• Nenhum resultado encontrado

A expansão na França das Maisons Familiales Rurales.

Capítulo 3. Maisons Familiales Rurales: pontuando sua origem e expansão.

3.2 A expansão na França das Maisons Familiales Rurales.

A receptividade dessa modalidade, o seu sucesso com alunos do sexo masculino, o interesse dos pais e dos atores institucionais promoveram a sanção da Lei de Ensino Agrícola da França, de l7 de junho de 1938 , tornando o método das Maisons Familiales Rurales obrigatório para os jovens do campo. Estevam (2003) destaca que é só em 1940 que foi criada a escola feminina, com duração de cerca de seis meses apenas.

Apesar dessa breve tentativa para a formação das mulheres, as experiências pioneiras constituíram a matriz para o movimento de extensão em outras regiões francesas, pela SCIR. Esta Secretaria tornou-se o órgão difusor dessa modalidade de ensino, por meio de instrumentos de comunicação, de relações e contatos políticos, religiosos, empresariais e pela sua condição organizacional (CHARTIER, 1986 apud SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). Já em 1941, os registros documentais das MFRs apontam o funcionamento de 16 Maisons; em 1942, são 17, nos campos da França, com cerca de mais de 500 jovens alunos voltados para uma formação de agricultores, em plena 2ª Guerra Mundial. O processo de expansão, no período 1941-45, foi norteador para a criação da União Nacional das Maisons Familiales Rurales (UNMFRs), em setembro de 1942. Visava-se com a constituição de uma coordenação centralizada efetivar os trabalhos de coordenação da gestão partilhada, em um cenário de diversidade e apontando distanciamento dos princípios adotados. O Conselho das Associações das MFRs constituía-se de cerca de 30 membros, o qual passa a se embasar na Lei l901/1941, que diz respeito aos estatutos das Associações. Esta lei, segundo Estevam (2003) e SILVA, L.H. (2003) passa a ser a referência legal para as referidas Maisons. Tal fato confere tê-la como instrumento para afastar a inserção/atrelamento político deste Movimento, mediante a ameaça de unificação dos sindicatos no interior da corporação dos camponeses. Conforme registra Estevam (2003), a orientação foi acertada para os fins de preservação da autonomia das MFRs, em nivel institucional.

Estevam (2003) destaca a vigorosa expansão, tendo um resultado quantitativo de 35 novas experiências em 1943; em 1944, eram 60. Silva, L.H. (2003) registra que em 1945 o

quadro de unidades de Maisons era de 80. Apesar da situação de dificuldades, em função, principalmente, da ocupação alemã no território francês, este modelo educativo teve expressiva expansão, mas, com essa conjuntura emergiram as diferenças de pensamento e de organização dos princípios iniciais, expressando-se em torno de duas correntes: uma que analisava o modelo com tendências para a laicidade; outra, com afinidades religiosas.

O período posterior à 2ª Guerra corresponde a uma reestruturação das MFRs. Assim, é constituída assembléia para assegurar alterações justificadas sob o objetivo de buscar uma unidade central e sob os princípios consagrados na experiência inicial, compreendendo-se, entre esta unidade, a responsabilidade da associação de pais em todas as dimensões das CFRs, dando autonomia aos pais para a escolha do ensino religioso, geralmente, católico ou evangélico. Este princípio traz restrições à gestão pedagógica e administrativa, pois, parte da decisão legal de que a autoridade religiosa não poderia mais ser o diretor da escola, assim como não poderia mais habitá-la (SILVA, L.H. 2003).

A busca pela centralização, reordenação e uma identidade de referência das MFRs teve em seus elaboradores a decisão de desconvidar – que significa desligar -, as experiências que não se ajustassem ao novo quadro organizacional nacional do Movimento Maisons. O ato decisório dos membros dirigentes da assembléia compreende um movimento conjuntural de afirmação identitária aos princípios de formação MFR, denominado por Chartier (1986) apud SILVA, L.H. (2003) de desconfessionalização do movimento popular das famílias, como também o de afastamento tanto da Igreja, como do Estado, o que não significa ruptura, mas compreende-se como contraposição às ingerências diretas, culminando com a saída do padre Grenneareau.

