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Risco e Proteção e Psicopatologia no Comportamento Delinquente e Antissocial

Capítulo 2. Risco e Proteção no comportamento delinquente e antissocial

1. Risco psicossocial para o comportamento delinquente e antissocial

1.1. A família enquanto contexto de risco

No contexto familiar, o modo como os membros se relacionam e interagem entre si está fortemente ligado a resultados positivos e negativos em termos desenvolvimentais, ademais, a interação pais-criança e o papel do cuidador na socialização infantil precoce são variáveis centrais na etiologia do comportamento antissocial (Keenan & Shaw, 2003; Patterson, DeBaryshe, & Ramsey, 1993).

Capítulo 2. Risco e Proteção no comportamento delinquente e antissocial

48 Compreender os potenciais efeitos nefastos desta dinâmica tem sido do interesse dos investigadores (Prinzie, Stams, & Hoeve, 2008).

Até à data, várias conclusões podem ser extraídas: a exposição a normas e valores antissociais que apresentam a violência enquanto aceitável e tornam usual a sua ocorrência; o fracasso na definição de regras claras para o comportamento da criança, o insucesso na monitorização das suas interações sociais e comportamentos; psicopatologia materna; expectativas parentais negativas em relação ao adolescente; o uso de disciplina rígida e abusiva; castigos inconsistentes ou excessivamente severos; o ambiente familiar agressivo e violento, sobretudo conflito conjugal e experienciar situações de maus tratos, abuso físico ou sexual infantil têm um efeito negativo e potenciam o surgimento do comportamento delinquente (Bordin & Offord, 2000; Egeland, Yates, & Dulmen, 2002; Herrenkohl, Maguin, Hill, Hawkins, Abbott, & Catalano, 2000; Lemos, 2007; Loeber, 1990).

Farrington (2004b) salienta a importância da causa pela qual determinada família está perturbada: um lar onde não existe harmonia produz taxas de delinquência mais altas quando comparado com um lar afectado pela experiência da morte; os rapazes provenientes de lares desfeitos são mais delinquentes que os de lares intatos, contudo menos delinquentes quando comparados com jovens de famílias intactas mas onde existe elevado conflito familiar. O autor refere ainda que, após separação dos progenitores, permanecer com o pai, outros parentes ou parentes de acolhimento acarreta elevadas taxas de delinquência.

Na meta análise realizada por Hoeve, Dubas, Eichelsheim, Laan, Smeenk e Gerris (2009), a relação entre parentalidade e delinquência foi confirmada. A análise da parentalidade, sob diferentes perspetivas, das suas dimensões, estilos e comportamentos revelou que o controlo psicológico (e.g., manter a criança dependente e utilizar a culpa para a controlar) aumenta o risco de envolvimento em comportamento delinquente, à semelhança de comportamentos de negligência, rejeição, hostilidade e pobre supervisão e suporte parental. Os autores verificaram a existência de associação entre pobre suporte e delinquência entre progenitores e filhos do mesmo género, o que sugere que os pais podem ter ainda mais influência na delinquência dos seus filhos do que as mães, o que suporta o ponto de vista de que é importante trabalhar com os pais quando se trabalha a delinquência nos rapazes.

Concomitantemente, Maughan e Moore (2010), utilizando uma amostra elaborada a partir do Cambridge Study in Delinquent Development, obtiveram

resultados que atestam a associação significativa entre a supervisão parental, a negligência e a delinquência. Prinzie, Stams e Hoeve (2008) salientam que práticas parentais disfuncionais estão relacionadas com níveis iniciais de delinquência, mas não com a sua persistência. Ademais, a falta de supervisão, o excesso de proteção, relações familiares pobres, rejeição e inconsistência na disciplina está fortemente relacionada com os comportamentos disruptivos e delinquentes da criança quando comparado com variáveis estruturais como famílias monoparentais, mães trabalhadoras e famílias alargadas. Os autores salientam ainda que, contudo, o efeito das práticas parentais nos comportamentos disruptivos das crianças está parcialmente dependente das características de personalidade da criança.

Mulder, Brand, Bullen e van Marle (2010c) analisaram 70 fatores de risco numa amostra de 728 jovens delinquentes de modo a encontrar os fatores de risco que desempenham um papel importante na delinquência juvenil que se apresenta sob as formas mais graves. Os resultados evidenciam que, no que concerne à família e ao ambiente familiar, a violência doméstica, o abuso físico e a negligência eram frequentemente relatados. Os pais não possuíam boas competências parentais e nem sempre estavam presentes. Apesar de referido com menor frequência, o abuso sexual também estava entre os fatores de risco encontrados.

O tamanho da família, em particular a dimensão da fratria representa um factor de risco para o comportamento antissocial. Como refere Farrington (2000) famílias com muitas crianças estão associadas não só a pobreza, mas também a uma menor capacidade para dedicar atenção a cada uma das crianças, o que permite que frequentemente fiquem sem supervisão e sejam entregues à sua sorte.

