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JOSÉ MARIA DE ALBUQUERQUE CALHEIROS E RUI MEDEIROS*

Consulta

As Regiões Autónomas e a aplicação das directivas comunitárias

■ Assistentes da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

Sob a coordenação de Prof. Doutor Jorge Miranda (Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Professor Ordinário da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa)

Este texto corresponde, com pequenas alterações, ao parecer concluído em 22 de Dezembro de 1992.

A Presidência do Conselho de Ministros solicitou à Universidade Católica Portuguesa, nos termos do Protocolo de colaboração celebrado entre as duas instituições, a elaboração de um parecer jurídico relativo a uma questão suscitada pela transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica portuguesa.

A questão foi colocada do seguinte modo:

Frequentemente, as regras constantes da directi va postulam, aquando do processo de transposição, a designação de uma “Autoridade Nacional”, à qual competirá a assunção das responsabilidades inerentes ao cumpri­

mento das regras em causa perante as instâncias comunitárias;

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Plano do Estudo

Este procedimentodefronta-se,porém, no casoportuguês, com uma dificuldade, originada no regime constitucional e legal dasautonomias regionais;

As competênciasrelativas à matéria que constituiobjecto da directiva atranspor pertencem, deacordo com esse regime, frequentes vezes, no âmbito dasregiõesautónomas, aos respectivosórgãosde governo próprio;

Surge, nesse momento, o problema deconciliar o exercício dessas competências pela Administração Regional com a responsabilidade assumida pela “Autoridade Nacional”, dependente da Administração Central e privada de qualquer poder de superintendência ou de tutela sobre osórgãosregionais;

Desta sorte, a “Autoridade Nacionalresponsabiliza-se perante as instâncias comunitárias pelo exercíciode competências que escapam ao seu controlo.

Pretende-se,então, a emissão de parecer relativamente à conjugação dos regimes de transposição de directivase das autonomias regionais.

I - Introdução

II -Asexperiênciasitaliana,alemãeespanhola 1. Considerações gerais

2. A experiência italiana 2.1. A autonomia regional

2.2. Asregiõese o Direito comunitário 3. Aexperiênciaalemã

3.1. O federalismoalemão

3.2. Os Estados federados e o Direitocomunitário 4.A experiência espanhola

4.1. Aautonomiaregional

4.2. Asregiõeseo Direito comunitário 5. Consideraçõesfinais

III -Direitoportuguês

1.Anecessidade de distinguiraconcretização legislativa das directivas comunitárias da execução administrativa das normas legais que as concretizam

2.Os meiosde garantiada constitucionalidade e da legalidadedaactividade regional expressamente previstos naConstituição e nalei e o cumprimento dasobrigaçõescomunitárias

2.1.Considerações gerais

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AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS 419

I. Introdução

IA relação entreo Direito comunitárioe os ordenamentos jurídicos de Estados-membros de estrutura federal ou regional coloca inúmeras dificuldades. Conforme sublinha CHRISTIANE COLINET, à tradicional divisão funcional entre poder legislativo e poder executivo sucede, nos Estados federais ou regionais integrados naComunidadeEuropeia,uma repartiçãode competências entreos centrosdedecisão regionais, nacionais ecomunitários1. A articulação entre esses centros dedecisãoautónomos não se afigura fácil. Os principaisproblemasquetêm merecido aatenção da doutrina são quatro2:

2.2. Em relação à actividade regional em geral 2.3. Em relação à actividade legislativa 2.4. Em relação à actividade administrativa 2.5. Considerações finais

3. Aconcretizaçãolegislativa das directivascomunitárias

3.1. A competência legislativa das regiões autónomas para concretizar as directivascomunitárias

3.2. A competência do legislador nacional em caso de omissão legislativa das regiõesautónomas

4. A execução administrativa das normas legais que concretizam as directivas comunitárias

4.1. A competênciaadministrativadasregiões autónomaspara executar as normaslegais que concretizam asdirectivascomunitárias

4.2. Os poderes doEstadoemcasodeincumprimentopelasregiões autónomas

5. Consideraçõesfinais IV-Conclusões

1 V. Regionalisation et Droitcommunautaire: leproblème de l’application du droit communautairepar lesregions (leçons atirerde I 'experience italienne, in Cahiers deDroit Europe'en, 1980, n° 1, pág. 79).

2 V. Oriol Casanovas y La Rosa, Las competênciasde las Comunidades Autónomasen la aplicacion delDerecho comunitário europeo (comentário a la sentencia 252/1988, de 20de Diciembre, del TribunalConstitucional, in Revista de Instituciones Europeas,1989, n°3, pág. 768). Sobre outrasquestões que se podem levantar, V. Marcelo

RebelodeSousa,A adesãode Portugal à C.E.E. e aConstituição de1976, in Estudos sobre aConstituição,III,Lisboa, 1979, págs. 458 e segs..

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II O objecto deste estudo prende-se esséncialmente com a última questão.

Pretende-se saber, em concreto, os meios de que o Estado dispõe para assegurar o cumprimento das directivas comunitárias pelos órgãos

Em primeiro lugar, a constitucionalidade da assunção de competências pela Comunidade Europeia em domínios da competência regional. A questão surge porque o alargamento progressivo das competências comunitárias multiplica os casos de interferência da Comunidade em domínios de autonomia regional e acarreta a redução dos poderes funcionais atribuídos pela Constituição aos órgãos de governo próprio das regiões3.

Em segundo lugar, a participação das regiões nos processos de decisão comunitária que versem sobre matérias de interesse regional. O problema, bastante controvertido noutros países4 e analisado na recente revisão constitucional de 19925, mereceu a atenção do Tratado da União Europeia através da criação de um Comité das Regiões6.

Em terceiro lugar, o papel das regiões quer na concretização legislativa quer na execução administrativa das normas comunitárias.

