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4 AS INDAGAÇÕES METAFÍSICAS DE MARIO QUINTANA: IRONIA, RISO E

4.2 OS TEMAS RELIGIOSOS

4.2.1 A existência de Deus

A relação de Mario Quintana com o divino é baseada na indagação da sua real existência, questão que se iniciou ainda na adolescência, como veremos a seguir. Em “Marés e vazantes” (DPMT), mostra como a condição de suspeição pode fazer parte do pensamento coletivo ao expressar que “Todo mundo tem marés e vazantes de Deus. Só as velhas carolas é que se acham comodamente refesteladas na sua fé.” (QUINTANA, 2005, p. 717-18). Na sequência do poema, reproduz um desses instantes que lhe tomaram a alma durante a fase colegial:

Mas é impossível um Ser único... Deve ter sido engendrado pelo terror dos primeiros homens. Para estes teria de haver alguém todo-poderoso que desferisse aqueles raios e falasse por meio daqueles trovões. E, por isso mesmo, o adorara, para apaziguá-lo. Principalmente porque era alguém que estava lá em cima, inatingível, no Céu. (QUINTANA, 2005, p. 717-18)

Das palavras do poeta depreende-se que o homem sempre procurou entender o incompreensível. Nessa busca de entendimento, se projeta em direção a Deus, tal como esclarece Heidegger em sua teoria. É esse comportamento anunciado pelo filósofo que nos interessa não somente porque o identificamos em Quintana, mas também porque o próprio poeta o entende e o descreve como possibilidade de interpretação dos homens em relação ao transcendente. Ora, se raios e trovões eram lançados do alto, haveria de ter explicação para essa força, esse poder que os guiasse para a Terra, o que poderia esclarecer a crença dos primeiros indivíduos e a superioridade que advém do fato de estar Deus por sobre a realidade sensível.

Essa ideia de ser Deus uma invenção motivada pela necessidade de atribuir um sentido ao desconhecido se repete em “Deuses estagiários” (CH). Neste poema, porém, além de já deixar transparecer uma intuição sobre um “Deus único e verdadeiro”, o poeta amplia a sua reflexão e apresenta uma possibilidade de justificativa para as múltiplas imagens de como Ele é visto ao longo das eras:

Essas imagens dos deuses mortos são os vestuários sucessivamente usados e despidos pelo Deus único e verdadeiro. Continua, contudo, a existir em vários deuses simultâneos, contemporizando, digamos, com a imagem que dele faz cada raça, religião ou criatura. É um só, mas a estagiar nos múltiplos patamares das civilizações e das concepções individuais. Tu, tu mesmo deves estar lembrado do teu Deus de criança, dos pedidos que lhe fazias pessoalmente. Era um Deus ao alcance da tua voz, quase ao alcance da tua mão: Ele morava logo ali por detrás das estrelas que cobriam o pátio de tua casa. Mas o teu Deus de hoje, com ele não tem choro... (QUINTANA, 2005, p. 293).

“É um só.”, mas o homem O reinventa, O atualiza, Lhe põe uma “nova veste”, segundo a sua crença e o momento histórico do qual faz parte. Sabendo que a questão sobre o conceito de Deus é complexa, Quintana envolve o leitor na sua meditação e o chama ao diálogo fazendo-o processar

as imagens da sua relação com Deus na infância, imagens do “pai do céu” ou “papai do céu”, como geralmente as crianças costumam chamá-Lo, pois assim a conversa parece mais próxima, mais íntima e mais direta. Com isso, mostra que o conceito de Deus também se modifica para o próprio indivíduo na medida em que evolui, pois o pensamento não é estático. E o título do poema “Deuses estagiários” reforça a reflexão que se estabelece, sobretudo porque estágio significa período, fase de evolução24 e, nesse sentido, o deus de cada

um, de cada sociedade, de cada raça ou religião se mostrará diferente e terá, para fazer um trocadilho com Quintana, um infinito guarda-roupas. O Eterno usará, enfim, a máscara que o homem lhe oferecer no tempo da sua existência.

Se o Ser Absoluto é único e verdadeiro para cada um e se esse conceito se altera de acordo com a evolução não apenas das sociedades, mas do próprio homem enquanto se desenvolve física e intelectualmente, então Ele será real a partir do modo como será individualizado. Seguindo esse pensamento, é significativa a maneira como Quintana particulariza cada substantivo em “Axiomas” (AHS):

Um ovo, um cacto, um chafariz, um anjo de

Túmulo, um lampião é o único que existe. E um cavalo... ah, é verdadeiro porque é único. Um poeta é o

único poeta que existe no mundo. Deus é o Deus único e verdadeiro.

