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A Incidência de Psicopatologia nas Prisões

Risco e Proteção e Psicopatologia no Comportamento Delinquente e Antissocial

Capítulo 2. Risco e Proteção no comportamento delinquente e antissocial

3. A Incidência de Psicopatologia nas Prisões

As perturbações mentais mais associadas à manifestação do comportamento criminal e violência são, segundo Cassel e Bernstein (2007) as perturbações do comportamento, perturbação da personalidade antissocial, a esquizofrenia, perturbações do humor, principalmente a perturbação bipolar e a perturbação depressiva major, perturbações relacionadas com o abuso de substâncias e algumas perturbações cognitivas.

A prevalência de psicopatologia no seio da população reclusa surge documentada em vários estudos (Peay, 2007). Investigações realizadas nas décadas de 80 e 90, revelam uma elevada prevalência da perturbação da personalidade antissocial nas prisões (Coid, 2004).

Os resultados da revisão sistemática de avaliações psiquiátricas na população prisional realizada por Fazel e Danesh (2002) sugerem que 1 em cada 7 reclusos sofre de perturbação psicótica ou depressão major e 1 em cada 2 tem perturbação da personalidade antissocial. A análise de 66 avaliações realizadas em diferentes estabelecimentos prisionais ocidentais e publicadas entre o início de 1966 e início de 2001, inclui 22790 reclusos, 81% dos quais são reclusos masculinos, e revela que o risco de sofrer de uma patologia psiquiátrica grave é notoriamente mais elevado junto da população reclusa do que na população normal.

Araújo, Nakano e Gouveia (2009) avaliaram a ocorrência de indicadores de depressão e ansiedade em 60 reclusos do sexo masculino com idades entre os 18 e os 44 anos, afectos a dois dos maiores estabelecimentos prisionais do Brasil. Os resultados sugerem que, apesar dos índices de ansiedade e depressão registados não serem de um modo geral elevados, existem diferenças significativas entre reclusos recentes e reclusos mais antigos, sendo que os primeiros apresentam valores mais elevados de depressão. Ademais, existe correlação entre sintomas de depressão e ansiedade (r=0,583, p≤0,001), havendo maior frequência de participantes que apresentam níveis similares de depressão e ansiedade. De acordo com os autores, o meio prisional parece apenas funcionar como factor desencadeador e não etiológico.

A este respeito, Gonçalves (2008) postula que a eclosão e manifestação de determinadas psicopatologias em meio penitenciário se deve ao que designa de

Capítulo 2. Risco e Proteção no comportamento delinquente e antissocial

68 patologias de adaptação à prisão. Trata-se de distúrbios cuja origem directa está relacionada com a exposição aos fatores de stresse ambiental próprios do ambiente de reclusão, que pelas suas características e especificidades limita as atividades do sujeito tanto a nível comportamental como psicológico com serias repercussões na sua saúde mental. O autor destaca a ansiedade e a depressão, evidenciadas através de distúrbios psicossomáticos ou de carácter hipocondríaco, e até a associação de ambas com perturbações do comportamento. Ao verificar os efeitos psicológicos e comportamentais da sobrelotação prisional através de índices de adaptação à prisão em 48 reclusos do sexo masculino, Silva e Gonçalves (1999) constataram que mais de metade dos indivíduos (81,3%) estariam naquele momento a sofrer de perturbação da ansiedade. Os reclusos primários exibiam frequentemente perturbações depressivas associadas a perturbações do comportamento.

Hassan et al. (2011) acompanharam as mudanças clínicas em termos de sintomas psiquiátricos de mais de 1000 reclusos acabados de entrar no sistema penitenciário, no que foi o maior estudo prospectivo realizado no Reino Unido. À semelhança dos resultados de Araújo, Nakano e Gouveia (2009), os autores verificaram que os níveis de

distresse dos novos reclusos eram mais elevados na primeira semana de

encarceramento, que continua a representar o período de maior risco entre os reclusos recentes; e que estes níveis têm tendência a decrescer ou estabilizar significativamente entre os reclusos condenados. A exceção vai para os reclusos em prisão preventiva que evidenciaram níveis elevados de stresse prolongado e cuja situação penal prediz significativamente a sua deterioração mental. Hassan et al. (2011) explicam os sintomas com a existência de fatores de stresse adicionais (e.g., idas repetidas a tribunal, futuro incerto) que no caso dos reclusos condenados não estão presentes.

