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De sertão a não-sertão: o caso da transubstanciação do Sertão da Farinha Podre em Triângulo Mineiro

C IDADES M ÉDIAS : A ONDE O FUTURO JÁ CHEGOU

1.1 De sertão a não-sertão: o caso da transubstanciação do Sertão da Farinha Podre em Triângulo Mineiro

Como já indicado pelo mapa da rede urbana brasileira (Mapa 1) ou pela condição de metrópole do interior brasileiro (Mapa 2), o município de Uberlândia, localizado na porção oeste do Estado de Minas Gerais, possui uma posição de destaque no cenário nacional, cuja importância talvez possa ser aferida simbolicamente pela alcunha que a classe hegemônica uberlandense pretende fazer com que a urbe ostente e pela qual seja reconhecida: a de Capital Nacional da Logística. Distante do litoral atlântico – palco para o qual foram, historicamente, direcionados os maiores fluxos econômicos brasileiros –, Uberlândia floresceu em meio aos projetos estatais de interiorização da colonização, tendo no interesse próprio dos geralistas de ocupação e posse das novas terras, mais férteis, e nas diretrizes geopolíticas do Estado luso- brasileiro de efetiva ocupação e colonização do imenso território brasileiro as válvulas de escape para que os sertões do oeste mineiro entrassem no cenário colonial – e, posteriormente, nacional.

No século XIX, quando as primeiras famílias luso-brasileiras se estabeleceram no atual Triângulo Mineiro, essa porção do território já havia se transformado em um dos principais pontos de passagem para os viajantes, sobretudo aqueles que iam das capitanias (depois províncias) de São Paulo e Minas Gerais para a Fronteira Oeste, nos atuais estados de

Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Oficialmente fundada no ano de 1888, a cidade de Uberlândia, segundo a laudatória retórica oficial, cresceu e desenvolveu-se em virtude de sua privilegiada localização, ainda mais destacada com a chegada de uma linha da Ferrovia Mogiana (1895) e, posteriormente, com a interiorização da capital federal a partir da construção de Brasília (inaugurada em 1960), solidificando a estrutura de Uberlândia para se tornar a capital logística do Brasil (PREFEITURA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA, 2007/8, p.3) e oficializar a sua vocação para o dito turismo de negócios.

Etimologicamente, a toponímia Uberlândia7 é composta pelos radicais uber (do latim, “fértil”) e land (do inglês, “terra”), denominando, a partir da composição “terra fértil”, uma das principais características geo-históricas que comungaram para a vocação e colonização regional por famílias luso-brasileiras, assentadas por meio de atividades agropecuárias. No entanto, existe a hipótese do primeiro radical referir-se, na verdade, ao termo alemão über, o qual é usado tanto como prefixo quanto como uma palavra em si mesma: enquanto prefixo, equivale-se ao prefixo latino super; enquanto palavra pode indicar um estado ou ação que designam uma maior elevação ou quantidade, no sentido concreto, ou ainda excesso ou superioridade, no sentido abstrato, além de poder também se configurar como preposição (acerca de, sobre) ou advérbio (sobre, acima, acima de). Destarte, a toponímia, segundo essa composição com o prefixo de origem germânica, busca designar uma “terra superior”.

Esta conceituação aproxima-se da ideia que a elite e os uberlandenses, em geral, nutrem a partir da identificação positiva com sua terra: uma imagem de grandiloquência e grandiosidade, conquistadas e mantidas com trabalho e dedicação, segundo um espírito progressista e uma mentalidade cosmopolita – patenteada, por vezes, com as posturas, típicas do interior, da tranquilidade e hospitalidade. O que se observa, pois, é um amálgama da “terra de oportunidades”, segundo o alegado espírito metropolitano, com o “jeitinho do interior”, segundo as decantadas qualidades de segurança pública e qualidade de vida. Essa “síntese perfeita” entre a cidade grande e a cidade pequena, tão bem explorada e propagandeada pela

