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A experiência espanhola

No documento As Regiões Autónomas e a aplicação das (páginas 29-39)

4.1. A autonomia regional

I A Espanha conheceu, ao longo da sua história contemporânea, diversos movimentos autonômicos. Mas o capítulo dedicado às Comunidades Autónomas pela Constituição espanhola actual revela sobretudo a influência do texto constitucional republicano de 1931 e dos regimes pré-autonómicos do período de transição que se seguiu à morte de Francisco Franco81.

II A autonomia regional em Espanha não é homogénea. A Constituição traça, com efeito, uma distinção fundamental entre a generalidade das Comunidades Autónomas, dotadas de autonomia de segundo grau, e as Comunidades Autónomas de primeiro grau. É que, enquanto as primeiras só podem assumir competências nas matérias enumeradas taxativamente no n° 1 do artigo 148°, as segundas podem, em matérias não reservadas ao Estado pelo artigo 149°, alargar os seus poderes. Assim, desde logo, a 2a disposição transitória prevê uma autonomia reforçada para os três territórios que, no passado, plebiscitaram afirmativamente projectos de Estatutos de Autonomia e que tinham, ao tempo da promulgação da Constituição de 1978, regimes provisórios de autonomia (Catalunha, País Basco e Galiza). As Comunidades Autónomas podem, além disso, assumir i mediatamente competências fora do catálogo do n° 1 do artigo 148° nos termos do procedimento previsto no artigo 151°.

Esse procedimento permitiu que a Andaluzia também beneficiasse imedia­

tamente de uma autonomia de primeiro grau82.

Essa distinção entre Comunidades Autónomas de primeiro grau e de segundo grau não é, porém, definitiva. Em bom rigor, a Constituição prevê tão-somente diferentes ritmos de acesso ao modelo de autonomia plena83. O n°l do artigo 148° da Constituição é, na verdade, uma disposição transitória de redução da autonomia regional das Comunidades

81 V. Santiago Munoz Machado, Derecho Publico cie las Comunidades Autonomas, I, Madrid, 1982, págs. 77 e segs..

82 V. Munoz Machado, op. cit., I, págs. 254 e segs..

83 V. Munoz Machado, op. cit.. I, págs. 246 e segs..

Autónomas de segundo grau: decorridos cinco anos após o início de funções dos órgãos de governo regional, o n° 2 do artigo 148° autoriza a generalidade das Comunidades Autónomas a alargaras suas competências através da alteração dos respectivos Estatutos de Autonomia. Assim, a médio prazo, a totalidade das Comunidades Autónomas pode vir a assumir competências sobre todas as matérias não expressamente reservadas ao Estado pelo n° 1 do artigo 149° da Constituição84.

A Constituição de 1978 permite, pois, que os Estatutos de Autonomia venham, no futuro, a atribuir às Comunidades Autónomas competências (mesmo exclusivas) em todos os domínios não reservadas expressamente ao Estado. Daí que, para alguns autores, o modelo espanhol de autonomia esteja bastante próximo daquele que é adoptado pelos Estados federais85.

A fórmula regional espanhola sugere, na verdade, tratar-se dum com­

promisso apaziguador, ou escala de um processo, provisoriamente suspenso por trégua entre as partes, mas não um acto definitivo de decisão”86.

III O modelo autonômico propugnado pela Lei Fundamental espanhola de 1978 caracteriza-se igualmente por uma certa indefinição e ambiguidade. Com efeito, em diversos preceitos, o legislador constitucional faz repousar o âmbito da autonomia das Comunidades Autónomas no princípio dispositivo: o n° 1 do artigo 147° atribui aos Estatutos de Autonomia a função de fixar as competências assumidas no respeito da Constituição; o n° 1 do artigo 148° estabelece as matérias em relação às quais as regiões poderão assumir competências; o n°2 do artigo 148° dispõe que, decorridos cinco anos, as Comunidades Autónomas poderão, mediante a alteração dos seus estatutos, ampliar sucessivamente as suas competências; o n°3 do artigo 149° determina que as matérias não reservadas expressamente ao Estado poderão ser atribuídas às Comunidades Autónomas em virtude dos respectivos estatutos*1.