Moreira e Gonçalves (2010) exploraram a incidência de ideação suicida e de perturbação emocional em 66 presos preventivos durante a primeira semana de reclusão e após seis meses do cumprimento da pena. De um modo geral, os sintomas psicopatológicos e os índices globais de perturbação emocional, avaliados com recurso ao BSI (Canavarro, 1999), diminuíram significativamente com o decorrer da execução da pena. Na primeira semana de reclusão, as dimensões de psicopatologia ideação

paranóide, hostilidade, depressão e ansiedade apresentavam valores elevados; após seis

meses, apenas a dimensão sensibilidade interpessoal registava valores elevados, sendo a dimensão ansiedade a que mais decresceu comparativamente ao avaliado na primeira semana. Estes resultados demonstram que, passados seis meses de execução da pena,

parte significativa da amostra deixa de evidenciar sintomatologia psicopatológica, o que para os autores pode sugerir que os indivíduos possuem fatores protetores que aumentam a sua resiliência ou o estabelecimento prisional, na sua vertente de prestação de cuidados, é bem-sucedido e atenua o sofrimento psicológico dos reclusos.

No que concerne à pré-existência de perturbação mental grave no momento da entrada na prisão, Araújo, Nakano e Gouveia (2009) sugerem, com base nos resultados da sua investigação, que a reclusão não parece amplificar os sintomas psiquiátricos em reclusos nesta situação, no entanto, esta continua a predizer significativamente uma contínua debilidade na saúde mental do indivíduo.

A este respeito, Boothby, Mulholland, Cases, Carrington e Bolger (2010) consideram de extrema importância que se procedam a rastreios junto dos reclusos na sua primeira semana no estabelecimento prisional, a fim de identificar não só aqueles com pré-existência de perturbação mental, mas também aqueles com potencial risco de virem a desenvolver uma perturbação mental. Os autores fizeram rastreios a cerca de 400 reclusos de diferentes raças e etnias, com uma média de idades de 33 anos, numa das maiores prisões masculinas de Londres e constataram que mais de metade dos reclusos apresentava níveis elevados de distresse, consistente com os valores apresentados em estudos prévios e no sentido do que vem sido apontado na literatura.

Koenigsberg, Balla e Lewis (1977) investigaram a associação entre delinquência juvenil, subsequente criminalidade e tratamento psiquiátrico, através da consulta de registos de tratamento psiquiátrico e/ou registos criminais, numa amostra de 255 homens que haviam sido presentes ao tribunal de menores 25 anos antes.

Destes 255 delinquentes juvenis, 6% entraram mais tarde no sistema criminal e no sistema psiquiátrico, 6% apenas no sistema psiquiátrico, 28% apenas no sistema psiquiátrico e 60% em nenhum dos dois. Os resultados evidenciam que mais de metade dos delinquentes juvenis que mais tarde se tornaram criminosos também se tornaram doentes psiquiátricos, a maioria destes doentes internados. Os delinquentes que posteriormente entraram no sistema psiquiátrico, por comparação com o grupo não psiquiátrico, cometeram um maior número de delitos, tendo cometido o primeiro delito numa idade extremamente precoce.

De um modo geral, acerca da questão psicopatológica nos comportamentos delinquentes e antissociais, Monahan (2007:144, citado por Peay atesta que “ (…)

quando comparada com a magnitude do risco associado à combinação do género masculino, idade precoce e baixo estatuto socioeconómico, por exemplo, o risco de

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violência associado à perturbação mental é reduzido; comparado com a magnitude do risco associado ao alcoolismo e a outro tipo de abuso de drogas, o risco associado às perturbações mentais graves, como a esquizofrenia, é deveras reduzido”.

A personalidade antissocial parece ser uma característica intrínseca aos indivíduos reclusos nos estabelecimentos prisionais, como demonstrado em várias investigações (e.g., Cassel & Bernstein, 2007; Coid, 2004; Fazel & Danesh, 2002).

Por outro lado, o próprio contexto prisional, pelas suas especificidades, encarrega-se de associar esta perturbação a outras, sobretudo às perturbações do humor, que de acordo com Gonçalves (2008) constituem patologias de adaptação à prisão com elevada prevalência, sobretudo nos reclusos preventivos, contribuem sobremaneira para o prejuízo da sua saúde mental. Por essa razão, e na sua vertente prestadora de cuidados, se assume de extrema importância que os estabelecimentos prisionais disponham de técnicos capacitados na área clínica e da saúde, que, e no sentido do sugerido por Boothby, Mulholland, Cases, Carrington e Bolger (2010) rastreiem os reclusos à sua chegada e identifiquem aqueles com pré-existência de perturbação mental e aqueles que estão em risco de a desenvolver.