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Além de Uberlândia, o município teve, desde a sua origem, outros nomes. Conforme a Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2007), o primeiro nome da atual cidade foi São Pedro do Uberabinha, denominação recebida quando esta localidade foi elevada a distrito de Uberaba pela Lei provincial n.831, de 11 de julho de 1857. Foi sob essa toponímia, pela Lei provincial n.3643, de 31 de agosto de 1888, que o distrito foi elevado à condição de vila, sendo desmembrado de Uberaba. A Lei estadual n.23, de 14 de março de 1891, já no regime republicano, mudou o nome da vila para Uberabinha, constituída administrativamente pelo distrito-sede (Uberabinha) e pelo distrito de Santa Maria. Pela Lei estadual n.843, de 07 de setembro de 1923, foi criado o distrito de Martinópolis, desmembrado do distrito-sede e anexado ao município de Uberabinha. Pela Lei estadual n.1128, de 19 de outubro de 1929, o município passou a ser designado por Uberlândia, o qual, por fim, pelo Decreto-lei estadual n.1058, de 31 de dezembro de 1943, passou a ser administrativamente composto pelos distritos de Miraporanga (ex-Santa Maria), Martinésia (ex-Martinópolis) e pelos recém-criados distritos de Tapuirama e Cruzeiro dos Peixotos, anexados ao município de Uberlândia, além do distrito-sede.

administração local, faz reverberar o suposto papel destacado que Uberlândia assume na composição da rede urbana brasileira.

A comentada mentalidade progressista e voltada para os negócios, alicerçada em tons marcadamente competitivos, transforma em obsessão o crescimento econômico e a busca pela atração de investidores. Para tanto, o poder executivo local lançou a publicação Uberlândia, capital nacional da logística, a qual compila, a partir de uma heterogênea gama de pesquisas e instituições, uma série de dados que atestam as posições de destaque deste centro urbano nos rankings nacionais e internacionais: Uberlândia é a 2ª maior cidade do interior do Brasil e a 1ª do interior de Minas Gerais (IBGE – Estimativa populacional de 2007); 2º mercado consumidor de Minas Gerais (IPC Target 2008); 2º lugar em infraestrutura disponível para investimentos em Minas Gerais e 25º lugar em todo o país (Anuário EXAME Infraestrutura 2006); 1ª posição na produção nacional de suínos (Pesquisa Pecuária Municipal, IBGE 2006); 10ª cidade do Brasil em número de eventos internacionais sediados (ICCA – International Congress and Convention Association 2006); 3ª receita em ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – de Minas Gerais (Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais 2007); 2ª rede hoteleira de Minas Gerais (Federação dos Conventions & Visitors Bureaux do Estado de Minas Gerais 2007) e; 2ª maior frota de veículos do Estado de Minas Gerais (Detran/MG 2007). (PREFEITURA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA, 2007/8, p.9).

Sendo assim, Uberlândia ratifica a sua posição de cidade polo do interior brasileiro, apresentando uma ambígua condição sertaneja: por um lado, os fatores ambientais do entorno ainda são tratados sob a pecha de sertão, indicando com isso que, a partir das imagens de prosperidade e progresso notórios com que a urbe uberlandense se reveste a despeito dos titânicos óbices impetrados pelo ambiente, a “vitória” da civilização e da modernidade parece muito mais faustosa e imponente; por outro lado, a noção de centro urbano sertanejo é decisivamente negada quando o sertão assume um caráter tipicamente pejorativo, enquanto um local inóspito e atrasado em relação aos grandes centros urbanos nacionais.

Portanto, a retórica oficial do governo municipal pauta-se em dados estatísticos bem selecionados: são dados de um universo limitado, alicerçado em tópicos mercadológicos e financeiros que sobrelevam a importância da capacidade produtiva e do furor de consumo no âmbito da urbe uberlandense. O estatuto de “terra de negócios” torna-se, assim, emblemático, de modo que outras variáveis – como indicadores relacionados à educação, à saúde, à cultura, ao desenvolvimento social em geral etc. – não se tornam tão interessantes quanto os dados econômicos para a argumentação e consolidação da imagem de polo econômico com a qual se pretende revestir a cidade. Assim, a dimensão populacional torna-se sinônimo de mercado

consumidor e indicadores como os de infraestrutura de investimento, quantidade de hotéis, de eventos sediados e de veículos, e os valores referentes à produção e à receita tornam-se os dados a serem celebrados, fomentando, nas entrelinhas, o lema de que “quanto mais, melhor”.

