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A Expansão da Soja na Amazônia: a Repetição do Modelo da Pecuária?

No documento A geopolítica da soja na Amazônia. (páginas 90-95)

Alfredo Kingo Oyama Homma

Introdução

N

o dia 7 de dezembro de 2003, o programa Globo Rural apresen tou o depoimento de produtores que iniciaram o plantio da soja em Sorriso, MT, em 1988 e, a comparação 15 anos depois. Os benefícios econômicos e sociais são evidentes tanto a nível individual como para as regiões produto ras. Naquele Estado, foram produzidos 15 milhões de toneladas de soja, em 2004 e acima de 21 milhões de toneladas, em 2005, primeira produtora nacional desde 2000, com previsão de 45 milhões de toneladas em 2013. Os produtores, também, afi rmaram que os custos ambientais foram bastan te grandes com o desmatamento das reservas de matas e das margens de cursos de água e, a continuação do processo. No íntimo estão preocupados com essa marcha de destruição da Natureza. O programa Globo Rural sintetizou, portanto, a preocupação da sociedade com a destruição da Natureza com o avanço da soja nas áreas de cerrados e da ocupação das áreas de pastagens degradadas de fl oresta den sa. Quais as conseqüências dessa expansão e se não estaria repetindo o modelo da pecuária que culminou com o des- matamento desenfreado da Amazônia?

A abundância de terra e com preços reduzidos, a possibilidade de mecanização e de escoamento pelos portos de Itacoatiara, Santa- rém e Vila do Conde, governos estaduais interessados nessa expan-

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são, entre os princi pais, não estariam sinalizando a criação de novo ciclo de destruição da Amazônia? Entre as possíveis conseqüências estaria um cenário de expul são dos pequenos produtores e dos pecuaristas, levando ao avanço da fron teira agrícola, construção de obras com danos irreversíveis para a natureza, indução de novos ciclos migratórios e a incapacidade do cumprimento da legislação. O (des)cumprimento dos agentes produtivos com a legislação am- biental, sempre encontrando meios de burlar a desmoralização do con ceito da utilização das áreas desmatadas, a falta de tecnologia agrícola, a fraqueza das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente in- capazes de ir con tra as diretrizes dos governos estaduais, a lógica do fato consumado, entre outros, constituem fortes argumentos para a desconfi ança do avanço da soja na Amazônia.

A experiência da expansão pecuária na Amazônia, impulsionada a partir da década de 1950, ocupou o vale do Rio Araguaia, como tam- bém ao longo da Rodovia Belém-Brasília aberta em 1960, foi ace- lerada com a cria ção dos incentivos fi scais em 1966 e das rodovias abertas a partir da década de 1970, provocaram grandes impactos ambientais, assim se constituindo na razão desse temor. Não é para menos, uma vez que na Amazônia Legal já se produz mais de 1/3 da soja produzida no País e tudo indica uma tendência de crescimen- to para novas fronteiras representadas pelos Estados de Rondônia, Pará, Amazonas, Roraima e com possível inclusão do Acre e Amapá. A análise dessa questão envolve dois aspectos: uma, a de conside rar a antiga Região Norte como nova área produtora de soja e outra, a de colocar a região como via de escoamento da soja produzida no Centro-Oeste. Ambas as opções apresentam riscos ambientais e benefícios econô micos que precisam ser avaliados, para que daqui a 10 ou 20 anos, a socie dade brasileira não critique esta decisão.

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A expansão da cultura da soja apresenta, também, grandes vanta- gens para a Amazônia, tais como a de incorporar nova atividade econômi ca, aproveitamento de áreas desmatadas de fl oresta densa, permitir a inten sifi cação de atividades agrícolas pela redução nos preços de calcário, ferti lizantes, maquinaria agrícola e combustíveis, evitando a incorporação de novas áreas, entre outros. Outro aspec- to está relacionado com o aumento da produção de arroz, milho e feijão, que acompanha a soja no processo de rotação, expansão da criação de suínos e aves, geração de divisas em curto prazo, baixo custo de transporte até aos mercados externos, abertura de no- vos mercados, entre os principais. O Brasil é o maior exportador mundi al e a produção americana apresenta limite de sua capacidade de expansão para no máximo de 10% a 15%, cabendo, portanto, a oportunidade futura para o Brasil (Tabela 1).

Tabela 1. Produção, exportação e importação de soja no mundo – 2003

(milhão t).

