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Um grande número de textos paulinos como 2 Cor.12, revelam que experiências religiosas extáticas se constituíram em um significativo aspecto da vida do apóstolo em sua busca do divino. Em um relato de primeira mão, Paulo não apenas alude a uma experiência extática, como toma parte na mesma. No entanto, elementos extáticos nas cartas paulinas passam como despercebidos nas exegeses desses textos. Segundo Shantz, a resistência da imagem de Paulo como um extático pode ser vista como um exemplo de uma aversão cultural difundida que atravessa as disciplinas acadêmicas e não apenas é restrita à academia. O excesso de ênfase nos aspectos negativos da prática extática nas comunidades paulinas tem, de acordo com Shantz, contribuído para a negligência da experiência religiosa extática como uma categoria dos estudos paulinos471.

469 BEAUREGARD, Mario; O’LEARY, Denyse. The spiritual Brain. A neuroscientist’s Case for the Existence of the Soul. New York: Harper Collins Publishers, 2007. p. 150.

470 BRANDT, Pierre-Yves; CLÉMENT, Fabrice; MANNING, Russel Re. Neurotheology: chalenges and opportunities. Schweizer Archiv für neurologie und psychiatrie, 2010, 161 (8) p. 305-309.

471 SHANTZ, Colleen. Paul in Ecstasy. The Neurobiology of the Apostle’s Life and Though. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. p. 21, 38.

Como foi abordado, modelos científicos têm tentado descrever de forma tão completa quanto possível o mecanismo da neurologia humana que acompanha o êxtase religioso. A importância desses modelos é desvendar como aspectos neurocognitivos do fenômeno podem iluminar o difícil relato de Paulo sobre sua ascensão, explicando duas características geralmente negligenciadas, mas importantes do relato do apóstolo: sua confusão sobre o

status do seu corpo e sua afirmação sobre a audição inefável. No modelo de Joseph foi

demonstrado que uma superativação ou uma estimulação elétrica da amígdala – hipocampo – lobo temporal pode causar a alguns indivíduos relatos tais como se eles tivessem deixado seus próprios corpos. Seus egos e o sentido de sua identidade pessoal pareciam ter sido separados, de tal forma que flutuavam, experimentando sensações extraordinárias “fora do corpo”. Em uma experiência fora do corpo a pessoa vê o mundo de uma perspectiva diferente, não tendo a capacidade de decidir se ela está em um corpo duplo, ou no seu próprio corpo.

D’Aquili e Newberg defendem a existência de duas classes de mecanismos neuropsicológicos que fundamentam o desenvolvimento da experiência religiosa e comportamentos: “operador causal” e “operador holístico”. O operador holístico reside no lobo parietal do hemisfério direito, mais especificamente no lobo parietal superior posterior é caracterizado pelos autores como “áreas de associação e orientação”, pois está fortemente envolvido na análise e integração de informação de alto nível, visual, auditiva, e do senso de percepção do corpo. Suas funções são muito importantes para a distinção entre o próprio “eu”, ou self e o mundo externo, e os outros “eus”.

As tecnologias de imagens do cérebro humano tais como o PET e fMRI desenvolvidas nos anos recentes oferecem novas oportunidades para explorar os aspectos corporais da experiência religiosa. Durante o êxtase, de um lado, os sentidos corporais ficam bloqueados da consciência, de outro a atividade eferente da área de associação é mais intensa do que o normal. Isso dificulta a percepção por parte do apóstolo ou de qualquer místico quanto ao

status do seu corpo durante a ascensão. Desprovido dos sinais sensoriais que informam tal

estado torna-se impossível para Paulo assumir com segurança que sua viagem foi “no corpo”, ou “fora do corpo”. Da mesma forma, ao descrever ter ouvido palavras inefáveis, Paulo não apenas confirma uma tradição mística, mas vai mais além sinalizando não um “ouvir” físico, mas um “ouvir” que faz parte de um estado alterado de consciência.

Se tomados juntos esses recentes achados neurocientíficos, pode-se deduzir que qualquer investigação séria da dimensão experimental da religião deve combinar fatores culturais, e mecanismos psicobiológicos que ativados seja por rituais ou técnicas de transcedência do indivíduo desencadeiam o surgimento dos estados alterados de consciência, o transe religioso. Dentro de uma abordagem interdisciplinar, a neurociência provê respostas convincentes para as duas questões trazidas neste capítulo: a dúvida de Paulo quanto ao estado de seu corpo durante a ascensão e a afirmação de ter ouvido “palavras inefáveis”. A experiência religiosa de Paulo relatada em 2 Coríntios 12,1-10 não pode ser explicada como consequência de um ataque epiléptico, nem de alucinações associadas a distúrbios do lobo temporal, mas como uma correlação entre atividade cerebral e a experiência do apóstolo, o êxtase religioso, onde os limites do corpo parecem ser dissolvidos durante o transe.