A polaridade da urbe uberlandense no interior brasileiro, em que pesa a negação do seu caráter sertanejo, indica uma necessidade de superação da condição sertaneja – algo emblemático para o polo da atual região do Triângulo Mineiro, outrora conhecida como Sertão da Farinha Podre. Essa porção territorial do extremo oeste do atual Estado de Minas Gerais teve sua formação, no âmbito da “história oficial”, atrelada às estratégias geopolíticas de ocupação e colonização dessas paragens, conectando-as aos anseios do Estado – conjugados com as vontades das elites locais – de transformação desses espaços em áreas integradas aos domínios efetivos luso-brasileiros: ou seja, em locais destinados a terem a sua condição sertaneja superada. Foi esse anseio que norteou o Estado e a elite local, com a contribuição dos migrantes geralistas – a transformar Uberaba (ao longo do século XIX) e depois Uberlândia (sobretudo a partir da segunda metade do século XX) em centros catalisadores da civilização/modernização do interior brasileiro e, portanto, de transubstanciação desse sertão em não-sertão.

O princípio da “história oficial” da região do atual Triângulo Mineiro8

está atrelado a um legítimo estado de “área de passagem” a partir do estabelecimento, em 1730, da Estrada dos Goiases, caminho régio exclusivo de ligação entre a Capitania de São Paulo e a região mineradora recém-descoberta na fronteira ocidental. Nesse momento histórico dos primórdios

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A “história oficial” da atual região do Triângulo Mineiro, no extremo oeste de Minas Gerais, não se constitui em objeto central deste estudo e, por isso, será abordada superficialmente a partir dos trabalhos de Lourenço (2005; 2010): assim, tal análise histórica regional será, consciente e intencionalmente, delineada a partir de eventos ou matrizes estruturais primazes, suscitando possivelmente uma impressão de linearidade histórica, de simples justaposição de eventos ou fatos históricos; no entanto, reconhece-se que a realidade do processo

histórico se desenvolve de modo bem mais complexo, enovelando-se em relações causais e desenvolturas de

universos variados de opções e escolhas socialmente assumidas, de modo que o modelo histórico aqui apresentado é fruto de (intencionais) simplificações e generalizações – em que pesam a recorrência a hiatos históricos candentes. Acerca de um esboço ampliado da história regional à luz do caso de transubstanciação do

Sertão da Farinha Podre em Triângulo Mineiro, ver LEITÃO JÚNIOR, Artur Monteiro; ANSELMO, Rita de

Cássia Martins de Souza. Uberaba e Uberlândia: o Sertão transubstanciado em Não-Sertão – um estudo de caso da modernização do interior no Sertão da Farinha Podre. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA, 9., 2011, Goiânia. Anais... Goiânia, 2011. Para um estudo mais aprofundado da história regional, ver, entre outros: TEIXEIRA, Tito. Bandeirantes e

Pioneiros do Brasil Central: história da criação do município de Uberlândia. Uberlândia: Uberlândia Gráfica,

1970. 2v.; ARANTES, Jerônimo. Corografia do Município de Uberlândia. Uberlândia: Pavan, 1938; SOARES, Beatriz Ribeiro. Uberlândia: da “Cidade Jardim” ao “Portal do Cerrado” – Imagens e Representações no Triângulo Mineiro. 1995. 347f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo; PONTES, Hildebrando. História de Uberaba e a Civilização do Brasil Central. Uberaba: Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1978; MENDONÇA, José. História de Uberaba. Uberaba: Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1974; MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia histórica da Província de Minas Gerais (1837) – Volume

da “colonização oficial” da Capitania de Goiás – destacando-se que a atual região do Triângulo Mineiro integrava a Capitania de Goiás até 1816, quando foi transferida para a Capitania de Minas Gerais –, diversas incursões dos índios caiapós ameaçaram a estabilidade dos arraiais auríferos, sobretudo no tráfego pela estrada régia, provavelmente atuando de modo decisivo para a ausência de povoados e fazendas nas faixas de terra do baixo Paranaíba e baixo rio Grande (atuais sul de Goiás, noroeste de São Paulo, pontal do Triângulo Mineiro e leste de Mato Grosso do Sul) – região conhecida, no início do século XIX, por Caiapônia. (LOURENÇO, 2005). Essa resistência indígena atribuía a esta região, pois, o estatuto do que aqui se entende por Sertão, ao impedir aí a definitiva instauração da soberania da Coroa portuguesa.