84 V. Luciano Parejo Alfonso, La prevalência del derecho estatal sobre el regional, Madrid, 1981, págs. 76 e segs..

85 V. Parejo Alfonso, La prevalência... cit., págs. 75 c segs.; Munoz Machado, op.

cit.,l,pág,s. 160 e segs..

S6 V. Francisco Lucas Pires, Soberania e autonomia, in BFDUC, I parte, 1973, vol. 49°, pág. 149.

87 V. Parejo Alfonso, La prevalência... cit., págs. 80e segs.; Munoz Machado, op.

cit., I, págs. 139 e segs..

AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS 447

O respeito pelo princípio dispositivo não conduziu, apesar de tudo, a um complexo mosaico de Comunidades Autónomas com diferentes competências e numerosos graus de autonomia. A tendência para a homogeneidade resultou do facto de os Estatutos de Autonomia terem atribuído às Comunidades Autónomas praticamente todas as competências que a Constituição permitia que elas tivessem88. Basta referir, por exemplo, que, embora o n°l do artigo 148° deixe em aberto a questão de saber se as competências das Comunidades Autónomas são exclusivas ou concorrentes, os Estatutos de Autonomia aprovados configuraram a quase totalidade desses poderes funcionais como competências regionais exclusivas89. Alguns autores chamam mesmo a atenção para o desmedido uso e abuso da referência à “exclusividade” para qualificaras competências regionais atribuídas pelos Estatutos de Autonomia90.

IV O artigo 149° constitui, tanto para as Comunidades Autónomas de primeiro grau, como também, a médio prazo, para as restantes Comunidades Autónomas, o principal limite ao alargamento do âmbito da autonomia regional91.

O n° 1 do artigo 149° da Constituição espanhola delimita expres­

samente o âmbito da competência exclusiva do Estado. Essa reserva de competência não cobre necessariamente toda a regulamentação legislativa das matérias enumeradas. Assim, por exemplo, quando só está reservada ao Estado a legislação básica sobre determinada matéria, as Comunidades Autónomas poderão, nos termos dos respectivos estatutos, desenvolver as bases desse regime jurídico. Há, pois, nesses casos, alguma semelhança com a competência legislativa concorrente, repartida ou secundária das regiões italianas. Mas, ao contrário do entendimento dominante em Itália, os estatutos das Comunidades Autónomas de primeiro grau consideram

88 V. Pareio Alfonso, La prevalência... cit., pág. 81; Munoz Machado, op. cit., I, págs. 150 e segs.e 316.

89 V. Munoz Machado, op. cit., I, págs. 337 e 363.

90 V. German Fernández Farreres, Colisiones normativas y primada delderecho estatal, in Estudios sobre la Constitucion Espanola (homenaje ai Profesor Eduardo Garcia de Enterría), 1, Madrid, 1991, pág. 544, em nota.

91 Sobre os limites gerais à autonomia, V. Munoz Machado, op. cit., I, págs. 182 e segs..

DE

que o desenvolvimento dessa legislação básica cabe na competência exclusiva regional92.

As competências exclusivas do Estado não podem ser transferidas ou delegadas às Comunidades Autónomas por decisão dos Estatutos de Autonomia, mas tão-somente mediante uma lei orgânica, unilateral e revogável, do Estado. E, em qualquer caso, essa lei deve prever formas de controlo adequadas (n° 2 do artigo 150° da Constituição)93.

A existência de matérias, total ou parcialmente, reservadas ao Estado reflecte a preocupação do legislador constitucional em preservar a unidade nacional e em garantir a indissolubilidade e indivisibilidade da Nação espanhola94. Essa preocupação manifesta-se também na formulação literal dos preceitos constitucionais. A redacção adoptada pelo n° 1 do artigo 149° (“O Estado tem competência exclusiva sobre as seguintes matérias”) difere claramente da fórmula utilizada pelo n° 1 do artigo 148°

para delimitar a competência das Comunidades Autónomas (“As Comunidades Autónomas poderão assumir competências nas seguintes matérias”). A diferença é intencional. É que, enquanto as competências das Comunidades Autónomas são uma mera possibilidade que carece de ser concretizada pelos Estatutos de Autonomia, as competências do Estado não dependem de quaisquer textos posteriores e decorrem directamente da Lei Fundamental95.

