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Capítulo 1. Comportamento Delinquente e Antissocial

2. Teorias e modelos explicativos do comportamento delinquente e antissocial

2.2. A Perspetiva Sociológica

2.2.2. Teorias do Desvio Cultural

Fruto dos trabalhos de Durkheim e dos conceitos da emergente ecologia, Clifford Shaw e Henry McKay fazem uma adaptação às comunidades urbanas nos anos 30 do século XX e propõem a popular Teoria do Desvio Cultural ou da Desorganização

Social (Ferreira, 2004). De acordo com os autores, numa área considerada desorganizada, as instituições de controlo social (e.g. família, escolas, comércio) estão fragmentadas, o que inviabiliza a execução das funções que lhes são esperadas. Os indicadores de desorganização social incluem, por exemplo, elevadas taxas de desemprego, de abandono escolar e de famílias monoparentais; sendo que os residentes destas áreas, onde prosperam os comportamentos antissociais, tendem a experienciar frequentemente conflito e desespero (Burfeind & Bartusch, 2011).

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20 Shaw e McKay empreenderam esforços no sentido de descobrir a relação entre as taxas de crime em diferentes bairros de Chicago e as suas características particulares, no que constituiu o primeiro estudo em larga escala realizado nos Estados Unidos (Bohm & Vogel, 2011).

Os autores verificaram que as taxas de delinquência eram mais elevadas no que designaram de bairros de transição, áreas decadentes onde se desenvolveram gangs com meios de sobrevivência muito próprios, cujas tradições são passadas aos membros mais novos, assegurando-se a sobrevivência do gang de geração em geração num processo de transmissão cultural. Na Teoria do Desvio Cultural, o foco está direcionado para as condições internas ao ambiente urbano que afectam as taxas de delinquência. Neste sentido, a delinquência está associada às características do bairro e não às características pessoais ou culturais dos seus residentes.

Os conceitos de Shaw e McKey serviram de base a inúmeras investigações sobre o crime e delinquência e, não obstante as condições na América serem atualmente diferentes, os elementos mais importantes desta teoria continuam a ser sustentados (Siegel & Welsh, 2010).

2.2.3. Teorias da Aprendizagem Social

Esta abordagem postula que a delinquência é fruto da aprendizagem, em interação social, de normas, valores e comportamentos associados à atividade delinquente (Siegel & Welsh, 2010; Tibbetts, 2011). Aqui enquadram-se as teorias interpessoais e situacionais da delinquência que surgiram no período que medeia o desenvolvimento das teorias individualistas e das mais modernas concepções, nas quais o comportamento humano, à semelhança do comportamento delinquente, é flexível e não estático. Nesta perspetiva, as inclinações comportamentais dos indivíduos alteram- se consoante as circunstâncias e as situações; nem o delinquente nem a sociedade são desviantes, uma vez que a delinquência e o comportamento não delinquente surgem das mesmas condições gerais; e a maioria do comportamento delinquente é cometido no contexto grupal ou de gang (Shoemaker, 2005).

A teoria interpessoal da delinquência e da criminalidade adulta de Edwin Sutherland é designada de Teoria da Associação Diferencial e, apesar de o seu início nos remeter para década de 30, a sua versão final surge em 1947 pela mão de um dos

seus sócios (Siegel & Welsh, 2010). No seio das teorias da aprendizagem social, é a mais conhecida e popular, permanecendo como uma das teorias que melhor explica o comportamento delinquente (Siegel & Welsh, 2010).

Segundo o autor, não obstante o valioso contributo de Shaw e McKay, os seus trabalhos deixavam transparecer algumas lacunas que se relacionavam, sobretudo, com a incapacidade de explicar o porquê de nem todos os jovens oriundos de áreas urbanas consideradas “problemáticas” desenvolverem comportamentos delinquentes (Ferreira, 2004). Sutherland apresentou a sua teoria e os respectivos componentes sob a forma de nove declarações proposicionais que, de uma forma genérica, expressam que o comportamento criminal é aprendido através dos mecanismos associados a qualquer outro tipo de aprendizagem, em interação com os outros num processo de comunicação que ocorre, principalmente, dentro de grupos pessoais e íntimos. Segundo o autor, o indivíduo torna-se delinquente face à existência de um excesso de definições favoráveis à violação da lei, por oposição a definições desfavoráveis à violação da lei (Burfeind & Bartusch, 2011; Shoemaker, 2005).

