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4. EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E ITINERÂNCIAS

4.4 A experiência como dispositivo formativo do curso

Nos diálogos com os atores sociais a respeito das suas experiências no desenvolvimento do curso, materializado tanto nas disciplinas como nas atividades interdisciplinares (minicursos, oficinas, seminários), eles apontaram que a maioria dos professores formadores sempre começava as aulas levantando os relatos de situações vivenciadas no cotidiano da sala de aula dos professores-alunos. Afirmavam que as narrativas compartilhadas seriam significativas para enriquecer o

processo formativo. Declararam, ainda, que a articulação da experiência nas variadas ações desenvolvidas era realizada em alguns momentos timidamente, em outros, intensamente, e, às vezes, de forma concomitante.

Nessa perspectiva, os depoimentos dos professores-alunos foram delineando-se e definindo o lugar que suas experiências ocuparam no processo formativo vivenciado, apresentando-se sob três perspectivas: a negação da experiência, a escuta da experiência e a reflexão sobre a experiência.

4.4.1 A negação da experiência

Segundo as narrativas apresentadas pelos professores-alunos, a negação da experiência esteve presente no desenvolvimento do curso. Esta conduta foi marcante nos atos dos professores formadores que se limitavam a ministrar as aulas programadas sem estabelecer a escuta e o debate sobre as experiências. Justificavam ser essa atitude consequência da escassez de tempo, e que os cursistas precisariam ter conhecimentos teóricos para, em outro momento, estabelecer as articulações entre as experiências do mundo do trabalho e o conhecimento adquirido na aula. Essa realidade pode ser constatada nos depoimentos que seguem:

Eu sei que era importante a gente falar a respeito do nosso trabalho, mas, você sabe, o tempo era pouco e se ficássemos falando, falando, alguns professores achavam que ia faltar tempo para estudar o conteúdo e que a gente poderia pensar a respeito da prática depois, em grupo (não sei quando) ou em casa. Mas, como íamos encontrar tempo para conversar? (GEÓRGIA, 2011).

Algumas disciplinas ficavam apenas no conhecimento teórico. Os professores pareciam que nem sabiam que, nós, já éramos professores. Uma disciplina que caracterizou muito bem isso foi a Sociologia, que ficou com a gente em dois módulos, um como Sociologia e o outro como Sociologia da Educação. Nessas duas disciplinas a professora trouxe, basicamente, a teoria para gente. Ela veio somente dos teóricos e não da escola [suas práticas pedagógicas] para a universidade ou do casamento das duas. Aí veio da disciplina mesmo. Então, a professora estava lá; ela era muito boa por sinal, tudo muito proveitoso, mas, em relação à nossa experiência não havia o debate. Isso não foi em alguns momentos não; todas as aulas eram assim. Vinham as informações e a gente ia recebendo essas informações da professora (MAGDA, 2011).

Diante das narrativas apresentadas verifiquei que a bagagem experiencial trazida por esse público não tinha um lugar nessas aulas. A experiência era silenciada, sufocada. Com essa conduta perde-se a presença do grupo e o fomento de reflexões coletivas, tempo em que cada sujeito se vê individual e coletivamente. No entender de Larrosa (2002), esta postura assumida por alguns professores, de silenciar a experiência dos sujeitos, constitui-se, até certo ponto, em uma antiexperiência.

4.4.2 A escuta da experiência

De acordo com esta visão, constatei que os professores formadores criavam espaço, no tempo das aulas, para a escuta de experiências dos professores-alunos. Eles motivavam os professores-alunos a trazer os seus relatos de experiências a respeito do fazer cotidiano. Entretanto, não eram criadas situações que provocassem uma reflexão a respeito das práticas e dos saberes utilizados por eles no desenvolvimento do trabalho docente nas salas de aulas. As narrativas registradas mostram a vivência com essa conduta:

Eu sempre percebi que pelo menos a maioria dos professores tinha a preocupação em saber sobre as nossas experiências na sala de aula. Eles valorizavam muito nosso trabalho, pois elogiavam nossa conduta e, às vezes, até as usava como exemplo nas aulas. Era muito fácil, a gente relatava e o professor estava sempre aguçando essa troca entre nós mesmos. Eu acho que eles recebiam de nós uma diversidade de informações que acrescentava algo a eles, também. Então, a gente era sempre instigada a falar (ANA DALVA, 2011).

Eu percebia que nossos relatos eram como algo que fazia parte da dinâmica do curso, porque eram vários professores que nos pediam para fazê-los. Era muito bom; a gente ficava conhecendo muito o trabalho dos nossos colegas e eles o nosso (TATIANA, 2011).

A maioria dos professores gostava de ouvir nossas experiências. Às vezes alguns colegas se prolongavam muito contando “causos” da sala de aula ou, mesmo, da comunidade onde a escola estava inserida. O problema era que ficava muito cansativo e, quando eles terminavam de falar não dava mais tempo para o debate e no dia seguinte já tínhamos outra atividade para fazer. Eu me perguntava se não era melhor o professor ter determinado o tempo das falas para que pudéssemos discutir o conteúdo delas (ANAIARA,2011).

Levando em consideração esses depoimentos, percebi que a experiência tinha um lugar no curso, mas a dúvida é: até que ponto ela se tornava formativa, uma vez que os depoentes não mencionam reflexões e tensões presentes nas experiências narradas. Com esta preocupação busquei fundamentos em Josso (2004), quando afirma que é possível aprender pela experiência e que esta se torna formativa pela percepção de como essa formação se processa. Nessa direção, a autora (2004) chama a atenção para o fato de que a experiência precisa ser uma ação refletida, sob pena de transformar-se em uma antiaprendizagem.

