolidação do Império, esses desígnios procuravam sustentar uma tessitura nacional que amalgamasse todas as diferenças e particularidades regionais em torno de um Estado unívoco e forte, portador do sentido e da essência da brasilidade. Em termos de conteúdo, esse nacionalismo romântico manifestou-se na exaltação da natureza pátria e na criação do herói nacional: enquanto nas literaturas europeias, os heróis nacionais eram representados por belos e valentes cavaleiros medievais, na literatura brasileira, a falta de um passado medieval obrigou a busca do herói no indianismo, fabricando uma imagem mítica do índio brasileiro, dotado de valores europeizados de beleza, valentia e civilidade.

Esse arcabouço estético permitiu a construção simbólica do passado comum brasileiro, forjando a cimentação do nascente e ainda frágil Estado-nação. Desde a primeira geração romântica, consoante Araújo (2002-3), a literatura nacional revestiu-se de um caráter empenhado em fabricar a brasilidade, o que era ainda mais destacado pelo fato da elite intelectual se confundir com a elite política do país, encetando uma legítima intelligentsia empenhada na tarefa de construção simbólica do território. Com intensa participação na vida pública nacional e veiculadores de projetos políticos nacionalistas, os literatos expoentes desse momento histórico-literário – como era o caso de José Martiniano de Alencar (1829- 1877) e Bernardo Joaquim da Silva Guimarães (1825-1884) – buscaram configurar as idiossincrasias regionais, dando lugar aos primeiros romances regionalistas românticos, sequiosos pela afirmação da unidade do Império a partir da diversidade das paisagens e dos tipos humanos.

O sertanismo de Alencar – presente em romances como O Gaúcho (1870), As Minas de Prata (1870), O tronco do Ipê (1871), Ubirajara (1874) e O Sertanejo (1875) – surge como uma necessidade de descobrir literariamente as regiões afastadas da Corte fluminense, integrando-as à unidade nacional: por isso, a obra alencariana nestes romances é menos regionalista do que se supõe, uma vez que está impregnada de uma aura nacionalista, buscada a partir das peculiaridades regionais. José de Alencar, presidente da província do Ceará,

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Entre outras, pode-se citar duas obras recentes: RICÚPERO, Bernardo. O Romantismo e a ideia de nação no

Brasil (1930-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004; e SOMMER, Doris. Ficções de Fundação – Os Romances

deputado, senador e ministro da Justiça, tencionava, em seus discursos literários regionalistas e sertanistas, dar concretude aos símbolos e anseios de uma unidade regional, ressaltada menos em sua coesão peculiar e autônoma do que em sua especificidade, engrandecida enquanto parcela significativa do todo nacional. (ARAÚJO, 2002-3).

A valorização das idiossincrasias paisagísticas brasileiras, recortadas em unidades regionais, não incorporava uma dimensão propriamente documental, como eram os relatos dos cientistas viajantes do início do século XIX, mas sim uma tentativa de elaboração de uma épica própria, fundando um tropicalismo sustentado pelas características da natureza dos sertões brasileiros: “Assim, o próprio sentido da glorificação romântica da natureza sucumbe aos desígnios do nacionalismo engajado. A natureza, ao se opor à cultura da cidade, opõe também uma dimensão autêntica do ‘ser brasileiro’ à afetação cosmopolita da Corte.” (ARAÚJO, 2002-3, p.55).

Se em José de Alencar tem-se, propositalmente, uma descrição das singularidades da natureza e da paisagem sob o intuito de unir os habitantes do território por meio de uma história comum – ou seja: se a prosa romântica de Alencar constitui-se em uma força nacionalizadora baseada na criação de símbolos e de imagens literárias da unidade histórica e geográfica do Brasil –, a nova geração literária, realista/naturalista, vai paulatinamente criticar essa postura romântica: enquanto em Bernardo Guimarães tem-se uma mistura da descrição das paisagens sertanejas enquanto parcelas da unidade nacional com a interpretação das particularidades e autonomias regionais, em João Franklin da Silveira Távora (1842-1888), a particularidade regional é exaltada em si mesma, engendrando um regionalismo strictu sensu, que não busca responder aos ideais da orquestração nacionalista mais ampla. O regionalismo e sertanismo de Távora podem ser entendidos como uma tentativa de ressaltar, a partir da descrição e mesmo da exaltação das diferenças culturais e geográficas, a importância das elites regionais – no caso específico do literato, a elite pernambucana –, alijadas das divisões de poderes a partir da centralização político-econômica, durante o Segundo Império, no Rio de Janeiro.