Por último, os meios de que o Estado dispõe para fiscalizar a actividade regional de concretização e execução do Direito comunitário.

3 V. J. Pereira Coutinho, Lei Regional, in DicionárioJurídico da Administração Pública, IV [pág. 434]; AntonioD’Atena,Le Regioni italiane e la Comunità Economica Europea, Milão, 1981, págs. 9 e 29 e segs.; Eduardo García de Enterría/Julio D.

González Campos/S antiagoMunozMachado,Tratado deDerecho Comunitário Europeo, I, Madrid, 1986. págs. 436e segs, emnota,e 571 e segs.; Eliseo Aja eOutros, Elsistema jurídicodelas Comunidades Autonomas, Madrid,1985, págs. 134 e 135.

4 V. GarcIade Enterría/González Campos/Munoz Machado, Tratado...cit.,I, págs.436 e 437, emnota, e588 esegs.; Rudolf Morawitz, La colaboraciónentre el Estado y los EntesAutonômicos territoriales en la Comunidad Europea, Madrid,1985, págs. 29 e segs.; Lopez Castillo, Textos relativosa la colaboraciónentrelas regiones alemanas (Lãnder) yel Gobiemo federalaleman an el marco de las Comunidades Europeas, in Revista de Instituciones Europeas. 1989, 2, págs. 587 e segs..

3 Os Projectos deRevisão Constitucional apresentados pelos Deputados doPS e doCDS previam a consulta das regiões autónomas em matérias comunitárias. Sobre a participação emgeral.V.Jorge Miranda, Participação das regiões autónomas, in A Feitura dasLeis, II, Oeiras, 1986, págs. 233 e segs.;Franck Moderne, Les regions autonomes dans la jurisprudence constitutionnelle du Portugal, in La Justice Constitutionnelle au Portugal, 1989,págs. 372 e segs..

6 V RicardoGosalbo Bono, A elaboração doDireito comunitário derivado antes e depois de Maastricht,in Legislação, 1992,n 4/5, pág. 37.

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AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS

a) Em primeirolugar, a Comunidade Europeia nãodispõe de uma administração periféricae de um aparelho coercivo próprio. O Direito comunitário tem, porisso,necessidadede se socorrerdo “braço secular”

dos Estados-membros: a execução administrativa das normas elaboradas pelos órgãos comunitários,quer constem de regulamentos quer constem de directivas, compete, em regra, às autoridadesinternas8.

Acrescequeas autoridades nacionais são frequentemente chamadas aconcretizaras normascomunitárias nãoexequíveis por simesmas.Esse fenómeno, embora se possa também colocar a propósito de alguns regulamentos comunitários (por exemplo, no caso de regulamentos incompletosoude regulamentos que remetam para os Estados membros a previsão de sanções),verifica-se,sobretudo, em relação às directivas9 III A questãoobjecto desde estudo resulta da estrutura peculiardo ordenamento comunitário. Vejamos três das notasmais importantes.

e serviços regionais. Mas é preciso ter em conta que essa questão se coloca,quer quantoàs acções ouomissõesdolegislador regional,como quanto às infracções administrativas dasregiõesautónomas.

Este problemasurge, sobretudo,no âmbito da chamadaComunidade Económica Europeia, instituídapelo Tratado de Romaerecentemente designada Comunidade Europeia7.

A questão enunciada nasce, normalmente, do facto de os poderes de fiscalização sobre a actividade regional expressamente contemplados nos textos constitucionais não terem sido pensados para os casos de incumprimento das obrigaçõescomunitáriaspelasentidades regionais.

Por outro lado, ela pressupõe que os órgãos regionais também podem contribuir para a aplicação das regras comunitárias. De facto, nessecaso se põe o problema da determinação dosmeios de que o Estado pode dispor para, em caso de incumprimento das obrigações comunitárias pelas regiões autónomas, assegurai- o respeito peloDireitocomunitário.

Não se pode, pois, ignorar totalmente o terceiroproblema atrás referido.

7 V. artigo G do Tratado da União Europeia.

8 V. AntonioD’Atena. Prospettivedei regionalismonelprocessodi integrazione europea (il problema delTesecuzione e deirattuazione delle norme comtmilarie). in Giurisprudenza Costituzionale, II. 1989. pág. 2160.

’ V. D’Atena, Le Regioni... cit., págs. 39 e segs.: Prospettive... cit., loc. cit.. pág.

2160.

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b) O princípio do primado do Direito comunitário, proclamado desde o Acórdão COSTA/ENEL, justifica igualmente uma referência especial. E que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a ordem jurídica estabelecida pelos tratados que instituem as Comunidades caracteriza-se essencial mente pelo primado do Direito comunitário sobre as disposições nacionais que lhe sejam contrárias. Conforme refere PIERRE PESCATORE, o postulado do primado do Direito comunitário constitui uma exigência existencial da ordem jurídica das Comunidades e postula a primazia das normas constantes de um regulamento ou de uma directiva sobre as normas da legislação ordinária desconformes10.

c) Destaque especial merece, finalmente, o facto de o Tribunal de Justiça poder “declarar verificado que um Estado-membro não cumpriu qualquer das obrigações que Lhe incumbem”. É certo que a verificação do incumprimento não tem, ainda, grandes efeitos práticos, pois se o Estado- membro não tomar as medidas necessárias à execução do Acórdão, a Comissão limita-se a dar início a um novo processo de incumprimento.

Todavia, no futuro, essa situação poderá ser alterada. De facto, o n°2 do artigo 171° do Tratado de Roma, na redacção proposta pelo Tratado da União Europeia, autoriza o Tribunal de Justiça, no caso de o Estado- membro não dar execução ao Acórdão, a condená-lo ao pagamento de uma sanção pecuniária11.

