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4. EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E ITINERÂNCIAS

4.3 A experiência no sujeito e o sujeito da experiência

Para encontrar e compreender o lugar ocupado pelas experiências dos professores-alunos em seus processos formativos fui a campo para, por meio das entrevistas individuais e do debate nos grupos focais11, travar diálogos com os professores-alunos sobre: o conceito de experiência e do sujeito dessa experiência e a experiência como dispositivo de formação durante o curso. As entrevistas e os grupos focais deram voz aos professores-alunos por meio das narrativas e foi possível ter visibilidade de suas práticas, o que possibilitou uma compreensão dos seus processos formativos. Em um movimento respeitoso, levantei questões que me impulsionaram para novas necessidades de debate e aprofundamento do diálogo, a fim de encontrar as marcas deixadas pelo curso na formação desses professores, no tocante ao uso das suas experiências no currículo do curso.

Nas analises das entrevistas individuais encontrei um conceito de experiência muito ligado ao fazer docente. Os professores-alunos relatavam que existiam momentos, durante o curso, em que podiam falar a respeito do trabalho desenvolvido na escola. Neles, eles iam falando, falando, relatando tudo o que viviam, sem filtrar o que era mais significativo para aquele momento. Contavam os “causos” e alguns colegas, que sempre tinham algo para narrar, chegavam a ser apelidados de: "Zé Falante", "Maria um Causo Só", entre outros.

Estas falas despertaram a minha atenção porque constatei que mesmo os professores-alunos não verbalizando um conceito de experiência, eles já desconfiavam que nem tudo que era narrado em sala poderia ser considerado como experiência, pois não tinham as marcas da diversidade de saberes construídos nas suas práxis pedagógicas. Os estudos de Josso (2009) me ajudaram a compreender a diferença e a relação entre vivência e experiência, ao afirmar que toda experiência contém uma vivência, mas que nem toda vivência resulta necessariamente em uma experiência. Segundo a autora (2009, p.136),

As vivências constituem o tecido do nosso quotidiano. Nem sempre estas vivências ficam na nossa memória ou propiciam uma ocasião de aprender qualquer coisa recente que vai ficar, enquanto recurso novo, daqui para frente [...] para perceber que a experiência é produzida por uma vivência que escolhemos ou aceitamos como fonte de aprendizagem particular ou formação de vida. Isto significa que temos de fazer um trabalho de reflexões sobre o que foi vivenciado e nomear o que foi aprendido. Todas as experiências são vivências, mas nem todas as vivências tornam-se experiências. É por isso que o desafio das situações educativas se encontra na imaginação de formas de aprendizagem que vão surpreendendo o aprendizado. Estas formas oferecem uma oportunidade de transformar a vivência proposta em experiência analisada, no decorrer da situação educativa.

A realização de uma sessão do grupo focal a respeito dessa temática foi indispensável para que, no debate com seus pares, os professores-alunos pudessem aprofundar a discussão e, assim, chegar a um conceito mais elaborado sobre o termo experiência. Nessas discussões não levavam conceitos teóricos para serem analisados, o que existia era o debate, a discussão e reflexão, o diálogo fundado em nossas vivências. E nesse movimento eles iam refazendo suas ideias com e a partir das falas e da análise dos exemplos trazidos para o debate.

Comecei o debate a respeito da experiência utilizando a seguinte questão provocadora: Até que ponto a experiência de vocês entrou para o currículo do curso? Esta provocação tinha a finalidade de promover uma certa descontração e assegurar o debate. Os primeiros minutos foram de silêncio, os atores sociais pareciam voltar no tempo, viajando até o curso, rememorando as lembranças. Logo em seguida me perguntam se tinha como, em um curso de formação de professores em atuação, deixar de fora a experiência. Silenciei. Eles começaram a debater.

A primeira a falar foi Tatiana, que afirmou:

Por ser um curso específico para professores que já estão trabalhando, não tem jeito, não há como esquecer a nossa experiência, mesmo se a gente não quisesse, as nossas experiências estariam lá. E todos que estavam lá não iam deixar de socializar a experiência que cada um tem, porque estava no currículo de cada um, mesmo que fosse oculto (2011).

O debate foi se constituindo primeiro por falas individuais e, aos poucos, com falas entrecruzadas. Todos queriam falar, complementar a fala do colega, acrescentar mais informações, e fomos ouvindo, gravando e pensando. No início do debate os professores-alunos traziam a ideia de que a experiência era sinônimo da prática. Para eles, experiência e prática tinham o mesmo significado. Nos trinta primeiros minutos essa marca foi se constituindo, aí lancei outra questão: O que é experiência?

A primeira a apresentar o conceito foi Diva, com a espontaneidade que lhe é peculiar: “É viver, ralar, é sofrer, é ficar feliz, tudo isso é experiência. É tudo o que a gente vive de verdade” (2011).