É notória a importância que o grupo de pares detém nesta perspetiva, enquanto contexto que permite aos adolescentes aprenderem as definições favoráveis à violação das leis. Por sua vez, a família é relevante na medida em que o local onde vive determina o grau de exposição do jovem a padrões de delinquência fora de casa. Ademais, as experiências desagradáveis no seio familiar podem arrastar o jovem para fora de casa e encorajar a sua associação com pares delinquentes que, como referido, funciona como grupo primário onde a delinquência é aprendida (Burfeind & Bartusch, 2011).

Dois conceitos fundamentais emergem desta teoria: o conceito de associação

diferencial, que postula que o ato de delinquência é fruto da associação com os outros e

cometido como resposta ao excesso de atitudes favoráveis à violação das leis e normas naquele momento; e o conceito de organização social diferencial, alternativo ao conceito de desorganização social, que sustenta a existência de um certo nível de organização em qualquer ambiente social, quer este conduza ou não à criminalidade (Shoemaker, 2005). Sutherland não explica, porém, os mecanismos sob os quais esta aprendizagem de atitudes favoráveis à violação das normas e regras decorre.

Nesse sentido, em 1966, Robert Burgess e Ronald Akers procederam à revisão da Teoria da Associação Diferencial, descrevendo-a sob a forma de sete proposições,

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22 nas quais são incorporados os princípios da teoria da aprendizagem comportamental, em particular o condicionamento operante (Tibbetts, 2011).

Os autores acreditavam, deste modo, explicar a ligação existente entre a estrutura social e o comportamento individual (Walsh & Hemmens, 2011). A Teoria da

Associação-Reforço Diferencial, denominação pela qual ficou conhecida, enfatiza o

contexto de aprendizagem em grupo, referindo-se aos processos sociais de recompensa e castigo enquanto reforço diferencial (Burfeind & Bartusch, 2011). É através da interação com outros significativos que o comportamento é reforçado, quer por recompensa quer por castigo, uma vez que são os outros significativos responsáveis por controlar as fontes e padrões de reforço, definir o comportamento enquanto certo ou errado e fornecer comportamentos que podem ser modelados através da aprendizagem (Siegel, 2011).

David Matza, por seu turno, manifesta na década de 50 uma visão menos determinista dos jovens delinquentes e avança com o conceito de “fluxo” para explicar o envolvimento no comportamento delinquente. Em colaboração com Gresham Sykes, propõe a Teoria do Fluxo1, uma teoria fenomenológica que integra três elementos basilares: a subcultura de delinquência e os valores ocultos, as técnicas de neutralização e o desenvolvimento de uma “vontade” para a delinquência.

Matza (2009) sugere a existência de uma subcultura de delinquência, não necessariamente uma subcultura delinquente, e atesta que as tradições delinquentes são na verdade padrões menos convencionais e publicitados que continuam a fazer parte da cultura dominante na sociedade. Os atos delinquentes são permitidos e instigados por crenças e expectativas, que o autor considera tratar-se de valores ocultos, que abarcam diversas justificações que podem ser utilizadas antes do indivíduo cometer o ato delinquente de modo a neutralizar os valores e normas convencionais.

Posto isto, o indivíduo racionaliza e justifica o seu comportamento através da neutralização do mesmo, recorrendo para isso a um conjunto de técnicas que fazem com que o ato cometido não pareça tão grave, no que em muito se assemelha aos mecanismos de defesa propostos por Sigmund Freud (Tibbetts & Hemmens, 2010).

Deste modo, e contrariamente aos postulados de Sutherland, os jovens mantêm- se parcialmente comprometidos à ordem social convencional mas podem “flutuar” para

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a atividade criminal, sobretudo quando os controlos sociais (e.g., pais, família) estão frágeis e as pressões nesse sentido são elevadas (Burfeind & Bartusch, 2011).