Ora, nos Estados de estrutura federal ou regional, o problema do incumprimento assume uma importância fundamental, pois a Comunidade não reconhece legitimidade passiva aos Estados federados ou às regiões em sede de acção por incumprimento12. Isso significa que só o Estado, sujeito de Direito internacional, responde pelo cumprimento das obrigações comunitárias. Trata-se de um ponto assente na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Segundo o Acórdão COMISSÃO/

BÉLGICA13, o incumprimento existe qualquer que seja o órgão interno

10 V. L 'órdrejuridique des Communautés Europeénnes, Liége, 1973, pág. 227. V.

ainda Robert Kovar, 30 anos de Direito comunitário, in Colecção Perspectivas Europeias, pág. 118.

11 V. Luís Miguel Pais Antunes, A vertente judiciária da integração europeia - Portugal perante os Tribunais comunitários, in Legislação, 1992, n°4/5, pág. 166.

12 V artigos 169° e 170° do Tratado de Roma que instituiu a CEE.

13 V Acórdão de 5 de Maio de 1970, processo n° TII69, in Recueil, 1970.

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AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS D1RECT1VAS COMUNITÁRIAS

II.AS EXPERIÊNCIAS ITALIANA, ALEMÃE ESPANHOLA

1. Considerações gerais

O problema que aqui se pretende tratarnão é novo. Ele colocou-se também noutros Estados-membros de estrutura federal ou regional, sobretudo em Itália, na Alemanha e em Espanha. O conhecimentodas soluçõesensaiadasnesses três países, noquadrodos respectivos sistemas autonômicos, permite suprirareduzida atençãodadaao problema objecto deste estudo em Portugal. Este capítulo incidirá, justamente, sobre as experiências italiana,alemãe espanhola.

- governamental,legislativo, jurisdicional - cuja acção ou omissão esteja na origem da violação da legalidade comunitária.Nãorelevapara o efeito o facto de se tratardeuma instituiçãoconstitucionalmente independente.

Esta ideia não é, aliás, exclusiva do Direitocomunitário. Também no âmbito do Direito internacional público, a Convenção de Vienade 1969 sobreoDireito dos tratados refere, noseu artigo 27°, que umapartenão podeinvocar asdisposições do seu Direito interno parajustificar anão execução de um tratado internacional. Daí que as situações de incumprimento imputáveis, emúltima análise, a acções ou omissões dos órgãos dos Estados federados ou das regiões (no exercício da sua competência para proceder à concretização e execução das normas comunitárias) acabem por ser imputadas, no plano internacional, em especial o comunitário, aos próprios Estados-membros.

Essaconclusão não impede,obviamente, que, no plano interno,o Estado faça repercutirsobre os Estados federadosousobre as regiões os encargos resultantes do inadimplemento das obrigações comunitárias.

Assim, entre nós,os órgãos de soberania podem,por exemplo,reduzir o volumedas transferênciasde verbas previstas anualmente no Orçamento doEstado.

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2. A experiência italiana

IIA Constituição italiana de 1947 estende o princípio da autonomia regional a todo o território nacional: “a República, diz o artigo 114°, compreende regiões, províncias e comunas”. E, ao contrário do que sucede em relação às cinco regiões especiais, a própria Lei Fundamental estabelece, no título V, os princípios fundamentais da organização e da actividade das quinze regiões italianas de autonomia ordinária. Os estatutos regionais, aprovados por maioria absoluta pelos conselhos

14 V., por todos. Guido Meale, Principi di Diritto Regionale, Bari, 1991, págs. 25 e segs.; Italo Borzi, L’ordinamento degli enti locali territoriali (Regioni, Province, Comuni), Roma, 1977, págs. 27 e segs.; Livio Paladin, Diritto Regionale, Pádua, 1979, págs. 5 e segs..

2.1. A autonomia regional

I Algumas regiões nasceram em Itália mesmo antes da aprovação da Constituição republicana. A segunda guerra mundial acentuara as tendências fortemente autonomistas já existentes nas ilhas (Sardenha e, sobretudo, Sicília) e nas regiões fronteiriças com importantes minorias étnicas e linguísticas. A necessidade de salvaguardar a unidade do Estado levou, por isso, os homens do governo do tempo a consagrar, imediatamente, estatutos de autonomia para essas zonas do País.

A Constituição de 1947 previu, no seu artigo 16°, “formas e condições particulares de autonomia, segundo estatutos especiais adoptados por lei constitucional”, para cinco regiões italianas: Sicília, Sardenha, Vale de Aosta, Trentino-Alto Ádige e Friul-Venécia Júlia.

A aprovação dos estatutos especiais não se fez esperar. Logo no princípio de 1948, a lei constitucional n°2, de 26 de Fevereiro, ratificou o estatuto especial da Sicília, o qual, para combater as tendências separatistas, fora aprovado em 15 de Maio de 1946. Do mesmo modo, em 28 de Fevereiro de 1948, as leis constitucionais n° 3,4 e 5 estabeleceram os estatutos da Sardenha, Vale de Aosta e Trentino-Alto Ádige.

O atraso na aprovação do estatuto da região Friul-Venécia Júlia, que ocorreu apenas com a lei constitucional n°l, de 31 de Janeiro de 1963, deveu-se essencialmente ao facto de a Itália só ter recuperado o território livre do Trieste em 195414.

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AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS D1RECTIVAS COMUNITÁRIAS 425

III O poderlegislativo das regiões italianas constitui o âmago da autonomia regional. O seu fundamento encontra-se no artigo 117°da Constituiçãoou, no caso dascinco regiões dotadasde autonomia espe­

cial, nasleis constitucionaisque aprovaramosrespectivosestatutos17. Deve notar-se,contudo,que, segundo ajurisprudênciaconstitucional italiana, existem limitesque vinculam asleis regionaisemgeral,como sejam a obrigação de respeitar os compromissos internacionais do Estado,o princípio daterritorialidadee o limiteimpostopelasreformas económico-sociaisda República18. Emparticular, noque toca ao princípio do respeito das obrigações internacionais, o Tribunal Constitucional consideraque o facto de ele estar expressamente consagrado emquatro estatutos deregiões especiais não lhe retiraa naturezade umlimitegeral.