A preocupação em proteger o “interesse geral” ou o “interesse geral da Espanha” leva a Constituição a admitir, quer a coacção estatal (artigo 155o)96, quer a publicação de leis do Estado que estabeleçam, mesmo em matérias da competência das Comunidades Autónomas, os princípios

92 V. Garcíade Enterría, La significacion de las competências exclusivas del Estado en el sistema autonomico, in Revista Espahola de Derecho Constitucional, 1982, n°5, págs. 68 e segs. e 83 e segs.; Fernández Farreres, op. cit., loc. cit., págs. 83 e segs.;

Munoz Machado, op. cit., I, págs. 337 e segs., 360 e segs., 373 e segs. e 417 e segs.; Pareio

Alfonso, La prevalência... cit., págs. 85 e segs. e 105 e segs..

93 V. Garcíade Enterría, La significacion... cit., loc. cit., págs. 65 e segs.; García

Enterría/T.-R. Fernández, Curso de Derecho Administrativo, I, Madrid, 1988 (reimp.), págs. 332 e segs.; Munoz Machado, op. cit., I, págs. 459 e segs..

94 V. Garcíade Enterría, La significacion... cit., loc. cit., págs. 71 e segs..

95 V. Garcíade Enterría, La significacion... cit., loc. cit., págs. 64 e segs..

96 V. infra.

AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTTVAS COMUNITÁRIAS 449

V A Constituição espanhola de 1978 não dispõe expressamente sobre a competência administrativa das Comunidades Autónomas. O âmbito do poder executivo regional foi, no entanto, delimitado pela generalidade dos Estatutos da Autonomia100. Por força dos Estatutos, a execução das normas legais pertence, em regra, às Comunidades Autónomas. É o chamado federalismo de execução. O Tribunal Constitucional admite, no entanto, que o Estado conserve faculdades executivas próprias em três hipóteses: primeiro, quando a execução em concreto tem um alcance supra-regional (pense-se, por exemplo, na anulação de uma convenção colectiva que vincula empresas e sindicatos

necessários à harmonização das normas regionais (n° 3 do artigo 150o)’7, quer ainda a prevalência das leis do Estado sobre as normas dimanadas das Comunidades Autónomas nos casos (excepcionais) em que se está perante matérias concorrenciais (n° 3 do artigo 149o)98.

Por último, a parte final do n° 3 do artigo 149° da Constituição determina que “o Direito estadual será sempre supletivo do Direito das Comunidades Autónomas”. A interpretação deste preceito divide a doutrina: enquanto alguns autores consideram que ele constitui uma cláusula geral de competência, há quem defenda que o princípio da supletividade não autoriza o Estado a legislar em domínios reservados pelos estatutos às Comunidades Autónomas”.

97 V. FernándezFarreres, op. cit., loc.cit.,pág. 551; GarcíadeEnterría. La significacion... cit., loc. cit., págs. 77e segs.; García de Enterría/T.-R.Fernández, Curso...cit., I,págs. 333e segs.; MunozMachado, op.cit., I,págs.203 e segs. e 430 e segs.; ParejoAlfonso, La prevalência... cit., págs. 82 e segs.. V.ainda PedroCruz V illalón, La jurisprudência del Tribunal Constitucional sobre autonomias territoriales, in Estúdios... cit., IV, Madrid, 1991, págs. 3357 e segs..

98 V.InakiLasagabaster Herrarte, Los princípios de supletoriedady prevalência del Derecho estatal respecto al Derecho autonomico. Madrid, 1991, págs. 95 e segs.;

Garcíade Enterría/T.R.-Fernández,Curso... cit.,I, págs. 336esegs.; MunozMachado, op. cit., I,págs.400 e segs.; PareioAlfonso, La prevalência... cit.,págs. 75 e segs..

99 Sobre o problema, V.Garcíade Enterría/GonzálezCampos/Munoz Machado, op. cit.,I, págs. 625 e segs.; Garcíade Enterría/T.-R. Fernández, Curso... cit., I,págs.

344e segs.; Lasagabaster Herrarte, op.cit., págs. 51 esegs.; Munoz Machado.op. cit., I, págs. 365 e segs.e 409 e segs..

100 V. MartínB assols Coma, La distribuciondelascompetências ejecutivasentre lasdistintasorganizaciones administrativas, in Estúdios... cit., IV, págs. 3393e segs.;

Munoz Machado,op. cit., 1, págs.440 e segs..