(QUINTANA, 2005, p. 402)

Todos são substantivos comuns e são excepcionais para o poeta porque lhes pôde emprestar individualidade. Logo, a última frase torna-se realmente uma máxima, um axioma e corrobora a ideia expressa no poema anterior, pois o Deus do poema é o único Deus de Mario Quintana. Essa intuição de um ser superior se confirma em dois outros textos, cujas imagens refletem total grandeza. Em “Mãe” (PPI), poema carregado de emoção, quase em tom de oração, o poeta compara a figura materna com Aquele que encerra o conceito de perfeição em todos os sentidos:

Mãe! São três letras apenas

As desse nome bendito: Três letrinhas, nada mais... E nelas cabe o Infinito. E a palavra tão pequena

– confessam mesmo os ateus – É do tamanho do Céu!

E apenas menor que Deus... (QUINTANA, 2005, p. 941)

Note-se, entretanto, que por ser humana e, portanto, imperfeita, o poeta não lhe confere a mesma importância. Deus é descrito nas Escrituras Sagradas e na teoria aristotélica como a expressão máxima do amor, do bem e da pureza. Se ela é “apenas” menor que Ele, guarda para os homens aqui na Terra o máximo que se pode ter da beleza e verdade desses sentimentos. Ele é maior, mas a mãe recebe o destaque merecido por ser do tamanho do Céu, do infinito. O vocábulo, diferentemente do que acontece em outros poemas em que é usado, é grafado com maiúscula para enfatizar o lugar de grandeza e superioridade que lhe reserva.

Já no caso de “Briga em família” (VSD), a imagem divina se mostra inicialmente no sonho e produz breves, porém profundas reflexões. A primeira, acerca do tempo:

Ontem – no outro lado da realidade –

Sonhei que Jesus estava discutindo violentamente com o Menino Jesus.

Não ouvi nada porque o mundo do sonho é silencioso. (afinal é justo que haja outro mundo melhor do que este)

Não digo apenas que só Deus deve saber... Ele criou todas as coisas

Mas felizmente não sabe o que as coisas poderão fazer... Tu podes negá-lo, dizer o diabo contra Ele e Ele te escutará! E sorri infinitamente... (QUINTANA, 2005, p. 894)

Nessa imagem onírica, através do encontro das duas idades de Jesus, Quintana confronta e relativiza o tempo que se une, confunde e desaparece no mesmo instante25. A segunda reflexão decorre do fato de não poder escutar a

25

Essa coexistência temporal perpassa com frequência os textos de Mario Quintana. Em “O Menino Jesus e os outros meninos” (CH), por exemplo, ele reúne várias imagens para demonstrar a relatividade do tempo: “- Se a infância ajudou o poeta? Sim, o menino faz parte do adulto. Já a misteriosa sabedoria do povo, por exemplo, nunca achou nenhum absurdo na devoção simultânea a Jesus Cristo e ao Menino Jesus. Deve ser por isso mesmo que escrevi, num poema de 1945: ‘Jesus Cristo encontrou o Menino Jesus’. E, 20 anos mais tarde, me aconteceu esse verso: ‘vem Jesus Cristo com o Menino Jesus no colo’. Impossível maior coexistência. E nesse extraordinário poema autobiográfico que é o ‘8 ½’ de Fellini, o menino e

discussão. Dessa forma, valoriza a beleza do silêncio que julga ser o melhor da “outra realidade”. Mas é curioso como o artista brinca com as qualidades de onisciência e onipresença já outorgadas a Deus pelos textos sagrados e pelas religiões. Embora Quintana não consiga escutar, Ele “deve saber”. Se é poderoso porque criou todas as coisas, se é onipresente porque escuta os homens, não tem, neste texto, o poder da onisciência porque, apesar de as ter criado, “felizmente não sabe o que as coisas poderão fazer”. Deus “deve saber” que Cristo brigou violentamente com Cristo, mas o verbo “deve” não encerra nenhuma certeza.