Os princípios da unidade do Estado (artigo 5o da Constituição)e do respeitopelas normas de Direito internacional geralmentereconhecidas (artigo10o da Constituição) apontam para a existência deuma obrigação regionais e ratificados pelo legislador nacional, estão, por isso, subordinados à Constituição15.

Todavia, no que tocaàs regiões de estatutoordinário, oprincípio constitucionalda regionalização tardou em ser plenamente concretizado, poiso legislador nacional avançoumuito lentamente na tarefa de adaptação das leis da República às exigências de autonomia regional. Basta recordar que, embora as regrassobre a constituição e o funcionamento dos órgãos regionais constassem de uma lei de 1953, a fixação dasnormas sobre a eleição dos conselhos regionaisocorreuem 1968eaprevisão de uma adequada autonomia financeirateve de aguardar pelo ano de

1970. Adaptações legislativas posteriores permitiramque osórgãos de governo regional iniciassem, finalmente, a sua actividade nodia 1 de Abril de 197216.

15 V. GuidoMeale,op. cit.,págs.109 e segs..

16 V. aindaItalo Borzi, Le Regioni in Italia- la prima legislatura regionale, Roma, 1978, págs.9 e segs.; Livio Paladin, op.cit., págs. 22 e segs..

17 V. Giovanni Masciocchi, La Regione - fonti, organizzazione. junzionamento, Milão, 1990, págs.52esegs..

18 V. FrancescoPaolucci, Notain marginealia potestà legislativadelle regioni a statuto speciale,in// controllo dello Stato sulle regioni, 1986,págs.169 e segs.; Livio Paladin, op. cit., págs. 65e segs..

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geral de respeitar as normas internacionais. Também do limite do interesse nacional, consagrado no artigo 117o da Constituição, se retira a mesma conclusão19.

IV O artigo 117° da Constituição atribui às quinze regiões ordinárias dois tipos de competência legislativa: concorrente, repartida ou secundária (n°l) e integrativa ou complementar (n°2).

a) As regiões podem legislar sobre as matérias enumeradas no n°l do artigo 117° da Constituição.

Essa enumeração é taxativa e só pode ser alterada por lei constitucional. Subsiste, porém, o problema da exacta definição do âmbito material da competência legislativa regional. Segundo uma concepção bastante em voga, as profundas transformações sociais e económicas ocorridas depois de 1947 impõem a adopção de uma interpretação histórico-evolutiva e teleológica das matérias susceptíveis de ser objecto de legislação regional. O Tribunal Constitucional defende, em contrapartida, uma interpretação literal das matérias enumeradas no n°l do artigo 117° e recusa, em regra, as tentativas para alargar o âmbito da competência legislativa regional20.

O n°l do artigo 117° da Constituição estabelece, por outro lado, que as leis regionais sobre as matérias enumeradas não podem contrariar o

“interesse nacional” ou o interesse das outras regiões e algumas das matérias constantes da enumeração constitucional afastam expressamente a competência das regiões nos casos em que existe um interesse nacional relevante (pense-se, por exemplo, na competência das regiões sobre as

“obras públicas desde que sejam de interesse regional”). O artigo 127° da Constituição estabelece ainda que o Governo, quando entenda que uma lei aprovada pelo conselho regional no âmbito da sua competência, ofende os interesses nacionais ou de outras regiões, pode devolvê-la ao conselho regional no prazo fixado para a aposição do visto pelo comissário do Governo. No caso de o diploma ser confirmado por maioria absoluta

19 V. Colinet, op cit, loc cit, pág. 82.

20 V. Giovanni Masciocchi, op. cit., págs. 471 e segs.; Guido Meale, op. cit., págs.

120 e segs.; Livio Paladin, op. cit., págs. 76 e segs.. Sobre o conteúdo das matérias enumeradas no n°l do artigo 117° da Constituição, V. Livio Paladin,op. ci7.,págs. 114 e segs..

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AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS 427

dos deputados em efectividade de funções, o Governo pode suscitar a questão da constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional ou a questão de mérito, por oposição de interesses, perante as Câmaras.

Sublinhe-se também que, segundo a jurisprudência italiana, o interesse nacional pode igualmente constituir um limite de legalidade sindicável pelo Tribunal Constitucional21.

As regiões devem, por último, respeitar os “princípios fundamentais estabelecidos pelas leis do Estado”. O artigo 9o da lei n° 62/1953 interpretou essa limitação no sentido de proibirque as regiões legislassem antes da aprovação de leis da República contendo, em relação a cada matéria, os princípios em questão (leggi-comice). Essa solução legal mereceu numerosas críticas e, em 1970, o legislador ordinário acabou por afastá-la. Assim, actualmente,conforme sustenta o Tribunal Consti­

tucional, as leis de princípio constituem um mero limite ao poder legislativo regional, ou seja, entre os princípios estabelecidos nessas leis e as leis regionais existe apenas uma relação negativa de compatibilidade e não uma relação positiva de necessária conformidade22.

A competência legislativa regional consagrada no n°l do artigo 117o da Constituição é, segundo o entendimento dominante em Itália, uma competência concorrente, repartida ou secundária. Isso significa, seguramente, que continua a competir ao Estado a aprovação dos princípios do regime jurídico das matérias enumeradas nessa disposição constitucional. Mas, em contrapartida, permanece controvertida a questão de saber se o Estado pode também aprovar normas pormenorizadas sobre as matérias que a Constituição considera de interesse para as regiões.