4.6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O título deste capítulo levanta uma questão sobre a experiência mística e o cérebro humano no esforço de detectar correlatos neurais do divino que acompanham essas experiências. Não é um trabalho fácil combinar conceitos teológicos e científicos. Na concepção deste trabalho, deixou-se claro, entretanto, que a ciência não implica em ateísmo, uma vez que se reconhece que certas proposições teológicas são consistentes com a ciência contemporânea. A integração da ciência e religião foi fundamental para o estabelecimento de um quadro que permitiu o desenvolvimento de uma análise coerente de certos aspectos de difícil interpretação no relato paulino em 2 Coríntios 12,1-10, como por exemplo, a dúvida do apóstolo quanto ao status do seu corpo durante a ascensão ao céu.

O mérito da neurociência é a demonstração de que nada pode ser percebido sem a atividade cerebral. É a mente e o cérebro que são responsáveis por todas as experiências humanas e, de alguma forma, medeiam as experiências com o sobrenatural. No entanto, a experiência religiosa não pode ser reduzida às estruturas e processos físicos do cérebro. Na verdade, modelos sobre experiências místicas, analisados neste capitulo, mostraram que complexos processos cognitivo e emocional revelaram ser mediados por redes neurais que compreendem várias regiões cerebrais. Isso por sua vez torna improvável a hipótese de que exista uma parte “divina” no cérebro responsável por cognições espirituais, sensações e comportamentos. Localizar experiência religiosa mística em genes parece não funcionar.

Não há dúvida de que as experiências místicas são mediadas, de forma geral, através de uma arquitetura cognitiva padrão. Mas isso dificilmente as explica. Nas palavras de James472, o cérebro medeia, mas não produz a experiência mística. O cérebro não gera, mas transmite e expressa processos mentais. Existem questões fundamentais que a neurociência em si não pode responder de forma completa. Por que o ser humano experimenta a transcendência? Por que os seres humanos não são autossuficientes em suas composições biológicas? O que faz os humanos seres “espirituais”? O que impele o ser humano de buscar relacionamento fora e além dele mesmo? Por que o ser humano necessita ou deseja meditar ou orar? Essas questões levantadas por Delio473 revelam que essas questões primordiais não podem ser inteiramente respondidas apenas pela neurociência.

Com certeza, caminhos necessitam ser exploradas para melhor elucidar os intricados mecanismos em que estão embasadas as práticas meditativas. Muito trabalho permanece para ser feito nos mecanismos neurais que constituem a base do comportamento instintivo humano. A não ser que a neurociência possa explicar questões, tais como as levantadas neste estudo, ela não poderá demonstrar que a experiência religiosa é somente um produto do cérebro humano. Isto vai ao encontro da conclusão tirada por Caltagirone e Hosinsky474 de que a pesquisa recente não tem conseguido demonstrar que a experiência religiosa é causada por processos neurológicos, mas o que ela realmente mostra é que existem processos neurológicos específicos que estão associadas com a experiência mística. Isso responde à pergunta do título deste capítulo.

472 JAMES William. In BEAUREGARD, Mario; O’LEARY, Denyse. The Spiritual Brain. A Neuroscientist’s

Case for the Existence of the Soul. New York: HarperCollins Publishers, 2008. p. 292.

473 DELIO, Ilia. Brain Science and the Biology of Belief: A Theological Response. In: Zygon, vol.38,no.3. p. 573-585, 2003. p. 580.

474 CALTAGIRONE, S.; HOSINSKI, T. apud BARTOCCI, Goffredo; DEIN, Simon. Detachment: Gateway to the World of Spirituality. Transcultural Psychiatry, Vol 42 (4) p. 545-569, 2005. p. 556.

V – UMA RELEITURA DE 2 CORÍNTIOS 12,1-10 EM UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

A genuine spiritual life is not one consisting of a series of disconnected and undefined experiences occurring at random, it is a constant dynamic process incorporating every element of our being.

(Steven Batchelor)475.