4.2. As regiões e o Direito comunitário

IO Direito espanhol oferece algum apoio à concepção que defende que, em matéria de aplicação do Direito comunitário derivado, se verifica um retrocesso na autonomia conquistada e uma recuperação pelo Estado central das competências reservadas às Comunidades Autónomas.

É que, para além dos argumentos geralmente utilizados (a responsa­

bilidade pelo cumprimento das obrigações comunitárias recai unicamente sobre o Estado e o reconhecimento das competências das Comunidades com sede em diferentes Comunidades Autónomas); segundo, por razões de urgência ou necessidade pública; finalmente, nos casos em que a execução das normas legais aprovadas pelos órgãos estaduais aparece como indissociável dos interesses gerais que as próprias normas pretendem fazer valer101.

Em regra, as Comunidades Autónomas dispõem, pois, de três tipos de competência administrativa: competência para execução da legislação própria; competência para a execução da legislação do Estado; competência em matérias transferidas ou delegadas pelo Estado. A Constituição só atribui, no entanto, poderes de fiscalização ao Governo no terceiro caso [n° 2 do artigo 150° e alínea b) do artigo 153°]. Nas outras duas hipóteses, o legislador constitucional prevê unicamente a existência de um controlo jurisdicional [alíneas c) e d) do artigo 153o]102.

A ausência de poderes de fiscalização do Governo suscita, sobretudo, inquietações nos casos em que se trata de executar a legislação do Estado.

Uma interpretação literal do artigo 155° da Constituição, embora forneça uma importante válvula de segurança do sistema103, não resolve, como veremos, todos os problemas104. Sobretudo, quando os autores consideram que se trata do “artigo mais explosivo da Constituição”, o qual pressupõe uma “situação absolutamente excepcional”105.

101 V. Garcíade Enterría, La ejecucion autonômica de la legislacion del Estado, in Estúdios sobre autonomias territoriales, Madrid, 1985, págs. 195 e segs..

102 V. Ignaciode Otto, Ejecucion de la legislacion del Estado porias Comunidades Autonomasysu control, in Estúdios... cit., IV, pág. 3373; Bassols Coma, op. cit., loc. cit., págs. 3414 e segs.; Munoz Machado, op. cit., I, págs. 444 e segs. e 450 e segs..

103 V. Bassols Coma, op. cit., loc. cit., pág. 3415.

km v. Garcíade Enterría/T.-R. Fernández, Curso... cit., I, págs. 309 e segs.;

Ignaciode Oito, op. cit., loc. cit., págs. 3378 e segs.; Munoz Machado, op. cit., II, Madrid, 1987, págs. 138 e segs..

105 V. Garcíade Enterría, La ejecucion...cit., loc. cit., págs. 261 e 262.

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IITodavia, segundo o entendimento dominante, a função de garante, embora pressuponha a existência de mecanismos suficientes para fazer frente à inércia das regiões, não implica a alteração do sistema interno de distribuição de competências e não legitima uma “espoliação das competências autonômicas”107. Assim, se é certo que as directivas respeitam frequentemente a matérias reservadas ao Estado (por exemplo, bases da acti vidade económica), não é menos verdade que as Comunidades Autónomas devem poder procedera aplicação das directivas comunitárias que versem sobre matérias da sua competência l08.

Parte da doutrina fundamenta a competência das Comunidades Autónomas, para aplicar as normas comunitárias, nas disposições de alguns Estatutos de Autonomia que determinam expressamente que compete aos órgãos autonômicos a adopção das medidas necessárias à execução das convenções internacionais que versem sobre matérias atribuídas à sua competência109.

Outros autores e o Tribunal Constitucional defendem, em contra­

partida, que a competência das Comunidades Autónomas para aplicar as normas comunitárias resulta directamente da própria Constituição. Isso significa que, mesmo nos casos em que os Estatutos de Autonomia são Autónomas neste domínio pode enfraquecer a eficácia da execução das normas comunitárias), a parte fmal do artigo 93° da Constituição de 1978 estabelece expressamente que a função de garantia do cumprimento das normas emanadas dos organismos internacionais ou supranacionais pertence, consoante os casos, às Cortes Gerais ou ao Governo. Acresce que, nos termos do artigo 97°, compete ao Governo a direcção da política externa e que o n° 1 do artigo 149° dispõe que a matéria das relações internacionais se integra na competência exclusiva do Estado106.

