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A evolução metodológica e conceptual do conceito de resiliência

Risco e Proteção e Psicopatologia no Comportamento Delinquente e Antissocial

Capítulo 2. Risco e Proteção no comportamento delinquente e antissocial

2. Fatores de Proteção e Resiliência no comportamento delinquente e antissocial

2.2. Fatores protetores individuais

2.5.1. A evolução metodológica e conceptual do conceito de resiliência

Segundo Masten e Wright (2006; 2010), a investigação da resiliência no desenvolvimento humano processou-se de acordo com três vagas. A primeira focou-se

exclusivamente na definição e medição do conceito, a par com a identificação e descrição das qualidades que diferenciam os indivíduos que conseguem sair-se bem dos que não, no contexto de adversidade. O conjunto de qualidades e fatores protetores identificados dizem respeito a características da infância, como a visão positiva de si mesmo – elevada autoestima, autoeficácia, autoconfiança –, estratégias de regulação emocional e comportamental eficazes; características da família, como o ambiente estável e de suporte – relações positivas com os irmãos, relações de apoio e suporte que se estendem a outros membros da família - envolvimento parental, afiliações à fé e a religião e características da comunidade, como a boa qualidade do bairro e das escolas, oportunidades de trabalho para os pais, bons sistemas de saúde e pares pro-sociais. Estes dados, com elevado grau de consistência, foram corroborados em estudos de vagas posteriores.

O segundo momento de estudos anuncia a mudança de foco da descrição de fatores para a compreensão dos processos inerentes à resiliência, nomeadamente o processo através do qual as qualidades resilientes são adquiridas pelos indivíduos.

No seguimento dos postulados de Rutter (1985) acerca dos mecanismos de resiliência, Grotberg (2003) estabelece a ponte entre as duas primeiras vagas, ao sugerir a resiliência enquanto processo de adaptação dinâmica resultado da interação de três fontes distintas de resiliência. A autora diferencia entre características da personalidade, (fatores I am), estruturas de suporte externo (fatores I have) e competências sociais e interpessoais (I can), num modelo que conceptualiza a criança como participante ativo e em interação recíproca com o contexto. Esta interação tem por base o pressuposto de que os fatores I am podem ser fortalecidos, mas não produzidos, os fatores I have podem ser tanto fortalecidos como produzidos e os fatores I can podem e devem ser aprendidos/ensinados. Posto isto, está subjacente a noção de que a resiliência tem maior probabilidade de ser consistentemente aperfeiçoada através das ações daqueles que fazem parte da comunidade ou rede social da criança (Morland, 1999).

A terceira vaga, de acordo com Wright e Masten (2006), caracteriza-se pelos esforços no sentido de testar os processos de resiliência através de experiências para promover a resiliência por estimulação dos processos de promoção ou proteção.

As autoras referem ainda a existência de uma emergente quarta vaga, de carácter integrativo, que abrange estudos genéticos, desenvolvimento neuro-comportamental e estatística no sentido de obter uma melhor compreensão do processo de resiliência.

Capítulo 2. Risco e Proteção no comportamento delinquente e antissocial

64 No contexto da primeira vaga de estudos sobre resiliência, o Kauai Longitudinal

Study conduzido por Werner e Smith em 1971 (citado por Coid, 2004; Werner & Smith,

1992) é sem dúvida uma das investigações mais referenciadas. Os autores pretendiam, entre outros objetivos, obter uma perspetiva longitudinal da capacidade de coping da criança face ao stresse perinatal, pobreza e alterações marcadas na estrutura familiar, assim como examinar os fatores de vulnerabilidade e resistência ao stresse biológico e psicossocial no desenvolvimento. A amostra, multirracial, de 698 crianças foi seguida e avaliada durante cada trimestre da gravidez, no nascimento, no pós-parto, nos dois primeiros anos de vida, aos dez anos, aos dezoito, aos 31 e 32 anos com término aos 40 anos. Muitos dos participantes foram expostos a vários fatores de risco ao nascer (e.g., complicações perinatais, atrasos no desenvolvimento) e durante a infância e adolescência (e.g., psicopatologia dos progenitores, instabilidade familiar) que se relacionam com consequências adversas na idade adulta (Coid, 2004).

Os resultados evidenciaram que 80% dos indivíduos que experienciaram múltiplas adversidades na infância demonstravam aos 10 e aos 18 anos comportamentos sociais e emocionais adaptativos e continuavam a desenvolver-se de forma saudável até à idade adulta (Thorman, 2007). Dos jovens que exibiam comportamentos delinquentes, registos criminais e problemas de saúde mental na adolescência, apenas metade ou menos experienciou problemas no início da idade adulta (Zimmerman & Brenner, 2010).

A maioria dos indivíduos considerados resilientes partilhava quatro características centrais: abordagem proactiva à resolução dos problemas, habilidade para tornar os problemas em desafios pessoais, elevada tolerância à frustração e sentido de autonomia e controlo sobre a vida (Thorman, 2007; Werner & Smith, 1992;). Este sucesso em termos desenvolvimentais foi atribuído à presença de vários recursos internos e externos (Zimmerman & Brenner, 2010).

Não obstante as primeiras investigações sobre resiliência serem notoriamente limitadas à infância, tornou-se evidente a importância das transições desenvolvimentais enquanto períodos relevantes de observação do fenómeno e do papel exercido pelos fatores de proteção (Hawkins, 2010). Alguns autores (e.g., Werner & Smith, 1992) salientavam a necessidade dos investigadores acompanharem populações de crianças e adolescentes até ao início da idade adulta de modo a monitorizar os efeitos a longo termo dos fatores de risco e proteção que operam nos anos cruciais do desenvolvimento do indivíduo.

Atualmente, volvidas duas décadas, assiste-se a uma mudança de perspetiva e a um crescente número de estudos longitudinais e de cortes que seguem os indivíduos até à idade adulta e que parecem ser os que maior riqueza de dados fornece (Barton, 2005). Assiste-se, simultaneamente, a uma desmedida diversidade de métodos utilizados nas investigações, o que contribui para a já referida falta de consenso reunida em torno do conceito.

Posto isto, a resiliência é agora conceptualizada não apenas como focalizada no período infantil, mas transversalmente ao longo das diferentes fases da vida (Hochhalter, Smith, & Ory, 2010). Não obstante o estudo da resiliência na infância e adolescência surgir bem documentado na literatura, o seu estudo nos períodos de início e final da idade adulta permanece ainda pouco conhecido, com alguns autores a considerar tratar-se de um processo que opera de modo similar aos adolescentes (Zimmerman & Brenner, 2010).