Assim, enquanto alguns autores negam essa possibilidade, uma parte importante da doutrina e o Tribunal Constitucional defendem que a aplicabilidade imediata da leggi-comice implica a cessação da vigência da lei regional incompatível e, sendo assim, para evitar vazios legislativos, admitem que as leis do Estado contenham, transitória e supletivamente, normas pormenorizadas que possibilitem a aplicabilidade dos novos

21 V. Giovanni Masciocchi, op. cit.,págs. 68e segs.; GuidoMeale, op. cit.. págs.

129 e segs.;LivioPaladin, op. cit.,págs. 83 e segs. e 97 e segs.:Amãncio Ferreira,Aj

Regiões AutónomasnaConstituição Portuguesa, Coimbra, 1980. págs. 65 e segs..

22 V. GiovanniMasciocchi, op.cit., págs.64e segs.; GuidoMeale, op. cit.. págs.

125esegs.;ItaloBorzi,Le Regioni...cit.,págs. 19e segs.; LivioPaladin.op. cit., págs.

86 e segs..

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V O âmbito e os limites do poder legislativo das regiões italianas dotadas de uma autonomia especial constam das leis constitucionais que aprovaram os respectivos estatutos. Dois traços comuns aos cinco estatutos princípios contidos na lei estadual. Segundo esta concepção, o n°l do artigo 117° da Constituição apenas assegura a prevalência das leis regionais que desenvolvam e concretizem os princípios contidos nas leis do Estado. Discute-se, porém, se essa prevalência implica necessariamente a revogação das normas pormenorizadas contidas nas leis nacionais ou, pelo contrário, acarreta apenas a suspensão da sua vigência23.

b) O n°2 do artigo 117° da Constituição determina que as leis da República podem conceder às regiões o poder de fazer normas em sua

“attuazione”. Ou seja, havendo habilitação das leis da República, as regiões podem aprovar legislação integrativa sobre matérias não enumeradas no n°l do artigo 117° da Constituição e, consequentemente, podem adaptar a legislação nacional às suas realidades específicas.

Esse poder legislativo integrativo está muito condicionado. É que ele depende da vontade do legislador nacional e, além disso, deve respeitar, não apenas os “princípios fundamentais estabelecidos pelas leis do Estado”, mas também a legislação nacional - seja de princípio, seja de pormenor - que pretende integrar24.

O facto de o legislador constitucional não utilizar a fórmula

“esecuzione” (preferindo falar em “attuazione” das leis da República) e integrar esse preceito no artigo respeitante ao poder legislativo permite, no entanto, considerar que a margem de liberdade das regiões no exercício da função integrativa prevista no n°2 do artigo 117° da Constituição é superior àquela que existe na aprovação de normas regulamentares25.

23 V. Maurizio Pedetta, L’"inerzia" delle regioni e 1’intervento dello Stato con norme di dettaglio nelle materie di competenza regionale, in Giurisprudenza Costituzionale, 1988, n, págs. 87 e segs.. V. ainda Giovanni Masciocchi, op. cit., págs.

58 e segs.; Guido Meale, op. cit., págs. 127 e segs.; Ítalo Borzi, L'ordinamento... cit., págs. 44 e segs.; Livio Paladin, op. cit., págs. 92 e segs..

24 V. Giovanni Masciocchi, op. cit., págs. 56 e segs..

25 V. Giovanni Masciocchi, op. cit., pág. 57; Guroo Meale, op. cit., págs. 123 e segs.; ItaloBorzi,L'ordinamento... cit., págs.45 esegs.; LivioPaladin, op. cit., págs 169 e segs..

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AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS 429

VIO artigo 118o da Constituição italiana constitui a norma cardinal em matéria de administração regional. O n°l estabelece, como princípio geral, a regra da equiparação entre poder legislativo e poder administrativo:

“cabem à região as funções administrativas sobre as matérias enumeradas no artigo anterior”. Esse paralelismo visa tomar efectiva e não meramente nominal a autonomia legislativa das regiões29.

O referido princípio sofre, no entanto, derrogações importantes. Em primeiro lugar, uma lei estadual pode delegar nas regiões o exercício de outras competências administrativas (n°2 do artigo 118°), embora, nesse caso, o presidente da junta deva conformar-se com as instruções do

revelam claramente que essas regiões dispõem de uma competência legislativa reforçada.

a) Por um lado, assiste-se ao alargamento das matérias que podem ser objecto de leis regionais e, nessa medida, as regiões não estão limitadas pela enumeração constante do n°l do artigo 117° da Constituição.

b) Por outro lado, para além de uma competência legislativa concorrente, repartida ou secundária e integrativa ou complementar, consagra-se, nas matérias taxativamente indicadas nos respectivos estatutos, uma competência legislativa exclusiva, plena ou primária26.

As regiões de estatuto especial não são, nesse domínio, obrigadas a respeitar os princípios fixados, nos diferentes sectores, pelas leis do Estado. Basta que se conformemcom os “princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado”, isto é, com as directivas “generalíssimas” que

resultem do ordenamento jurídico27.

O facto de o poder legislativo regional não estar totalmente subtraído às leis da República leva, porém, alguns autores a afirmar que não existem competências legislativas regionais verdadeiramente exclusivas, mas tão-somente competências plenas ou primárias28.

26 V. Livio Paladin, op. cit., págs. 62 e segs..

27 V. Alessandro Catelani, Lautonomia pubblica delle regioni, Pádua, 1989, págs. 85 e segs.; Guido Meale, op. cit., págs. 125 e segs.. V. ainda D’Atena, Le Regioni...

cit., pág. 72; Maurizio Pedetta, op. cit., loc. cit., págs. 87 e segs.; Amâncio Ferreira, op.

cit., págs. 95 e segs..