Motivada pela insegurança gerada por tais “bárbaros”, a Coroa portuguesa declarou, em meados do século XVIII, guerra aos índios caiapós, incentivando campanhas de extermínio e apresamento desses “gentios”; assim, os caiapós foram repelidos em grande parte da porção territorial compreendida pelos rios Paranaíba e Grande, região mesopotâmica que, a partir do final do século XVIII, ficou conhecida e foi nomeada, na “cartografia oficial” do Estado, Sertão da Farinha Podre. Os índios bororos que ajudaram na campanha de extermínio dos caiapós foram instalados em aldeamentos constituídos às margens da Estrada dos Goiases, tornando-se os responsáveis pela defesa do tráfego nesta estrada régia e configurando-se, portanto, como uma espécie de “muralhas do sertão”: esses indígenas aldeados passaram a representar legítimos agentes dos limites da soberania estatal, formando um “corredor de proteção” e apoio logístico às tropas que transitavam de São Paulo aos arraiais goianos, e vice-versa.

Destarte, a região ficou, até o início do Oitocentos, marcada por um padrão territorial dual: por um lado, tinha-se um “espaço de penumbra” da cartografia estatal, definido pelo Sertão da Farinha Podre, ocupado por “gentios domesticados” (bororos) no jogo político do governo luso-brasileiro; por outro lado, tinha-se os “espaços incógnitos” da cartografia, definidos genericamente pela Caiapônia, em que predominava a ocupação dos “gentios selvagens” (caiapós), arredios à soberania da Coroa portuguesa. A condição regional sertaneja ficou, pois, assentada sobre um padrão territorial de aglomerações de povoados, isolados uns dos outros, segundo um modelo de “arquipélago”, por zonas intermediárias não colonizadas (os sertões), ligados entre si por meio de caminhos de trânsito obrigatório, de modo que estes “espaços vazios” ou sertões, colonizados pelos “bárbaros”, eram, de fato, grandes barreiras naturais aos fluxos clandestinos, desestimulando os contrabandos e permitindo à Coroa um maior controle do território (LOURENÇO, 2005). Enfim, notava-se uma ocupação, ainda que

não contígua e sim fragmentada, pela hinterlândia, engendrando um mosaico de territórios “ilhados”, isolados e cercados por áreas de “ocupação proibida”.

As mudanças, na segunda metade do século XVIII, das concepções geopolíticas do Reino de Portugal a partir da ascensão do ministro Sebastião José de Carvalho Melo, o Marquês de Pombal, tiveram nítidos reflexos na postura da Coroa frente à valorização da hinterlândia da colônia luso-brasileira9. Incorporando princípios da Ilustração na política lusitana, a ampla reforma pombalina do Estado português buscou empreender uma engenharia político-econômica que encampasse um projeto de modernização institucional do Estado absolutista português, dirimindo resistências conservadoras, encarnadas, sobretudo, por famílias nobres e pela Companhia de Jesus.

Assim, no que tange à colônia brasileira, dentre os principais corolários das novas orientações político-econômicas podem ser citados: (i) o enrijecimento do monopólio comercial sobre o Brasil; (ii) a expulsão e confisco das propriedades da ordem jesuítica de Portugal e, consequentemente, de todas as colônias, em 1759, a partir do recrudescimento das tensões entre os jesuítas e a elite estatal lusitana, preocupada em laicizar as instituições; (iii) a demarcação e o povoamento da fronteira ocidental10, a fim de garantir e legitimar a posse portuguesa sobre o vasto território colonial e; (iv) a afirmação de uma presença mais ativa de Portugal na colônia luso-brasileira por meio de um reforço do povoamento dos principais eixos de defesa do território, inclusive com a transformação do indígena em “agente povoador” e a partir do estabelecimento de dois centros internos de poder – Belém e Rio de Janeiro – com a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão separado do Estado do Brasil.

A valorização estratégica do interior no período pombalino refletiu-se nos projetos de povoamento/colonização dos sertões luso-brasileiros. Sob esse propósito, foram os geralistas (roceiros e criadores luso-brasileiros) que, vindos da região aurífera de Minas, povoaram “oficialmente” o então Sertão da Farinha Podre no final do Setecentos e durante os primeiros

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No âmbito dessa valorização da hinterlândia luso-brasileira durante o período pombalino, tem-se que o governador de Minas Gerais, Gomes Freire, declarou guerra aos quilombos do então oeste mineiro – porção territorial correspondente, hoje, ao centro-oeste do estado, uma vez que o atual Triângulo Mineiro compunha ainda a Capitania de Goiás – sob o objetivo de alimpar aquela região com vistas à colonização. Esta política teve prosseguimento no período mariano-joanino (1778-1822) com a declaração de guerra aos índios botocudos do vale do rio Doce, para a “liberação” de tal região – sertão até então conhecido e mapeado sob a alcunha de Área