106 V. DAtena, Prospettive... cit., loc. cit., pág. 2161. em nota; García de Enterría/González Campos/Munoz Machado, op. cit., I,págs. 616e segs.; Elíseo Aja, El sistema...cit., págs. 135 e segs..

107 V.FranciscoGranell,Las Comunidades AutónomasY la negociacion para el ingreso de Espanaen laComunidadEuropea,in Revista de InstitucionesEuropeas.1982, n°3, pág. 828; EloiRuilopaSantana, Lascompetências económicas delEstado yde las ComunidadesAutonomas ante elfuturoingreso de Espanaan el mercado cornun. in La distribución... cit., págs. 425e segs..

108 V. GarcíadeEnterría/GonzálezCampos/Munoz Machado, op.cit.. 1. págs.

617e segs.; Elíseo Aja, op. cit.. pág. 135.

109 V. Oriol Casanovasy La Rosa, op.cit., loc. cit., págs. 775 e segs..

III A admissibilidade da concretização e execução autonômica não impede, no entanto, que se reconheça ao Estado a possibilidade de assegurar o cumprimento das obrigações comunitárias em todo o território nacional.

A Constituição espanhola, não só atribui aos órgãos de soberania a já referida função de garantia do cumprimento das normas emanadas dos organismos internacionais ou supranacionais (artigo 93°), como também prevê, no artigo 155°, à semelhança do que se verifica no artigo 37° da Lei Fundamental de Bona111, que “se uma Comunidade Autónoma não cumprir as obrigações impostas pela Constituição ou por outras leis ou actuar por forma a atentar gravemente contra o interesse geral de Espanha, o Governo, depois de solicitar a atenção do Presidente da Comunidade Autónoma e, no caso de não ser atendido, poderá, com a aprovaçãodoSenadopormaioriaabsoluta,adoptar as medidas necessárias para obrigar a Comunidade Autónoma ao cumprimento daquelas obrigações ou para proteger o interesse geral” (artigo 155°). O Delegado do Governo deve, para efeitos do exercício da competência prevista no artigo 155° da Constituição, informar o Governo do incumprimento das obrigações constitucionais e legais por parte das Comunidades autónomas"2.

Todavia, ressalvada essa hipótese excepcional e, eventual mente, a possibilidade de recorrer às leis supletivas ou às leis de harmonização, há na Constituição espanhola um vazio em matéria de poderes de fiscalização do Estado sobre as Comunidades Autónomas113. Essa omissão é agravada pelo facto de o recurso à coacção estadual pressupor infracções consumadas omissos (por exemplo, Castela e Leão, Navarra, Astúrias), não cabe ao Estado a aplicação de normas comunitárias que versem sobre matérias da competência das Comunidades Autónomas110.

110 V. Garcíade Enterría/González Campos/MunozMachado, op.cit.,I,págs.

480 e segs.; Elíseo Aja, op. cit.,págs. 135 e 136; Oriol CasanovasyLa Rosa;op.cit., loc. cit.,págs. 776 e segs..

111Sobre as diferenças entre os preceitos, V. Munoz Machado, op. cit.,., I, pág. 456.

112 V. Alessandro Padrono, La rappresentanza del Governo nazionale nelle regioni (note comparatistiiche), in Quademi Regionali, 1989, n°3, pág. 648.

113 V. MunozMachado,op. cir.,I,pág.452. V. aindaElíseo Aja, op. cír.,págs. 136 e segs.;LasagabasterHerrarte,op.cit., págs. 88 e segs..

AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS 453

das Comunidades Autónomas e, nessa medida, não impedir que o Estado seja condenado pelo incumprimento das obrigações comunitárias114.

Alguns autores procuram ultrapassar esse vazio constitucional através de uma “interpretação desdramatizada” dos artigos 93° e 155° da Constituição115. Assim, para SANTIAGO MUNOZ MACHADO, o artigo 93°, ao atribuir aos órgãos de soberania a função de garantir o cumprimento das obrigações comunitárias, constitui uma habilitação específica para a utilização do meio coactivo previsto no artigo 155o116.