Para além disso, o poeta afirma que Ele não controla as ações dos homens sugerindo que eles mesmos têm pleno poder sobre elas. O último verso dá um tom enigmático e, talvez, até debochado ao sorriso divino, pois a Sua onipresença pode causar interpretações distintas: para uns, deverá sugerir o seu infinito perdão e bondade; para outros, a ironia de negá-Lo enquanto se está sendo observado, já que a sentença “Ele te escutará!” seguida da imagem do sorriso infinito parece um pouco ameaçadora.

Mas, se compararmos esse poema com “Os males da perfeição” (PG), somos inclinados a optar pela segunda opção: “Corre entre os anjos um boato que aqui transcrevo por conta deles. Deus, cansado de ser infinitamente bom, resolve às vezes trocar de lugar com o Diabo. E, nessas épocas de interinidade, sempre sai ganhando longe do outro.” (QUINTANA, 2005, p. 793). O poeta se vale outra vez de ironia e de um certo humor negro para desfazer a imagem de um ser eternamente bondoso. Ao trocá-Lo de lugar com o Diabo, traça um retrato sarcástico do todo-poderoso sugerindo ser cansativo manter a firmeza no bem, afinal, nem mesmo Ele aguentaria. Como muitos não conseguiriam imaginar o Magnânimo Senhor em momentos de interinidade num local como o inferno destinado à maldade, aos castigos, à tristeza e a outros tantos sentimentos vis, Quintana prefere não assumir a responsabilidade da história e deixar “o boato por conta dos anjos”.

Se nos dois poemas anteriores a dúvida se mostra em relação ao comportamento e aos poderes de Deus, nos próximos ela se torna explícita,

o adulto confundem-se. Porque, no fim de contas, a cronologia deve ser um truque do calendário para efeitos de computação histórica. Temos todas as idades ao mesmo tempo.” (QUINTANA, 2005, p. 357).

mas a suspeita agora é sobre a possibilidade da existência divina. Em “Dos pontos de vista” (EM), a começar pelo título, o poeta apresenta uma mesma situação em que os insetos envolvidos se encontram em posições distintas para demonstrar que acreditar nEle depende mesmo de ponto de vista:

A mosca a debater-se: “Não! Deus não existe! Somente o Acaso rege a terrena existência.” A Aranha: Glória a Ti, Divina Providência, Que à minha humilde teia essa mosca atraíste!” (QUINTANA, 2005, p. 222)

A ironia do acontecimento reside justamente na relativização da crença e da fé. No momento do iminente perigo, a mosca nega Deus relegando ao acaso a existência humana; enquanto a aranha agradecida louva-O e responsabiliza-O por lhe ter concedido a graça do bendito alimento. Para reforçar essa relatividade do pensamento, o poeta brinca em “Neutralidade” (DPMT), usando, nestes versos, outra condição, a de Deus em relação aos homens: “Só Deus é imparcial – quando, como por exemplo, abençoa as bandeiras dos dois exércitos contrários.” (QUINTANA, 2005, p. 658). Se em um evento desses todos desejam a vitória, se o destino de muitos é a morte e se os guerreiros dos dois lados são seus filhos, como poderia Ele escolher um lado? Só mesmo isentando-se. Nesse caso, a ironia se configura tanto no embaraço divino diante da decisão sobre o destino da própria criação, como na sugestão da imagem de estarem os dos exércitos possivelmente contando com a mesma bênção.

O sentimento de angústia diante da dúvida é reforçado em “Simultaneidade” (CI), pelo emprego das antíteses:

– Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!

– Você é louco? – Não, sou poeta.

(QUINTANA, 2005, p. 535)

Estes versos expressam claramente a inquietação de Quintana. Por não ser louco e sim poeta, confere a si mesmo o direito de ser tomado por pensamentos contraditórios, os quais denotam o seu fervilhar interior. Se não existem meios para se desfazer da tensão do problema existencial, busca

outras explicações que provocam uma vez mais o riso do leitor. Em “Das inclinações e do estômago” (EM), atribui ao corpo físico a decisão de escolhermos entre Deus e o Diabo, relativizando a fé de forma debochada:

Se do lado de Deus ou do Diabo te pões, Isto são coisas intestinas...