28 V. Livio Paladin, op. cit., pág. 70.

29 V. Guido Meale, op. cit., págs. 149 e segs.; Livio Paladin, op. cit., págs. 174 e segs..

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Governo Central (n°4 do artigo 121°) e, em caso de inactividade da administração regional, o Governo possa substituir-se aos órgãos regionais30. Em segundo lugar, as funções administrativas que corres­

pondam a interesses exclusivamente locais podem ser atribuídas directamente, por lei da República, às províncias, comunas e outras autarquias locais (parte final do n°l do artigo 118o) e, em qualquer caso, as regiões podem delegar os seus poderes administrativos nessas entidades públicas (n°3 do artigo 118o)31. Por último, segundo o Tribunal Constitucional, o interesse nacional pode justificar que competências administrativas que versem sobre matérias contempladas no n°l do artigo

117° da Constituição não sejam transferidas para as regiões32.

Importa ainda sublinhar que, nos termos da oitava disposição transitória da Constituição, as transferências de funções administrativas para as regiões devem ser concretizadas por leis da República. O concreto exercício de funções administrativas pelas regiões teve, pois, de aguardar pela publicação, em Janeiro de 1972, dos diplomas que deram exequibilidade, ainda que de uma forma bastante incompleta, àquela disposição constitucional. O Decreto do Presidente da República n° 616, de 24 de Julho de 1977, ampliou, posteriormente, o poder administrativo regional.

Todavia, para garantir a uniformidade da actuação das entidades públicas, as transferências concretizadas pelo legislador da República foram acompanhadas da atribuição ao Estado de uma função de “indirizzo e coordinamento" sobre a actividade administrativa das regiões. O artigo 17° da lei financeira de 1970 (Lei n° 281, de 16 de Maio de 1970) estabelecia que a transferência de serviços periféricos para as regiões que viesse a ser decidida pelo Governo deveria reservar para o Estado a função de dirigir e coordenar as actividades das regiões nos casos em que estivessem em causa exigências de carácter unitário, objectivos do programa económico nacional ou compromissos derivados das obrigações internacionais. O Tribunal Constitucional, não obstante os protestos de

30 V. Elio Gizzi, // rapporto fra Governo e Regioni, in Quademi Regionali, 1984, n°2/3, pág. 595; Guido Meale, op. cit., págs. 152 e segs.; Italo Borzi, L’ordinainento...

cit., pág. 56.

31 V. Alessandro Catelani, op. cit., págs. 125 e segs.; Giovanni Masciocciu, op.

cit.. págs. 565 e segs..

32 V. Sentenza 24 luglio 1972, n° 142, in Giurisprudenza Costituzionale, 1972,1, pág. 1447. V. ainda Livio Paladin, op. cit., págs. 83 e segs.e 97 e segs..

(15)

AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS 431

2.2. As regiões e o Direito comunitário

parte da doutrina, considerou que esse poder do Estado não infringia as normas constitucionais33.

Refira-se, finalmente, que os diplomas que estabelecem as transferências de poderes administrativos para as regiões não têm valor reforçado e, sendo assim, não se pode excluir, apriori, a possibilidade de o Estado recuperar, no futuro, algumas das competências anteriormente transferidas para as regiões34.

IO problema da articulação entre as regiões e o Direito Comunitário assumiu, em Itália, uma especial relevância. Éque a Constituição italiana, não obstante prever algumas modalidades de controlo dos actos das regiões (pense-se, concretamente, na dissolução do conselho regional, na fiscalização das leis regionais e no controlo dos actos administrativos praticados por órgãos da região35), não estabelece expressamente mecanismos que permitam ultrapassar as omissões ilegais das regiões.

De facto, conforme sublinha ANTONIO D’ATENA, os constituintes, embora se tenham inspirado largamente em algumas soluções do federalismo do centro da Europa, esqueceram-se que as Constituições dos Estados federais admitem expressamente a execução federal (Bundeszwang'), isto é, autorizam a Federação a ultrapassar unilateralmente a inércia dos Estados federados através da prática de actos que lhes estão reservados. Essa omissão constitucional levou o legislador ordinário, a doutrina e a jurisprudência a iniciar um longo debate em tomo das soluções alternativas36.

As diferentes posições adoptadas pelo legislador ordinário e legitimadas pelo Tribunal Constitucional assentam numa ideia comum.

Elas, mais do que expressão da tradicional visão dualista das relações entre Direito interno e Direito internacional37, reflectem, sobretudo, a

33 V.AlessandroCatelani. op. cit.,págs. 130 e segs.; Giovanni Masciocchi, op.

cit., págs.71 esegs.e 575 e segs.; Guido Meale.,op. cit., págs.154 esegs.;LivioPaladin, op.cit., págs. 180 e segs.;AmàncioFerreira, op. cit.,págs. 63e segs..

34 V. GiovanniMasciocchi, op.cit.,págs. 578 e segs..

33 V. AlessandroCatelani, op. cit., págs.159 e segs.; Giovanni Masciocchi. op.

cit., págs. 701 e segs.; Livio Paladin,op. cit., págs.384 e segs..

36 V. Prospettive... cit., loc. cit., pág. 2161.

37 V. GarcIade Enterría/GonzálezCampos/MunozMachado, op. cit.. pág. 437.

emnota.

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II A impossibilidade de o Estado controlar a inércia das regiões esteve na base da concepção,acolhida em 1972pelo legislador italiano, que sustenta que só oEstadotem competência em matéria de execução das obrigações comunitárias. De facto, as transferências de funções administrativas realizadas nesse ano não abrangeram as funções relacionadas com as relações internacionais ou com a Comunidade Europeia, ficando reservadas para o Estado todas as competências relativas à aplicação de regulamentos, directivas e outros actos comunitários. O legisladoradmitiu, é certo, que alguns desses poderes fossemdelegados nasadministraçõesregionais, masoEstado podia, a todootempo, avocar assuas competências39.