A trajetória de expansão das MFRs foi constituída, simultaneamente, com a organização orientada pelos princípios institucionais, visando realizar uma rede em que as famílias assumissem a responsabilidade e tivessem uma relativa autonomia para poder realizar a formação em alternância, sob a coordenação da União Nacional. O funcionamento desta União, como coordenadora de diferentes experiências, só seria possível em função da afinidade entre cada Maison. Isto, compreende-se, segundo Chartier (1986) apud Silva, L.H.(2003, p. 52), que

[...] essa vida associativa intensa e a alternância possibilitaram vencer as dificuldades mais difíceis, constituindo-se nos elementos dinamizadores do movimento. O tipo de ‘escola’ criada desta forma despertou bastante a atenção; todavia, sua originalidade sempre esteve situada em oposição ao

esquema tradicional de formação da juventude. Assim, as pressões sempre foram feitas para alinhar com a maioria [...] Uma instituição nasceu.

As afirmações de Chartier (1986) apud Silva, L.H. (2003) evidenciam o estado de incerteza, de desafios, de receios de uma experiência diferente, perante um universo de tradição escolar, assentado no modelo de tradição escolar. Neste sentido, de construção e ajustes para a constituição do modelo pedagógico de alternância nas escolas do campo, Silva, L.H. (2003) destaca que esta pedagogia não nasceu pronta, foi sendo construída nas dimensões do processo histórico-social.

Esta autora evidencia que o objetivo principal da formação realizada pelas Maisons era de atender às demandas das unidades familiares, visando preparar o aluno para a vida profissional de agricultor, em inter-relação com a abordagem técnica e geral, possibilitando ser este um difusor das transformações desejadas para o campo.

Chartier (1986) apud Silva, L.H. (2003) assinala a contradição entre os objetivos do projeto das Maisons e a prática de formação, uma vez que os monitores efetivavam o Tempo Escola ainda embasados nas referências da escola tradicional, com predominação da postura, do método e conteúdo repassado, da centralização do saber em torno deste e não no saber do aluno, apesar de buscar este saber. Ressalta que, embora houvesse esforço, os monitores não compreendiam que os resultados positivos emergiam porque os temas versavam sobre a realidade do campo, sobre interesse dos pais e dos alunos.

A continuidade do processo educativo trouxe um avanço democrático na postura dos monitores, à medida que o movimento relacional dos alunos entre as Maisons e as Unidades familiares intensificou a relação social entre pais, alunos e esses professores, passando não só a ser mais freqüente, como possibilitou à consecução de abordagens questionadoras e expressivas quanto à solicitação e realização de atividades teóricas/práticas, de maneira vertical (SILVA, L.H. 2003).

Silva, Lourdes Helena (2003) afirma que os jovens alunos passaram a questionar as orientações distantes de sua realidade e convergindo para a participação dos pais e a reorientação das técnicas, de forma adaptativa às necessidades das unidades produtivas. Este fato implica a gradativa compreensão de muitos monitores, em relação à necessidade de considerar tanto os jovens como os saberes desses, correspondendo também à reorientação da própria formação das Maisons.

O ano de 1943 marca a primeira referência documental em torno de um projeto da Pedagogia da Alternância do Campo da UNMFRs, indicando os pressupostos pedagógicos e

metodológicos para uma formação integrada. A experiência nas unidades produtivas é base para a formação nas Maisons, pois transmite e cria as condições, por meio do professor, de referências que consignem refletir, sistematizar e transformar a experiência em conhecimento, para melhorá-la e coordenar experiências diversificadas, visando efetivar a inovação desse conhecimento, por meio da inter-relação do conhecimento escolar e do prático (SILVA, L.H., 2003). Assim, essa inter-relação é fruto da integração do conhecimento, possibilitando mostrar a capacidade de ação dos jovens, não visando a uma dinâmica de individualidade e de superioridade entre esses ou mesmo uma simples prova de sua capacidade, mas da compreensão e reflexão sobre o que entenderam.

Esses princípios educativos e metodológicos demonstram uma proposição favorável para uma ação norteadora, em que o professor seria o coordenador do processo educativo, embasado nas necessidades socioprodutivas, deixando de lado a prática tradicional de ensino/aprendizagem/avaliação, sendo levado a conhecer a realidade dos alunos e a auxiliá- los nos problemas técnicos.

A partir de 1945, já estavam delineados traços constitutivos da metodologia da Pedagogia de Alternância, partindo sempre da realidade do campo e visando resolver os problemas pedagógicos contemporâneos, pois esses princípios educativos necessitavam ser divulgados e efetivados de forma coerente nas Maisons Rurales. (SILVA, L.H. 2003).

O período de 1945-50 vai delinear a construção dos aportes instrumentais e das referências metodológicas do projeto político/pedagógico do Programa da Pedagogia de Alternância, contribuindo para a afirmação da alternância nessas escolas. Esses instrumentos constituíam-se nos pressupostos da corrente que defendia a alternância e não o ensino tradicional.