No sábado de noite: álcool e bailarinas... Domingo de manhã: limonada e sermões... (QUINTANA, 2005, p. 228)

Numa analogia ao poema “Dos pontos de vista”, o homem tanto pode se comportar como a aranha agradecendo a Deus pelos momentos de felicidade no sábado, quanto como a mosca no dia seguinte, quando o corpo reclamar os excessos cometidos na noite anterior. Mais uma vez Quintana enfatiza – brincando – que acreditar em um ou em outro depende de um posicionamento pessoal, de uma escolha. E mesmo diante de possíveis evidências sobre a vida após a morte do corpo físico, ele continua a questionar-se em “Perversidade” (VH) ampliando a reflexão sobre a possibilidade de realmente haver um ser superior:

Alguém me disse, com a voz embargada, que, agora sim, estava convencido da existência de Deus, porque os trabalhos psicografados de Humberto de Campos eram evidentemente dele mesmo.

- Mas isto não prova a existência de Deus... Prova apenas a existência de Humberto de Campos. (QUINTANA, 2005, p. 523)

Neste poema, o poeta gaúcho refere indiretamente as obras do espírito Humberto de Campos psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier e publicadas pela Federação Espírita Brasileira (FEB)26. Esse caso ganhou ampla divulgação da mídia por conta da polêmica que se criou, em 1944, quando a viúva do escritor maranhense, senhora Catarina Vergolino de Campos e seus três filhos Lourdes, Henrique e Humberto, ingressaram com uma ação judicial na 8ª Vara Cível, no Rio de Janeiro, contra a FEB e o médium em questão, a fim de reclamar os direitos autorais dos quais eram

26 Uma das obras mais conhecidas do espírito de Campos é Brasil, Coração do Mundo, Pátria

do Evangelho, publicada pela primeira vez em 1938. (XAVIER, Francisco Cândido. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Pelo Espírito Humberto de Campos. 18. ed. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, [s/n].). Chico Xavier teria recebido, ainda, outros trabalhos desse autor, tais como: Crônicas de além-túmulo (1937), Novas mensagens (1940), Boa nova (1941) e Reportagens de além-túmulo (1943).

titulares. Como o caso ganhou repercussão nacional, o presidente da FEB, senhor A. Wantuil de Freitas, decidiu publicar a contestação da defesa na obra

A psicografia ante aos tribunais no seu tríplice aspecto: jurídico, científico,

literário, assinada pelo advogado Miguel Timponi (1999), com o intuito de que todos tivessem acesso a ela, sob a justificativa de que, além de homenagear Humberto de Campos pela literatura em prol da espiritualidade, atenderia aos pedidos de cópia do processo que teria recebido tanto de brasileiros quanto de estrangeiros.

Na ação declaratória inicial, a família de Campos solicitava que o juiz responsável pelo caso, Dr. João Frederico Mourão, declarasse, por sentença, se a produção literária era ou não do escritor maranhense. Se não fosse, os exemplares deveriam ser apreendidos, estaria a FEB proibida de usar o nome do autor em qualquer publicação e ficaria responsável pelo pagamento de perdas e danos. Mas, se o juiz decidisse pelo contrário, se ficasse provado que as obras eram mesmo do espírito Humberto de Campos, deveria o magistrado declarar a quem pertenceriam os direitos autorais de tais produções. Além disso, caberia a ele resolver se a FEB poderia sofrer sanções por ter efetuado publicações sem a permissão da família.

Antes de tudo, porém, seria preciso reconhecer a sobrevivência do espírito Humberto de Campos para então atender ao pedido dos reclamantes. No entanto, se assim agisse, o juiz decretaria oficialmente um princípio religioso. O problema é que essa tese de haver independência da alma ou do espírito após a morte ainda divide tanto as religiões quanto as correntes científicas e filosóficas pelo princípio metafísico que encerra. Esse era, pois, um dos motivos pelos quais seria impossível ao Poder Judiciário chegar a uma conclusão sobre a matéria, até porque se as dúvidas sobre o assunto persistem até hoje, não havia na Terra (e ainda não há!) legislação competente para dar conta dos assuntos transcendentais. Sendo assim, o magistrado baseou-se essencialmente no artigo 10 do Código Civil, segundo o qual os direitos da pessoa natural estão extintos com a sua morte e, do mesmo modo, não se poderia recorrer à Justiça para os adquirir. Com esses argumentos, o Dr. João Mourão decidiu que depois da morte de Humberto de Campos a família não teria direito algum sobre a literatura de além-túmulo, conforme consta no despacho saneador por ele redigido:

Nossa legislação protege a propriedade intelectual, em favor dos herdeiros, até certo limite de tempo, após a morte, mas, o que considera para esse fim, como propriedade intelectual, são as obras produzidas pelo <<de cujus>> em vida. O direito a estas é que se transmite aos herdeiros. Não pode, portanto, a suplicante pretender direitos autorais sobre supostas produções literárias atribuídas <<ao espírito>> do autor. (TIMPONI, 1999, p. 209)

Julgou, enfim, improcedente a ação interposta pela família por não poder decidir sobre as questões do terreno metafísico. Voltemos ao poema que suscitou o esclarecimento e contextualização dos fatos. Evidentemente, não podemos dizer que tenha Mario Quintana lido a contestação da defesa da Federação Espírita Brasileira, mas, como disse Miguel Timponi em sua obra, o defensor da família conhecia bem o rumo que o caso teria e teve, portanto, mérito em provocar uma das maiores discussões públicas sobre a matéria, envolvendo não apenas os tribunais jurídicos, como o tribunal da opinião pública.

Nessa época, o poeta contava 38 anos de idade, já tinha obras e traduções publicadas e mantinha contato com intelectuais da sua geração (Augusto Meyer, Theodomiro Tostes, Athos Damasceno Ferreira, Moysés Vellinho, Sótero Cosme e Erico Verissimo). O caso era bastante comentado e a população, atenta à pendenga judicial, se dividia entre a opinião dos céticos e a dos crentes. Os primeiros concordavam, de certa forma, com a ação movida pela família e buscavam acusar Chico Xavier de plágio, duvidando da sobrevivência do espírito após a morte do corpo físico; os últimos, acreditavam em argumentos como a crença religiosa, o fato da pouca escolaridade do médium para ter tão bem escrito a vasta produção literária, e a opinião dos especialistas, que reconheciam nesses trabalhos posteriores à morte de Humberto de Campos o seu estilo de escrita em vida.

Assim, quando menciona o nome do escritor, Mario Quintana traz à tona, nas poucas linhas, toda essa polêmica para intensificar a discussão na busca pelo conhecimento desse ser que está para além do plano sensível. Ao sugerir que admite a sobrevivência do escritor no além pela possível comprovação do seu estilo, reflete “– Mas isso não prova a existência de Deus... Prova apenas a existência de Humberto de Campos.”. Se lêssemos esse poema isolado dos

demais, especialmente pela ironia de não termos como comprovar a existência de Deus, poderíamos concluir que o poeta é agnóstico e, portanto, O nega. Porém, se considerarmos a linha de pensamento de Quintana neste e nos demais textos, notaremos que ele está à procura de respostas, de entendimento, busca interminável que não é de forma alguma finalizada, haja vista o emprego das reticências na reflexão a demonstrar um raciocínio contínuo, não conclusivo. O assunto iniciado neste poema constante de A

vaca e o hipogrifo (1977) continua dez anos depois em “Diálogo”, publicado na obra Da preguiça como método de trabalho (1987):

– Sabes? Senti-me abaladíssimo com certos testemunhos irrefutáveis da sobrevivência.

– De fato, ao que parece, eles... – Sim, sim... Deus existe!

– Mas a imortalidade da alma não prova a existência de Deus... (QUINTANA, 2005, p. 712)

O tempo de publicação deste poema em relação ao anterior enfatiza a impossibilidade de usar um ponto final nessas meditações transcendentes. Ao trazer novamente a indagação acerca da sobrevivência da alma e da existência de Deus, o poeta volta a utilizar o mesmo recurso de pontuação para reforçar que não há como chegar a uma resposta definitiva. A inquietação de Quintana ganha força em “A divina caçada” (VH), pois o título do poema denuncia a sua angústia ante ao incompreensível: “Pois Deus não será a procura de Deus? Aquilo mesmo que, dentro de nós, o procura? Tanto assim que o próprio ‘herege’ Renan, perguntando-lhe alguém se Deus existia, respondeu simplesmente: - Ainda não.” (QUINTANA, 2005, p. 522).

Sem poder confirmar ou negar Deus com certeza, o escritor projeta-se nessa perseguição, nessa “caçada” individual pelo saber. A afirmação “– Ainda não.” além de validar a reflexão do poeta, ironiza as certezas do herege, pois não deveria caber dúvidas na sua resposta. As palavras do “descrente” sublinham a curiosidade sobre a divindade já antecipada nos últimos dois poemas. A ansiedade resultante desses enigmas apresentados nos textos

poéticos é confirmada por Quintana também em “O que Patrícia queria saber”27

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