De um modo geral, os jovens provenientes de ambientes familiares disfuncionais, debilitados e em desvantagem apresentam riscos mais elevados em vários âmbitos, desde problemas de saúde mental, comportamentos suicidas, abuso de substâncias, fracasso escolar e criminalidade (Fergusson & Horwood, 2003). Posto isto, o alto risco com que estes jovens são classificados não se deve à exposição a um factor de risco específico, mas sim à exposição a múltiplos riscos familiares ao longo da vida (Fergusson & Horwood, 2003).

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50 1.1.1. Delinquência entre gerações

Com base nos resultados do Cambridge Study in Delinquent Development, Farrignton (2004a) afirmava que pais antissociais tendem a ter filhos antissociais, mas de que modo isto se processa?

Patterson, DeBaryshe e Ramsey (1993) postulam que as práticas disciplinares dos pais podem funcionar como um importante mecanismo mediador na transmissão do comportamento antissocial entre gerações, na medida em que pais antissociais estão em risco significativo de práticas disciplinares ineficazes e estas, por sua vez, estão relacionadas com o risco de ter um filho antissocial. A violência entre os progenitores, associada frequentemente aos casais jovens onde existe história prévia de problemas de comportamento, parece ser um factor de risco central na transmissão social do comportamento antissocial. Testemunhar agressões parentais e ser vítima de maus na infância prediz problemas de comportamento que, posteriormente, predizem a agressão com um futuro companheiro, evidente nos primeiros anos de namoro na adolescência (Moffitt & Caspi, 2004).

Farrington (2010) sustenta que um dos principais fatores de risco para o início precoce da delinquência antes dos 20 anos reside na criminalidade dos progenitores e na delinquência dos irmãos. Segundo Murray e Farrington (2005), o comportamento delinquente dos pais e dos irmãos é tido como modelo de exemplo a seguir pela criança, a partir do qual esta modela o seu próprio comportamento ficando, por isso mesmo, mais propensa a exibir comportamentos delinquentes posteriores. Ademais, como sugerem os autores, as crianças cujos pais estão presos têm maior probabilidade de virem também elas a ser presas, quando comparadas com os seus pares.

Na amostra utilizada no Cambridge Study in Delinquent Development, cerca de metade dos rapazes que aos 10 anos tinha o pai preso, evidenciou comportamento antissocial aos 18 anos (Farrington, 2000). Á partida, a observação e aprendizagem de modelos de comportamento particulares dos pais e a sua representação no futuro estão de acordo com a teoria da aprendizagem social de Bandura que, segundo alguns autores, explica também o porquê de práticas parentais ineficazes resultarem em delinquência. (Gerard, Krishnakumar, & Buehler, 2006; Jeong & Eamon, 2009).

Investigações que recorreram a medidas de delinquência auto-relatada revelaram a existência de uma correlação no que concerne ao comportamento delinquente durante

a adolescência, entre pares de irmãos do mesmo género (Slomkowski, Rende, Conger, Simons, & Conger, 2001).

Como foi intensivamente estudado no Cambridge Study in Delinquent

Development, verifica-se uma transmissão inter-geracional da criminalidade: 63% dos

rapazes que tinham pais condenados, foram também condenados assim como 61% dos rapazes com mães condenadas (Farrington, 2004a).

Farrington, Coid e Murray (2009) investigaram, com base nos dados do estudo de Farrington, a transmissão inter-geracional da delinquência em três gerações.

Os resultados indicam que não se trata de uma influência comportamental direta entre pais criminosos e filhos criminosos, na medida em que não existem evidências de que os pais encorajam diretamente os filhos a cometer atos delinquentes e criminosos. Ademais, o grau de transmissão decresceu depois de controlados fatores socioeconómicos, individuais e familiares de risco, como as práticas parentais e o conflito familiar, o que sugere que estes podem ser elos na cadeia de transmissão da criminalidade em pais e filhos, como sugerido por Patterson, DeBaryshe e Ramsey (1993). Os autores atestam ainda que ter o pai condenado prediz a atividade criminal em adulto, independentemente das condenações que este venha a ter, mesmo não existindo nenhum outro membro da família condenado; uma mãe condenada, por seu turno, associada a disciplina errática, dura ou negligente, predizia a condenação do filho adulto, como evidenciado em 54% dos indivíduos estudados.

Aaron e Dallaire (2010) destacam os elevados níveis de stresse colocados na família aquando da prisão de um dos progenitores: face à ausência de um dos progenitores, é necessária uma reorganização de dinâmicas familiares que exige que o outro progenitor passe, por exemplo, mais tempo fora de casa a trabalhar, deixando as crianças sem supervisão com mais frequência; quando o progenitor se encontra em liberdade e regressa a casa, as dinâmicas devem mudar novamente e os níveis de stresse podem permanecer elevados durante longos períodos de tempo.

Quando se trata de famílias de crianças diagnosticadas com problemas de comportamento, a exposição à prisão de um dos progenitores acarreta níveis de conflito ainda mais elevados e regulares que exercem influência nos comportamentos delinquentes da criança (George, Herman, & Ostrander, 2006).

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