Considerando-se como ponto de partida a realidade social dos alunos, como instrumental de conteúdo, a inovação pedagógica foi expressiva para os novos rumos na formação escolar. Essa postura pedagógica não se constituiu num ambiente de consenso, mas sim de conflito entre posicionamentos a favor e contrários. Assim, enquanto correntes eram favoráveis à alternância, outras evidenciavam esta como um obstáculo à formação do jovem, como referência menor.

Silva, L.H. (2003) assinala o surgimento do terceiro pilar em alternância, construído pelos atores das MFRs, correspondendo ao princípio de que o conhecimento deve partir das experiências sociais dos alunos. O conhecimento prático das unidades familiares, portanto, é fonte para os estudos das Maisons

A busca pelos princípios de alternância, a partir das experiências produtivas, foi uma política decisória para a firmação não só do método ativo, mas da proposta política/pedagógica das Maisons, uma vez que por meio da construção e atualização dos instrumentos pedagógicos, realização de encontros de trabalho com os monitores fortalecia-se este Programa de Alternância, tendo como pressuposto que o aluno é o centro do processo ensino/aprendizagem, pois constitui

[...] outra revolução menos visível, mas talvez mais importante: a partir de agora, é o aluno que tem que fazer as perguntas para a família, para os professores de prática, para os amigos e seus monitores. É o inverso do tradicional onde é o professor que formula as perguntas (MFR, 2001a, p. 3- 4, apud SILVA, L.H. 2003, p. 57).

As Maisons Familiales Rurales em movimento de expansão internacional

O movimento internacional das Maisons teve início na década de 1950, por ocasião de uma viagem de representantes do governo e instituições da Itália que conheceram a experiência, dando início à expansão, sendo, então, este país marco de referência, na região de Verona, em 1959. Queiroz (2004) aponta a Feira Internacional da Tunísia, em 1954, também como uma referência em intercâmbio, que permitiu aos representantes das Maisons Familiales socializarem a experiência de formação em alternância. Os intercâmbios marcaram a abertura à expansão para as décadas posteriores, expansão que ganhou força com a primeira experiência, em 1966, na Espanha e, em 1985, em Portugal.

Estevam (2003) ressalta que, na Itália, o Programa de Alternância sofreu algumas alterações, visando à adaptação, sendo denominado de – Escola Família Rural – ou resumidamente – Escola Família -. Um dos pontos modificados foi o tempo da alternância, compreendendo 15 dias na escola, em regime de internato, e l5 dias nas unidades familiares.

Este cenário é estendido para outros continentes, como a África, com contatos, a partir de 1959, acentuando-se em 1962. Estevam (2003) e Silva, L.H. (2003) comentam que a equipe das Maisons ofereceu, para diversos países africanos, tanto técnicos como monitores para assessorarem as implantações desta modalidade de ensino. Assinala-se a presença de muitos organizadores; Estevam (2003) registra que, em 1962, foram implantadas no Congo, no Togo e Senegal. No final de 1960, as Maisons funcionavam em 7 países desse continente.

Na América Latina, o marco da experiência em alternância das Maisons Familiales é no Brasil, em 1968, no Estado do Espírito Santo, sob as referências das Maisons Italianas de Castelfranco-Vêneto. Em 1969, é estendida para a Argentina, tendo continuidade em outros países da América do Sul. Para a América Central, os contatos e intercâmbios foram feitos com os dirigentes das Maisons Francesas, em regime de colaboração com o Ministério das Affaires Estrangeiros, possibilitando a sua implantação. Em 1973, foi implantado na Nicarágua. Na América do Norte, em Quebec, no Canadá, na região de Sherbrooke em 1999 (PINEAU, 2002).

Queiroz (2004) afirma que, além das Casas Familiares Rurais, tanto na França, como em outros países existem muitos outros Centros Educativos que trabalham com a Pedagogia da Alternância. A designação da alternância escolar corresponde a três formas, quais sejam: ensino cooperativo, alternância trabalho/estudo e alternância escola/trabalho.

Na França, elas ocorrem com o ensino profissional e técnico e superior. Na Bélgica, a alternância é oferecida por meio de quatro tipos de organização: a alternância/fusão, a alternância justapositiva, a alternância/complementaridade e a alternância/articulação. Na Alemanha, a alternância é denominada de Sistema Dual, organizado no sentido de colaboração entre os atores sociais trabalhadores, o patronato e os sindicatos.

No continente asiático, o marco da primeira experiência foi nas Filipinas, com orientação e apoio das Maisons Espanholas, em 1988. A expansão teve continuidade na década de 1980, sendo implantadas no Vietnã, em 1998. Também na Nova Caledônia, com oito casas, e no Taiti, com quatro. Na Oceania foram implantadas em 1977.