A concepção de GARCLA DE ENTERRIA merece, igualmente, uma referência especial. É que, em importante estudo monográfico, o Autor procura demonstrar que se pode retirar da Constituição um poder de supervisão do Estado sobre a acti vidade regional de execução da legislação nacional. Esse poder resulta, não apenas da competência exclusiva do Estado para assegurar a igualdade de todos os espanhóis no exercício dos direitos e no cumprimento dos deveres constitucionais (artigo 149°. n°l, 1, da Constituição), como sobretudo do facto de o recurso à coacção estatal (previsto no artigo 155° da Constituição) pressupor um poder prévio de supervisão que permita ao Governo conhecer de uma maneira constante e geral o processo de excução autonômica da legislação nacional. O artigo 155° da Constituição desempenha, pois, uma função semelhante àquela que cabe aos artigos 37° e 84° da Lei Fundamental alemã.117.

O legislador nacional procurou também alargar os poderes de fiscalização que a Constituição reserva ao Estado. Assim, numa primeira fase, introduziu o instituto da Alta Inspecção em certos domínios da actividade regional (educação, saúde, segurança social). O Tribunal Constitucional espanhol, embora não deixasse de sublinhar que não se ajustava ao princípio da autonomia a previsão de controles genéricos e indeterminados que implicassem dependência hierárquica das Comu­

nidades Autónomas perante o Estado, considerou que os poderes de

fisca-114 V.GarcíadeEnterría/GonzálezCampos/Munoz Machado, op.cit., págs. 624 e segs..

115 V. ElíseoAja, op.cit., págs. 136esegs.;GarcíadeEnterría/GonzálezCampos/ Munoz Machado,op. cit., I. págs. 623esegs.;GarcíadeEnterr(a/T.-R.Fernández, op.

cit., I, pág.320; Ignaciode Otto, op. cit., loc. cit., pág. 3381.

116 V. op. cit., I, págs. 450 e segs. e 480 e segs.: II. págs.133 e segs..

117 V. La ejeccucion...cit.,loc.cit., págs. 165esegs. (emespecial, págs.213 esegs.

e 257e segs.). V.ainda Curso... cit.,I, págs. 309 e segs..

5. Considerações finais

A análise das experiências italiana, alemã e espanhola revela que, partindo-se de uma situação em que as tensões centrípetas aparecem lização do Estado sobre as Comunidades Autónomas não se esgotavam naqueles que a Constituição expressamente previa e admitiu que, em matérias especialmente importantes, pudesse haver aquele poder de inspecção.

Posteriormente, por ocasião da elaboração do anteprojecto de Lei Orgânica de Harmonização do Processo Autonômico, previu-se a atribuição ao Governo, não só do poder de velar pela observância das normas estatais aplicáveis, como também de ordenar às Comunidades Autónomas a sanação das deficiências oportunamente advertidas e, caso fosse necessário, o poder de se substituir aos órgãos regionais nos termos do artigo 155° da Constituição118. Todavia, na sentença n° 76/1983, de 5 de Agosto, o Tribunal Constitucional considerou que a referência dessa lei orgânica ao artigo 155° da Constituição implicava uma redefinição inconstitucional dos pressupostos de aplicação desse preceito. Daí que, em conformidade com a posição adoptada pelo Tribunal Constitucional, o artigo 3° da Lei Orgânica de Harmonização do Processo Autonômico 12/1983, de 15 de Outubro, já não preveja a aplicação do artigo 155° da Constituição11’.

Posteriormente, por ocasião da elaboração do anteprojecto de Lei Orgânica de Harmonização do Processo Autonômico, previu-se a atribuição ao Governo, não só do poder de velar pela observância das normas estatais aplicáveis, como também de ordenar às Comunidades Autónomas a sanação das deficiências oportunamente advertidas e, caso fosse necessário, o poder de se substituir aos órgãos regionais nos termos do artigo 155° da Constituição118. Todavia, na sentença n° 76/1983, de 5 de Agosto, o Tribunal Constitucional considerou que a referência dessa lei orgânica ao artigo 155° da Constituição implicava uma redefinição inconstitucional dos pressupostos de aplicação desse preceito. Daí que, em conformidade com a posição adoptada pelo Tribunal Constitucional, o artigo 3° da Lei Orgânica de Harmonização do Processo Autonômico 12/1983, de 15 de Outubro, já não preveja a aplicação do artigo 155° da Constituição11’.

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