Proibida – para as investidas de povoamento/colonização. Como ainda restavam, no território da Capitania de

Minas, áreas esparsamente povoadas no Leste (Zona da Mata e vales do rio Doce e Mucuri), no Noroeste (termo da vila de Paracatu) e no recém Extremo Oeste (atual Triângulo Mineiro), o governo da capitania valeu-se, durante o período joanino, de dois instrumentos para a ocupação dessas regiões de fronteira: as isenções fiscais e a concessão de sesmarias. (LOURENÇO, 2005).

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Para uma abordagem do processo histórico de construção das fronteiras de Goiás e Mato Grosso entre o final do século XVIII e o início do século XIX, avançando no entendimento das influências que a espacialidade da colonização portuguesa teve na formação territorial brasileira, ver Nogueira (2008).

anos do Oitocentos. Apesar dos fatores centrífugos migratórios estarem assentados em questões de natureza demográfica, tecnológica a ambiental – no que concerne, sobretudo, ao esgotamento das terras disponíveis para o cultivo e à impossibilidade de crescimento da produtividade por conta das rudimentares técnicas de produção empregadas –, o Estado foi imprescindível para este processo de colonização das fronteiras mineiras: realizou campanhas contra os quilombos ao longo do século XVIII; concedeu sesmarias; estruturou políticas indigenistas; e abriu estradas e picadas a fim de facilitar a comunicação entre as novas localidades e os principais centros político-econômicos do território. (LOURENÇO, 2005).

Portanto, essas migrações geralistas – frutos de uma combinação entre os movimentos populacionais espontâneos decorrentes das condições socioeconômicas saturadas da região central mineira e as orientações e diretrizes estatais – passaram a esboçar um novo caráter ao Sertão da Farinha Podre: com os adventícios geralistas, inaugurava-se um claro esforço de “ocupação oficial” das fronteiras – sem desconsiderar, contudo, a ocupação pretérita pelos índios aldeados, sendo tal ocupação elencada como um evento histórico dos “primórdios” da história regional sistemática e “oficial” – e superação (cuja palavra de ordem estava assentada, à época, sob os princípios civilizatórios) desta condição sertaneja.

A ocupação territorial pelos geralistas iniciou um processo histórico que culminou, a partir de uma confluência de fatores no âmbito da história regional, com a transformação de Uberaba, ao final da primeira metade do século XIX, em um dos principais centros urbanos do oeste brasileiro. Concorreram para tal destaque: a localização privilegiada entre as províncias de Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais; a fertilidade dos solos, aproveitada pelos adventícios; e as iniciativas particulares – devidamente contextualizadas ao panorama amplo das diretrizes do poder real – do sargento-mor Antônio Eustáquio Silva Oliveira11. Como resultado das novas ligações de transporte – inclusive com a formação de uma rede tentacular de estradas salineiras, cujos caminhos convergiam em Uberaba –, das concessões de sesmarias aos geralistas recém-chegados e da política colonizadora regional, surgiram, entre 1820 e 1850, oito novos arraiais entre os rios Paranaíba e Grande, fazendo com que a vila de Uberaba se transformasse, em meados do século XIX, em um polo político-

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Segundo Lourenço (2005), Antônio Eustáquio obteve a sua liderança a partir da influência pessoal e das relações de parentesco, que lhe permitiram a posse de terras devolutas e de um grande plantel de escravos, além de centralidade em relações de dependência e autoridade sobre uma coletividade de colonos livres, investindo- lhe, como corolário, de um grande prestígio, principal marco da deferência social, significando poder sobre homens e terras. Em termos de atitudes político-econômicas regionais, este potentado abriu uma nova estrada para Goiás, a Estrada Real, a qual se tornou a principal via de acesso das províncias de Goiás e Mato Grosso a São Paulo, encurtando em várias léguas o caminho até Cuiabá, centro político-econômico importante da fronteira oeste; além disso, ele promoveu a criação de um novo porto fluvial no rio Grande, o porto de Ponte Alta (atual Delta), o qual facilitava o acesso a São Paulo pela navegação fluvial.

econômico caracterizado como boca do sertão12. Em outras palavras, Uberaba se constituiu,