Queiroz (2004) assinala que as Maisons, na atualidade, de sua pesquisa constituíam- se em um universo de 898, tendo como referência de materialidade maior a Europa e, em segundo lugar, a América Latina, com maior representatividade, o Brasil.

Na França, as Maisons são agregadas à Union Nationale des Maisons Familiale Rurale Éducation et Orientation (UNMFREO). Estevam (2003) registra que o universo é de 450, entre associações, institutos rurais e centros de adultos, contando com 50 Federações, que estão empenhadas em atividades para a formação e e para o desenvolvimento do campo.

Continente País Ano de Fundação Nº de Casas Europa França 1937 450 Nova Caledônia 1977 08 Polinésia francesa 1980 04 Itália 1961 06 Espanha 1966 65 Portugal 1985 05 Sub-total 06 538 África Tunísia 1950 00 Madagascar 1959 01 República do Congo 1962 11 Côte de Ivore 1962 00 Gabão 1962 00 Algéria 1963 00 Togo 1963 17 Senegal 1964 28 Chad 1965 10 Camarões 1966 00

Rep. Centro Africana 1966 17

Ruanda 1974 31 Etiópia 1978 00 R.D. Congo 1990 00 Benin 1991 03 Ilhas Maurício 1993 0l Mali 1996 01 Marrocos 1998 02 Burkina Faso 2000 00 Sub-total 19 122 Ásia Filipinas 1986 05 Vietnã 1998 01 Sub-total 02 1986 06

América (d Sul) Brasil 1968 150

Argentina 1969 35 Venezuela 1973 01 Chile 1976 05 Equador 1997 01 Uruguai 1980 01 Sub-total 06 193

América (Central Nicarágua 1973 09

Guatemala 1978 12 Honduras 1980 06 Panamá 198l 05 El Salvador 1992 03 Repub.Dominicana 1994 0l Sub-total 06 36

América do Norte México 1974 02

Canadá 1998 01

Sub-Total 02 03

Total de Países 41 898

Quadro 8 – Distribuição do Número de Casas Familiares no Mundo por Continente, Segundo o País e o Ano de Fundação.

Fonte: UNMFREO, 2003 apud Queiroz, 200443.

43 O Folder de divulgação do 8º CONGRESSO INTERNACIONAL EM ALTERNÂNCIA: FAMILLE,

ALTERNANCE ET DÉVELOPPEMENT, organizado pela ASSOCIACIÓN INTERNACIONAL DE LOS MOVIMIENTOS FAMILIARES DE FORMACIÓN RURAL (AIMFR), realizado em Puerto Uguazú/Argentina e Foz do Iguaçu/Brasil, de 04 a 06 de maio de 2005, registra a presença do Movimento desta Associação, em 40 países, 5 Continentes, com l.300 associações, 35.000 alunos e 45.000 famílias.

A UNMFREO, em parceria com o Centro Nacional Pedagógico em Chaing, efetiva uma relação de cooperação com os países da África e da América Latina para a formação de monitores e a produção de materiais pedagógicos. O Ministério da Cooperação e do Desenvolvimento da França apóia os países africanos. Para os países da América Latina, a ajuda é oriunda do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Comissão da Comunidade Européia. O apoio é constituído de missões de assistência técnica, organização de seminários e envio de monitores por cooperação para o fortalecimento da formação. Estas modalidades metodológicas são referências para manter o intercâmbio e buscar recursos financeiros e também organizar e dar continuidade aos princípios das Maisons. Estevam (2003) afirma que os convênios e parcerias são efetivados de forma descentralizada, já diretamente com as federações regionais e departamentos locais, como é o caso do Brasil, que recebe o apoio do departamento de Mayenne.

A criação, em 1975, da – Association Internationale des Mouvements Familiales de Formation Rurale AIMFR – ocorreu durante o Congresso Internacional realizado em Dakar, Senegal, o qual contou com a participação de 20 países e 21 organizações que desenvolvem as experiências em alternância. Esta Associação tem como objetivos centrais promover os princípios e métodos, a integração, a expansão e a representação das Maisons Familiales em diversas nações (SILVA, L.H., 2003; ESTEVAM, 2003).

A AIMFR, em 1987, segundo Estevam (2003) e SILVA; L.H. (2003), criou uma Fundação, um Centro Europeu para a Promoção e Formação do Meio Agrícola e Rural, e o Comitê de Administração das MFRs, com o objetivo de buscar recursos e dar estrutura organizativa mais consistente ao Movimento Maisons nos espaços geopolíticos de diversos continentes.