País Produção Exportação Importação

Estados Unidos 74,29 28,03 Brasil 52,50 20,93 Argentina 35,50 9,30 China 16,51 - 18,20 Índia 4,00 Paraguai 3,90 2,80 Outros 9,12 1,64 Total 195,82 65,70 União Européia 17,40 Japão 5,15 México 4,85 Taiwan 2,20 Total 62,08 Livro-SOJA.indb 91 Livro-SOJA.indb 91 3/5/2010 08:46:403/5/2010 08:46:40

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Grandes são, contudo, as desvantagens que a comunidade acadêmica e os ambientalistas começam chamar a atenção. Entre os principais, poderiam ser destacados: por ser uma cultura intensiva e extensiva ao mesmo tempo; incorpora ção das áreas de cerrados e campos naturais, que até o momento estavam pratica mente intactos; pouca geração de emprego; grande parte destinada à exportação; sujeita a riscos de erosão e de aparecimento de novas pragas e doenças; expulsão de pequenas, médias e grandes propriedades para nova fronteira; utilização de agrotóxicos; limitações quanto a áreas planas; entre outros.

Apesar de não ser possível separar as duas alternativas, a opção de considerar a Amazônia como caminho para a exportação de soja, implica também em pesados riscos ambientais. Como os problemas não são inde pendentes, essa opção apresenta também impactos am- bientais e benefícios econômicos.

Entre os impactos ambientais que as hidrovias, as ferrovias e as ro- dovias, que serão envolvidas no processo de transporte de soja até aos portos de embarque, como Itacoatiara, Santarém, Itaqui, Vila de Conde e, outras a serem criadas, dizem respeito ao processo de ocupação desordenada ao longo desses eixos com grandes impac- tos imprevisíveis, enquanto os benefícios à criação de vias de esco- amento com custos competitivos, opor tunidades de novos merca- dos e de alternativas econômicas. É interessante mencionar que a justifi cativa econômica para a construção desses eixos foi baseada, principalmente na carga de soja a ser transportada.

Esses aspectos ensejam a necessidade de delimitar rumos para tra- tar desse novo fator emergente na Amazônia. A expansão da cultura da soja não deveria ser feita como uma opção isolada, mas envol- vendo amplo pro grama de compensação ecológica, zoneamento das áreas desmatadas pas síveis de expansão, bloqueio das áreas de cer-

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rados e de campos naturais, e da busca de novas alternativas eco- nômicas. Por compensação ecológica, compreenderia o elenco de medidas visando o refl orestamento com madei ras nobres, celulose, carvão vegetal, recuperação natural de áreas que não deveriam ter sido desmatadas, plantio de espécies perenes (dendê, fruticul tura, seringueira, cacau etc.), proteção ao longo das hidrovias etc.

Há necessidade de colocar a agricultura familiar como elemento ativo no processo de desenvolvimento com a sua intensifi cação e a produ ção de alimentos para consumo local, contrabalançando um produto desti nado basicamente à exportação. A recuperação de pastagens, mudando o procedimento atual do uso de fogo para limpeza de pastos mediante a sua intensifi cação e do aumento da produtividade e da sanidade do rebanho constituem objetivos a serem perseguidos. A incorporação das áreas de cer rados e cam- pos naturais, e de áreas desmatadas de fl oresta densa, via ex pulsão de pequenos produtores e de pecuaristas, para produção de soja de veriam ser evitados. Numa dimensão macrorregional, a intensi- fi cação da cultura da soja nas tradicionais áreas produtoras (Mato Grosso, Mato Gros so do Sul, Goiás, Tocantins e Maranhão) deve ser considerada, evitando a incorporação de novas fronteiras. A necessi- dade de geração de tecnologia para apoiar essa expansão e de novas alternativas, podem também consti tuir em grande limitação e como elemento de risco.

No que concerne aos caminhos para o escoamento de soja, esta de- veria ser feita de maneira mais humanizada. O possível aumento no cus to de construção das hidrovias mais adequadas não deveria ser justifi cativa para trazer danos irreversíveis, sob pena de julgamento futuro, de um pro duto sujeito a mudanças espaciais e de fl utuações de mercado. No caso de obras irreversíveis, como a construção de hidrovias, a opção ferroviária, revela ser mais apropriada, apesar das críticas da classe política e empresa rial paraense.

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No entanto, as tendências futuras tendem a colocar a produção de óleo de dendê superando a produção de óleo de soja já em 2012. Trata-se de uma atividade em que as vantagens ambientais são positivas, servindo in clusive para a recuperação de áreas degrada- das, desde que as condições climáticas sejam apropriadas. Em outra dimensão, o aparecimento de no vos mercados e atividades emer- gentes, como a produção madeireira, turis mo, serviços ambientais como o seqüestro de CO2, entre outros, exigem, portanto, que a ex- pansão da cultura da soja na Amazônia seja feita com grande cautela, para não perder as opções de longo prazo e de repetir os erros da expansão da pecuária, apesar dos grandes benefícios obtidos. A análise da expansão da soja na Amazônia deve envolver, por tanto, quanto às (des)vantagens econômicas, ecológicas e estratégicas. Cada um desses itens apresenta características específi cas que ten- dem a explicar o processo de expansão dessa cultura em direção a

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