O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da solução contida nesses diplomas a pedido de algumas regiões, considerou queelanão infringiaa Constituição. Assim, lê-se na sentença 142 de 1972, redigida por CONSTANTINO MORTATI, que o reconhecimento da competência das regiões para aplicação das normas comunitárias exige que o Estado, únicaentidade responsávelperante a Comunidade, disponha, mesmo em caso de inércia regional, dos instrumentos idóneos para garantir o cumprimento das obrigações comunitárias. Esse tipo de instrumentos não existem no ordenamento jurídico italiano. Opróprio poder de orientação e coordenação previsto na lei ordinárianão constituiresposta adequada, pois,em caso de incumprimento, nãolegitima a intervenção substitutiva do Estado.

Portanto, enquanto não for modificadaessa situação,o único meio capaz de permitir a participação das regiões na concretização das normas comunitárias é a delegação de poderes, pois nesse caso há sempre a preocupaçãodo Estado em asseguraraaplicação correctaeuniforme das normas comunitárias e emevitar que oreconhecimento das competências das regiõespossaconduzir, em caso de incumprimento das obrigações comunitárias, à responsabilidade do Estado italiano perante a Comunidade38.

38 V. Antonio Tizzano. La nouvelle loi italienne pour l'exécution des obligations communautaires, in Revue du Marche' Comntun, 1990, n°339, pág. 537; D’Atena, Le Regioni... cit., pág. 55.

39 V. D'Atena, Le Regioni... cit., págs. 52 e segs.; Prospettive... cit., págs. 2161c segs.; Colinet, op cit, loc cit, págs. 83 e segs..

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AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECTIVAS COMUNITÁRIAS 433

possibilidade de substituição do delegante em caso de incumprimento do delegado40.

III Essa opção legislativa não durou muito tempo. Soluções de compromisso, na lógica da referida decisão do Tribunal Constitucional41, começam a surgir a partir de 1975 e encontram a expressão mais relevante no Decreto do Presidente da República n° 616, de 24 de Julho de 1977.

Esse diploma reconhece que a aplicação do Direito comunitário derivado compete às regiões sempre que incida sobre matérias de interesse regional42.

O legislador introduz, no entanto, duas derrogações importantes à competência das regiões em domínios comunitários.

Por um lado,'considera que o Estado é o único destinatário das directivas comunitárias e, por isso, as regiões só podem concretizar as directivas após a aprovação de uma lei do Estado que as receba no ordenamento jurídico interno. Essa lei da República deve, não apenas indicar os princípios que devem ser respeitados pelo legislador regional, como também incluir normas pormenorizadas que se possam aplicar em caso de inércia legislativa das regiões.

Por outro lado, o Decreto do Presidente da República n° 616, de 24 de Julho de 1977, estende a tutela substitutiva do Estado sobre as regiões, que inicialmente só valia no âmbito do exercício de competências delegadas, aos casos de não cumprimento das obrigações comunitárias por parte dos órgãos regionais43. Assim, após a audição da comissão parlamentar para os assuntos regionais e da região interessada, o Conselho de Ministros pode, desde que se mantenha o incumprimento, adoptar as providências adequadas à situação44.

40 V. Sentenza 24 luglio 1972 142,inGiurisprudenza ....cit. págs. 1450esegs..

41 V.Paolo Caretti, op. cit.,loc. cit., pág. 2228.

42 V.D’Atena, Le Regioni...cit., págs.53 esegs.; Prospettive... cit.,loc.cit.. págs.

2163 e segs.; AntonioLa Pérgola, Regionalismo. Federalismo e potereestero dello Stato.IIcaso italiano ed ildiritto comparato, in Quaderni Regionali,1985, n°3, págs. 952 e segs.; Colinet, op cit, loc cit,págs. 86e segs.;GuidoMeale, op. cit., págs. 78 e segs.;

LivioPaladin, op. cit.,págs.109 e segs.; Paolo Caretti. PoteresostitutivodelloStato e competenze regionali in attuazione di obblighi comunitari, in Giurisprudenza Costituzionale, 1976,1, págs. 2224 e segs..

43 V. ElioGizzi, IIrapporto... cit., págs. 595 e segs..

44 V. La Pérgola, ibidem; Giovanni Masciocchi, op.cit.,págs.17 e segs..

(18)

IV Alterações legislativas posteriores atenuaram, mas não eliminaram, as restrições à competência regional constantes do referido Decreto do Presidente da República n° 616.

Estas derrogações, que, segundo alguns autores, tiveram um efeito devastador sobre o sistema das autonomias regionais45, receberam o aval do Tribunal Constitucional. A jurisprudência constitucional italiana afirma que, neste domínio, o Governo não pode ficar completamente desarmado. A garantia constitucional da autonomia regional não pode ser chamada à colação quando estão em causa limitações da soberania do Estado resultantes da adesão à Comunidade Europeia e, consequentemente, quando importa assegurar o cumprimento das obrigações internacionais e a prossecução do interesse nacional46. Alguns autores retomam essa ideia. Há, por exemplo, quem defenda que o artigo 1 Io da Constituição de 1947 autoriza, não só as limitações de soberania resultantes da integração nas Comunidades Europeias, mas também as intervenções do legislador ordinário que visem adequar a distribuição interna de competências às novas exigências comunitárias47.

OTribunal Constitucional italiano não deixa, no entanto, de sublinhar que as diferentes formas de tutela substitutiva do Estado sobre as regiões têm natureza excepcional e a sua admissibilidade depende da verificação de certos requisitos: em primeiro lugar, os valores que se pretendem salvaguardar devem ser valores constitucionalmente protegidos; em segundo lugar, o exercício do poder de substituição não pode ofender o princípio da proporcionalidade; em terceiro lugar, a intervenção substi­

tutiva deve ser decidida pelo Governo; por último, o procedimento decisório deve respeitar os valores constitucionais que presidem às relações entre o Estado e as regiões e, especialmente, o princípio da leal cooperação48.

45 V. D'Atena, Prospettive... cit., loc. cit., pág. 2164.

46 V., por exemplo, Sentenza 22 luglio 1976 n° 182 (texto da sentença em Paolo

Caretti, op. cit., loc. cit., pág. 2223, em nota).