Destarte, a estética romântica cedeu lugar, com a unificação do Estado garantida, no final do século XIX, às descrições realistas e naturalistas das regiões-Sertão, distantes da Corte fluminense. Paralelamente, as autenticidades localistas foram perdendo terreno literário para as caracterizações regionalistas/sertanistas, que pretenderam idealizar menos, retirando o “véu mítico e encantado” dos sertões, uma vez que estes precisavam entrar no jogo de forças encabeçado pelo poder centralizado na Corte: “Ao contrário do que ocorria em Alencar e nos românticos, a perda desse encanto natural não era lamentada, porque a colonização e o

progresso atribuiriam um novo sentido ao território, garantindo assim um novo sentido para a consolidação do Estado e da nação brasileiras.” (ARAÚJO, 2002-3, p.62).

Do mesmo modo, contrariando a decantada relação simplista entre regionalismo e conservantismo, Oliveira (1998) coloca que, apresentados na literatura sob a categoria de regionalismo, o Sertão e o sertanejo podem ser identificados sob essas duas perspectivas básicas, já aqui destacadas: a tradição romântica e a realista, distintas no trato do espaço geográfico e do homem que o habita. Sob a conotação romântica, o sertanejo é elevado a símbolo da nacionalidade, notável por seu modo de vida simples e destro, em que pesa uma relação orgânica com o meio natural: “Natureza e organização social se fundem na base deste julgamento positivo, opondo-se à vida degradada e corrompida do litoral, ou seja, das cidades.” (OLIVEIRA, 1998, p.197); por outro lado, a perspectiva realista desmistifica essa vida interior idealizada, relegando o Sertão a uma condição de “região-problema”, uma questão nacional a ser resolvida em sua oposição à urbanidade litorânea e na suspeita da “degeneração racial” de seu povo.

A autora ainda coloca que esse regionalismo/sertanismo, em suas origens, era, sob o escopo e os desígnios do Romantismo e nos argutos discursos artístico-literários de autores como José de Alencar, Bernardo Guimarães e Alfredo D’Escragnolle Taunay, uma forma de definição da nacionalidade. No final do século XIX e início do XX, todavia, o regionalismo, a partir das influências do Realismo e do Naturalismo, se transformou em conto sertanejo, trazendo à tona o homem rural, caracterizado “sob o ângulo do pitoresco, do jocoso e do sentimental.” (OLIVEIRA, 1998, p.197); um notável expoente desta literatura regionalista e sertaneja foi Afonso Arinos, importante na construção de mediações entre as culturas erudita e popular, entre os mundos cosmopolita (Litoral) e regional (Sertão).

Em outra perspectiva, um sertanismo mais brando já pode ser notado nos albores da Literatura brasileira: como aponta Vinaud (2011), o Sertão já aparece como referência desde a Carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil (1500), de Pero Vaz de Caminha. Neste caso, o Sertão era uma denominação genérica das terras que se estendiam além-litoral, grandes extensões de terra rumo à hinterlândia incógnita que a vista não conseguia abarcar em sua totalidade. Vale destacar que essa literatura Quinhentista não era propriamente uma literatura do Brasil, uma cosmovisão artística do homem brasileiro, mas sim uma literatura no Brasil, denotando uma literatura que se referenciava geograficamente nas terras luso- brasileiras, mas que expressavam a cosmovisão, as ambições e os projetos dos colonizadores.

A Carta possui mais um valor histórico do que um valor estético-literário propriamente dito, uma vez que está substancialmente preocupada em operar uma descrição

da “terra nova”, em seus aspectos físicos e humanos – e, por isso, é meramente descritiva. Aliás, esse é a principal característica da literatura informativa quinhentista, também chamada de literatura dos viajantes ou dos cronistas, sendo um reflexo artístico do momento histórico das Grandes Navegações. O principal traço dessa literatura é a exaltação do Novo Mundo, sobretudo em sua natureza exótica e exuberante, elemento que seria retomado no final do século XVII, com os primeiros movimentos nativistas.