4.4.3 A reflexão sobre a experiência

Este procedimento de “reflexão da experiência” durante o processo formativo dos professores-alunos se fez presente no desenvolvimento do curso. A escuta das experiências individuais e coletivas envolvia tensões necessárias à reflexão das experiências relatadas. O debate se instalava de forma tematizada sobre os diversos conhecimentos dos quais o professor-aluno lançava mão para lidar com as questões impostas pela prática docente. Essa discussão era planejada e sistematizada, constituindo-se no movimento necessário à formação experiencial dos sujeitos em formação. Essa formação Josso (2004) define como a atividade consciente de um sujeito que efetua uma aprendizagem imprevista ou voluntária em termos de competências existenciais (somáticas, afetivas e de consciência, instrumentais ou pragmáticas, explicativas ou compreensivas, na ocasião de um acontecimento, de uma situação, de uma atividade que coloca o aprendente em interação consigo próprio, com os outros, com o meio natural ou com as coisas que o rodeiam.

Nessa linha de raciocínio, Pineau (2003) afirma que a formação experiencial é uma atitude por contato direto, mas refletido. Para Cavaco (2009) é a descoberta progressiva, por parte de um sujeito (individual ou coletivo), da sua capacidade de pensar e de produzir a realidade a partir de cada experiência, capitalizando, de um modo singular, as potencialidades heurísticas das situações nas quais se inscreve a sua identidade.

Neste sentido, pode-se afirmar que a experiência formadora tem como centralidade o processo de aprendizagem experiencial, articulado em nível hierárquico, que envolve: o saber-fazer, os conhecimentos, a funcionalidade e a significação, as técnicas e os valores, em um espaço-tempo, e a oportunidade de

uma presença, para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros.

Nos depoimentos dos professores-alunos são percebidos ações desenvolvidas por alguns docentes do curso que caminharam nesta direção, de modo particular nas disciplinas Estágio Supervisionado, Fundamentos da Alfabetização e nos trabalhos de conclusão de módulo (TCM). Veja algumas falas e observações constatadas: “Nossos relatos não serviam apenas para alguns desabafos. Eles davam vida às aulas” (ANA DALVA, 2011)

Nossas vivências eram muito confusas em relação à alfabetização. A professora da disciplina Alfabetização pediu que a gente falasse sobre nosso trabalho. Ela queria saber como a gente alfabetizava. Falamos bastante e ela foi anotando, depois, selecionou várias atividades, leituras, vídeos e outras coisas para a gente comparar o nosso trabalho com aqueles relatos e, a partir daí, rediscutir e apresentar algumas reflexões a respeito do que fazíamos [...] Então, partiu muito da nossa prática e houve o retorno à nossa prática. Aplicava-se as atividades da disciplina Alfabetização em nossas salas de aulas e, depois, retomava-se os resultados das práticas para as análises. Durante as apresentações, a professora formadora nos questionava para esclarecer essas práticas. Foram momentos de reflexão a respeito do nosso trabalho, da nossa experiência e da nossa prática em sala de aula, refletindo nosso fazer pedagógico, ou seja, a nossa experiência (LIDIANE, 2011).

A disciplina Estágio Supervisionado tinha claramente essa intenção, essa dimensão, esse olhar mais holístico, voltado para a gente e para nossa experiência. Em outras disciplinas esse debate era mais tímido. Porém, não dava para apresentar um seminário sobre a alfabetização, por exemplo, sem trazer à tona nossa própria experiência, enquanto alfabetizadora. Poderia, até, não ser uma ação intencional, mas, pelo fato de a experiência fazer parte da nossa vida e do nosso fazer, ela estava presente nos nossos atos. As docentes da disciplina Estágio foram muito enfáticas. A professora Yasmine, mais ainda, porque ela valorizava demais as nossas experiências. Acho que a vertente da nossa formação no curso era essa (TATIANA, 2011).

Uma atividade importante presente no curso e apontada pelos professores- alunos como um espaço de reflexão da experiência foi a dos trabalhos de conclusão de módulo (TCM), que eram realizados ao final de cada módulo de estudos. Essas atividades eram organizadas em grupos pequenos sob a orientação de um professor

do curso. Os professores-alunos escolhiam a temática para análise e após estudos individuais, constituía-se em uma aprendizagem coletiva, refletida e tornada consciente através de descobertas sucessivas, mesmo de forma sofrida, que eram significativas para a sua formação. Em seguida eram socializadas com todos os professores-alunos através de um seminário.

Esses depoimentos sinalizam que a reflexão intencional sobre a experiência era uma marca da disciplina Estágio Supervisionado. Havia uma mediação que assegurava o debate acerca dos conhecimentos presentes nas falas, extraindo-se deles o próprio processo formativo. A fala de Lidiane anuncia a preocupação no sentido de compreender a dimensão da experiência e possibilitar uma aprendizagem a partir dela:

A experiência requer tempo. Não existe experiência sem um tempo. Eu nunca vou dizer que a professora que eu sou hoje é a mesma professora que eu era há 10 anos. Porque a experiência vai lhe enriquecendo, vai lhe melhorando. A experiência permite você avaliar o que você é, o que você faz e o que você precisa melhorar. Então, só o tempo com a experiência lhe garante melhoria, lhe garante aprendizado (2011).