Magda, uma das mais atentas à discussão, afirma que:

Experiência é saber fazer alguma coisa que você se propõe fazer. Experiência é saber-fazer; você tem um período fazendo aquela coisa e você aprende a fazer, pode estar certa, pode casar com as teorias ou não. Minha experiência me proporcionou isso. Sei, por exemplo, como trabalhar com crianças de creche, de um ano e meio a três anos, isso é uma experiência minha, foi o tempo que me proporcionou esse aprendizado de trabalhar com esse grupo, com essa faixa-etária. Se ele está coerente com o que as teorias dizem, não sei, pode não estar, mas eu sei fazer aquilo que eu estou me propondo a fazer, dentro do que eu compreendo (2011).

Em seguida, Tatiana, uma boa ouvinte, complementa o pensamento da colega: “É porque eu já vivenciei, já passei por aquele processo, então, eu tenho experiência naquilo” (2011).

Respondendo, Lidiane, aquela que está sempre preocupada com a sua formação, se posiciona da seguinte maneira:

Quando você tem a experiência, ainda que você não se dê conta, você já sabe como é. É capaz de escolher: „Isso aí eu já vivi, eu não quero mais. Eu já passei por isso, não deu certo, aí eu vou por outro caminho. Eu já vivi‟. Então, experiência para mim é uma vivência refletida (2011).

A discussão foi alimentada com a intervenção de José, o tímido, o único homem do grupo, que afirmou: “Experiência é você estar, no seu dia a dia, em sua sala de aula, revendo a sua prática, fazendo uma reflexão, se está certo ou não, porque você tem que fazer o seu trabalho (2011).

Diva retorna ao debate complementando seu pensamento anterior, dizendo que:

Eu vejo a experiência como uma situação meio abstrata, porque, realmente, você a sente. Foi como eu coloquei. É viver de verdade, porque se você tem uma experiência e você passa superficialmente por aquela coisa que você está vivendo, não se torna uma experiência, torna-se uma passagem ali [...]. Mas, quando você realmente se envolve, você tem sentimento envolvido naquilo, tem toda uma dedicação, aí se torna uma experiência, porque, mesmo sendo uma situação negativa, você diz: „Valeu à pena!‟ (2011, grifo da autora).

Constatei que para conceituar experiência os atores sociais consideraram sua própria experiência como lócus de construção desse conceito.

As narrativas me mostraram que os professores-alunos compreendem o conceito a partir das suas próprias vivências, leituras e reflexões. Os conceitos apresentados trazem marcas discutidas por teóricos que têm se debruçado sobre o tema, em todas as falas está presente a necessidade de reflexão, movimento que, segundo Josso (2004 e 2009), é necessário para que a vivência se transforme em uma experiência. Outra marca das narrativas diz respeito ao fato de que a experiência produz uma aprendizagem e, aí, é possível enxergar a contribuição de Larrosa (2002), quando afirma que o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente e pessoal.

Percebi que os alunos têm uma compreensão acerca da experiência, contudo, ela se apresenta difusa, como sinônimo de prática, conforme demonstram as narrativas acima. Para problematizar esses dois conceitos, prática e experiência, lancei uma segunda questão sobre a relação entre prática e experiência. A discussão tomou um novo fôlego e as narrativas continuaram.

Gilmara, politicamente definida, diz:

Eu, realmente, acho que experiência é tudo que te marca, que dentro de você gera um sentimento. Então, assim... no universo de uma sala de aula, a gente vê muitas crianças, dessas, algumas acrescentarão experiências à sua vida de forma marcante, outras marcam, mas é algo que você viveu superficialmente. A experiência

é aquilo que resulta da vivência; daquilo que você viveu; daquilo que você apurou; daquilo que ficou com você e que o tempo lapida, mas, não apaga (2011).

Diva intervém buscando a centralidade da discussão. “Entendo que a experiência lhe deixa íntima da prática; elas têm uma relação assim... quase que conjugal” (2011).

Gilmara retoma a fala:

Eu ia dizer que uma dá suporte à outra, a experiência dá suporte à prática, não é? A experiência lhe deixa... Mas a colega foi assim, mais profunda na questão, que é isso mesmo, é quase um casamento, uma relação conjugal (2011).

Lidiane na mesma linha de pensamento completa: “A experiência garante a prática” (2011). E Magda sintetiza o pensamento do grupo:

Prática e experiência têm uma relação que é de completude, elas se completam; elas precisam uma da outra, não existe experiência sem a prática, pois, eu sinto e penso sobre aquilo que faço (2011).

Percebi que os atores sociais, no transcorrer da discussão, foram aprofundando o debate acerca da experiência e da prática. E, nesse movimento, foi possível ampliar os conceitos, deixando claro que a prática é o fazer, é a ação. A relação desses elementos de forma refletida constitui-se em experiência.

Esse instante de aprofundamento e reflexões sobre os conceitos debatidos veio comprovar o que já havia intuído a respeito da pesquisa formativa. Os atores sociais deixaram de ser meros informantes e assumiram o papel de protagonistas do seu conhecimento, criando tensões, concordando, discordando e revisitando conceitos e práticas vivenciadas no curso de formação de professores.