Vinaud (2011) ainda destaca uma branda referência aos sertões na literatura árcade de Cláudio Manuel da Costa, sobretudo em sua obra poética de referência aos sertões mineiros, próximos à cidade de Vila Rica, centro pulsante do Brasil aurífero durante o século XVIII. Espaço-alvo de projetos, os sertões também foram buscados na literatura romântica e nas estéticas do Realismo/Naturalismo, já aqui abordadas. Em outros momentos de nossa história literária, o regionalismo/sertanismo reacendeu a (re)construção de imagens dos nossos sertões, “quer como lugar legítimo da identidade nacional, quer como lugar de atraso e barbárie em oposição ao espaço litorâneo de desenvolvimento e civilização.” (VINAUD, 2011, p.67). Sobre esse regionalismo sertanista, ela discute como a ideia de Sertão é construída discursivamente nas obras de Euclides da Cunha, Graciliano Ramos e Mário Palmério – sendo este literato o principal foco de estudo da autora –, influentes na formação da mentalidade nacional sobre o Sertão.

Em Mário de Ascensão Palmério – professor, empreendedor, político e escritor mineiro, de Monte Carmelo (MG) –, a literatura regionalista/sertanista foi empreendida em seus romances Vila dos Confins (1956) e Chapadão do Bugre (1965). As duas obras desenvolvem o tema da disputa pelo poder no sertão mineiro – em sua porção oeste e noroeste – onde a presença do coronelismo e dos pactos oligárquicos entre os políticos locais e os governadores se apresentava como o modelo básico de garantia dos privilégios políticos e das relações de forças desiguais. Favorecimentos particulares, mandonismos, nepotismos e parcialidade política e jurídica são os principais traços desses sertões rudes, “incivilizados”; ainda que tenha estabelecido um confronto entre o poder descentralizado dos coronéis locais e o poder centralizado nas figuras institucionais oficiais do Estado, o literato desenvolveu uma visão pessimista acerca das elites dirigentes do país, quer fossem oficiais ou não, considerando-as autoritárias e geradoras de uma ordem social violenta, repressiva ao livre florescer de uma legítima cidadania. (VINAUD, 2008; 2011).

Considerando o par ordem versus desordem como os elementos estruturantes dos romances de Palmério, o discurso artístico-literário do autor expõe uma crítica às instituições políticas públicas nacionais, que não substituem os favorecimentos privados da ordem

coronelista – ao contrário, alimentam ainda mais o caráter patrimonialista e particularista do poder público, como se o que estivesse em jogo fossem principalmente os ganhos pessoais. Amante dos espaços sertanejos, o literato não poderia compactuar, mesmo (e sobretudo) na condição de homem público, com o regime estabelecido, em que a grande maioria da ordem social continuava à margem dos ganhos socioeconômicos, restritos a uma elite.

Os discursos oficiais falavam em civilização, em progresso, em integrar o interior, mas o que se vivenciava no dia a dia dos municípios, conforme denúncias de membros de sua base eleitoral, era a exploração do trabalhador rural, a falta de remédios para combater a malária que incapacitava a população para atividades produtivas, a cobrança de impostos exorbitantes sobre a circulação dos produtos agrícolas, a falta de médicos e dentistas mesmo nos municípios maiores como Uberlândia e Uberaba. Palmério presenciava este estado de coisas, ouvia as reivindicações sociais e via estas aspirações por melhoramentos reais serem reprimidos pela força policial, e sob a alegação de que as manifestações populares eram manobras comunistas que ameaçavam a integridade territorial e comprometiam o progresso desejado pelo povo. (VINAUD, 2011, p.130).

Assim, para a autora, Mário Palmério parece ter usado o discurso literário como uma alternativa aos seus discursos políticos e empresariais, uma vez que por meio da Arte ele julgava fazer-se comunicar a um público mais amplo (VINAUD, 2011). Portanto, ao invés de se configurar como um legítimo literato-político, de posturas discursivamente engajadas, ele se mostrou ser, de fato, um político-literato, valendo-se da literatura para comunicar a sua paixão pelo sertão mineiro, sequioso por projetos progressistas, mas que trouxessem, em seu bojo, ganhos de cidadania para a sua população.

Apesar da contemporaneidade entre os autores – considerando-se a distinção dos valores literários e estilísticos –, esse não é exatamente o caso do regionalismo/sertanismo de