47 V. La Pérgola, op. cit., págs. 954 e segs..

48 V., porexemplo, Sentenza 9 marzo 1989 n° 101, in Giurisprudenza Costituzionale, 1989, I, págs. 534 e segs.; Giovanni Masciocchi, op. cit., págs. 715 e segs.. Sobre a constitucionalidade do anigo 1 Io da Lei La Pérgola, V. Sentenza 27 luglio 1989 n°460, in Giurisprudenza Costituzionale, 1989,1, págs. 2132 e 2134 e segs..

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435

AS REGIÕES AUTÓNOMAS E A APLICAÇÃO DAS DIRECT1VAS COMUNITÁRIAS

Assim, em 1987, a Lei n° 183 admitiu que, no âmbito da sua competência exclusiva, pri mária ou plena, as regiões dotadas de autonomia especial transpusessem directamente as directivas para o ordenamento interno sem dependência da aprovação da lei de recepção. Todavia, no essencial, o regime anterior permaneceu em vigor49.

A principal inovação da Lei n° 86, de 9 de Março de 1989, designada La Pérgola devido ao nome do Ministro dos Negócios Estrangeiros que a propôs e defendeu em todo o procedimento parlamentar, consiste na introdução na prática legislativa da “lei comunitária”, isto é, uma lei aprovada todos os anos e que procede de uma forma completa e actualizada à adaptação do ordenamento interno às novas imposições comunitárias (quer resultem da adopção de regulamentos, directivas ou decisões comunitárias, quer decorram de sentenças do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias). Em contrapartida, no que toca ao papel das regiões na execução do Direito comunitário derivado, essa lei não apresenta grandes novidades. Desde logo, os n°l e 2 do artigo 9o mantêm a distinção anterior: as regiões de estatuto especial, nas matérias da sua competência exclusiva, podem dar imediatamente concretização às directivas comunitárias; as regiões, ainda que de estatuto ordinário, nas matérias de competência concorrencial, só podem concretizaras directivas após a entrada em vigor da primeira lei comunitária posterior à notificação da directiva. Além disso, o n° 3 do artigo 9o prevê que o legislador nacional indique os princípios que as leis regionais, em matéria concorrencial, não podem derrogar. Acresce que o n° 4 do artigo 9o continua a admitir que, em caso de inércia legislativa das regiões, se apliquem as normas pormenorizadas contidas nas leis do Estado e, por isso, persiste no pressuposto de que estas contêm, não apenas princípios normativos, mas também normas dessa índole. Por último, havendo inércia administrativa de uma região, o artigo 1 Io autoriza a intervenção substitutiva do Estado, desde que seja decidida pelo Conselho de Ministros e seja precedida da notificação da região50.

4’ V. D'Atena, Prospettive... cit.. loc. cit., págs. 2166 e segs.; Antonio Tizzano. op. cit., loc. cit., págs. 533 e segs..

50 V. Antonio Ruggeri, Prime osservazioni sul riparto delle competenze Stato- Regioni nella legge “La Pérgola" e sulla colocazione di ques'ultima e delia legge comunitária nel sistema delle fonti, in Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitário, 1991, n°3, págs. 710e segs.; AntonioTizzano,op. cit.,loc. cit., págs. 536esegs, Giovanni

Masciocchi, op. cit., págs. 10 e segs..

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V A solução que vigora, actualmente, em Itália tem merecido numerosas e importantes críticas. Para grande parte da doutrina, “o problema não foi ainda resolvido nem de maneira definitiva nem, sobretudo, de maneira satisfatória”51.

Desde logo, alguns autores defendem que o facto de a Constituição italiana não autorizar a Bundeszwang não significa que o Estado esteja totalmente desarmado perante a eventual inércia regional. Há a possibilidade de dissolução antecipada do conselho regional (artigo 126°) e de o Governo aprovar decretos-leis em situações extraordinárias de necessidade e de urgência (artigo 77o)52.

Além disso, parte da doutrina recusa a exigência do prévio exequatur do Estado para que as regiões possam concretizar as directivas comunitárias53 e nega, neste domínio, qualquer validade à distinção legal entre regiões ordinárias e regiões dotadas de autonomia especial. É que das duas uma: ou se entende que as directivas não podem vincular directamente as regiões e, então, a solução legal deve ser criticada porque permite, em certos casos, que as regiões de autonomia especial transponham directamente as directivas comunitárias; ou se admite que as directivas podem vincular directamente as regiões e, sendo assim, a exigência da interposição de uma lei de recepção nas matérias de competência concorrente merece reparos, porque não se harmoniza com o facto de hoje se reconhecer pacificamente que a prévia aprovação das leggi cornice não constitui condição necessária para o exercício da competência legislativa regional e não tem em conta que as directivas já contêm, normalmente, os princípios que não podem ser contrariados pelas leis nacionais e, por isso, apresentam alguma analogia com as leggi- comice54.

As críticas versam finalmente, sobre a consagração legal da tutela substitutiva do Estado sobre as regiões. Por exemplo, PAOLO C ARETTI, um dos autores que primeiro se insurgiu contra essa solução, não só chama a atenção para o facto de o legislador ordinário ter dado um relevo

51 V. Antonio Tizzano, op. cit., pág. 536.

32 V. D’Atena, Le Regioni... cit., págs. 59 e segs. e 83 e segs.; Prospettive... cit., loc. cit.. págs. 2162 e segs.; Paolo Caretti, op. cit., loc. cit., págs. 2235 e segs..

33 V. D’Atena, Le Regioni... cit., págs. 66 e segs..

54 V. D’Atena, Le Regioni... cit., págs. 92 e segs.; Prospettive... cit., loc. cit., pág.

2167; Antonio Ruggeri, op. cit., loc. cit., págs. 712 e segs..

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