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O relato da ascensão de Paulo ao Terceiro céu/Paraíso, dentro da perícope estudada, se resume apenas aos versículos 2-4. O texto não é de fácil entendimento. Ele se refere a uma figura que foi arrebatada ao céu, mas o autor não é claro quanto ao tipo de ascensão, se no corpo ou fora dele. Durante essa experiência o autor recebe uma revelação cuja divulgação não lhe é permitido, nem é considerado lícito. Enquanto os relatos anteriores de ascensão se constituíram de narrativas que ocuparam grande parte dos livros, ou mesmo a obra toda, o relato da ascensão de Paulo em 2 Co 12 é extremamente breve, com 59 palavras de descrição.

2.6.1 2 Coríntios 12.1-10

1 Kauca/sqai dei/( ouv sumfe,ron me,n( evleu,somai de. eivj ovptasi,aj kai. avpokalu,yeij kuri,ouÅ 2 oi=da a;nqrwpon evn Cristw/| pro. evtw/n dekatessa,rwn( ei;te evn sw,mati ouvk oi=da( ei;te evkto.j tou/ sw,matoj ouvk oi=da( o` qeo.j oi=den( a`rpage,nta to.n toiou/ton e[wj tri,tou ouvranou/Å 3 kai. oi=da to.n toiou/ton a;nqrwpon( ei;te evn sw,mati ei;te cwri.j tou/ sw,matoj ouvk oi=da( o` qeo.j oi=den( 4 o[ti h`rpa,gh eivj to.n para,deison kai. h;kousen a;rrhta r`h,mata a] ouvk evxo.n avnqrw,pw| lalh/saiÅ 5 u`pe.r tou/ toiou,tou kauch,somai( u`pe.r de. evmautou/ ouv kauch,somai eiv mh. evn tai/j avsqenei,aijÅ 6 VEa.n ga.r qelh,sw kauch,sasqai( ouvk e;somai a;frwn( avlh,qeian ga.r evrw/\ fei,domai de,( mh, tij eivj evme. logi,shtai u`pe.r o] ble,pei me h' avkou,ei ÎtiÐ evx evmou/ 7 kai. th/| u`perbolh/| tw/n avpokalu,yewnÅ dio. i[na mh. u`perai,rwmai( evdo,qh moi sko,loy th/| sarki,( a;ggeloj satana/( i[na me kolafi,zh|( i[na mh. u`perai,rwmaiÅ 8 u`pe.r tou,tou tri.j to.n ku,rion pareka,lesa i[na avposth/| avpV evmou/Å 9 kai. ei;rhke,n moi\ avrkei/ soi h` ca,rij mou( h` ga.r du,namij evn avsqenei,a| telei/taiÅ ~´Hdista ou=n ma/llon kauch,somai evn tai/j avsqenei,aij mou( i[na evpiskhnw,sh| evpV evme. h` du,namij tou/ Cristou/Å 10 dio. euvdokw/ evn avsqenei,aij( evn u[bresin( evn avna,gkaij( evn diwgmoi/j kai. stenocwri,aij( u`pe.r Cristou/\ o[tan ga.r avsqenw/( to,te dunato,j eivmiÅ193

2 Coríntios 12,1-10 (Tradução)

1É necessário gloriar, não é proveitoso, eu passarei para as visões e revelações do Senhor. 2 Eu conheço um homem em Cristo (que) catorze anos atrás se no corpo eu não sei, ou fora do corpo eu não sei, Deus sabe, tal homem foi arrebatado ao terceiro céu. 3 E eu conheço tal homem, se no corpo ou à parte (separado) do corpo, eu não sei, Deus sabe, 4 porque ele foi arrebatado para dentro do Paraíso e ouviu palavras inefáveis que não são permitidas ao homem falar. 5 Em nome de tal pessoa eu gloriarei, mas em meu nome eu não gloriarei exceto nas fraquezas, 6 Pois se eu quiser gloriar, eu não serei tolo (néscio, bobo, ridículo), eu direi a verdade; mas eu me abstenho, a fim de que ninguém possa pensar sobre mim além do que ele vê de mim ou ouve de mim 7 por causa da qualidade das revelações. Portanto a fim de que eu não me exaltasse, um espinho foi-me dado na carne, um anjo de satanás, a fim de me esbofetear a fim de que eu não me exalte. 8 Por causa disso eu pedi ao Senhor três vezes que ele o removesse de mim.

9 E Ele me disse, “minha graça é suficiente para ti, pois o poder é completado (se completa) na fraqueza. Portanto eu me gloriarei mais prazerosamente nas minhas fraquezas, de forma que o poder de Cristo possa habitar (viver) em mim. 10 portanto eu estou contente em fraquezas, em maltrato, em perigos, em

perseguições e angústias em nome de Cristo; pois sempre que eu sou fraco, então é que eu sou forte.194

2 Cor 12.1-10, pertence ao bloco de capítulos, 10-13 da carta canônica do apóstolo Paulo aos

coríntios. Paulo é o escritor da carta. Um dos mais importantes problemas textuais da epístola é a sua unidade. Na pesquisa acadêmica, os blocos 1-9 e 10-13 são considerados como cartas separadas. Há uma mudança abrupta na passagem do primeiro bloco para o segundo, não apenas no assunto, mas também no tom e estilo. No capítulo 9, Paulo faz referência ao anseio dos coríntios em contribuir para uma coleta para Jerusalém, e parece otimista quanto a isto. No capítulo 10, entretanto, o tema passa repentinamente para o status e autoridade de Paulo como apóstolo dos coríntios, e ele se mostra claramente perturbado sobre a situação na congregação. Há uma mudança de tom, da alegria dos capítulos anteriores195 para um tom reprovativo e até amargo dos capítulos 10-13.

A epístola como um todo foi escrita no mesmo ano, por volta de 55-6 d.C.196, e conforme as referências de 2 Co 2,13; 7,5, e 8,1, o lugar de procedência é muito provavelmente a Macedônia, lugar onde Paulo se engajou em uma breve obra missionária nas fronteiras do Ilírico (Rm. 15,19). Trata-se de um relato de primeira mão, escrito em grego koinê. 2

Coríntios está incluída dentro do gênero de cartas que corresponde a quase 80% do Novo

Testamento. De forma diferente dos outros relatos, o contexto da ascensão de Paulo é usado como uma parte do argumento da epístola, a discussão pela reivindicação de sua autoridade apostólica. O foco da ascensão está na identidade desses oponentes e, consequentemente, na sua defesa nesta situação.

Alguns problemas têm surgido em torno do relato, entre eles a possibilidade de mais de uma viagem está incluída na mesma narrativa. Para Rowland197, o que não está claro é se Paulo está se referindo a duas experiências separadas, ou a uma experiência composta de duas partes definidas falando do mesmo evento, ou ainda, se está falando do mesmo evento de forma paralela. Essa última parece ser a mais favorável para os comentaristas. Paulo diz que foi arrebatado até o Terceiro Céu/Paraíso. O fato de o Paraíso ser, eventualmente, localizado no Terceiro Céu (2 Enoque 8) poderia não ser suficiente para rejeitar um paralelismo entre as

194 Tradução livre.

195 Ver especialmente 7.13-16.

196 Para Thrall, o ano provável é 54 d.C.. THRALL, Margaret E. The Second Epistle to the Corinthians. Volume 1. A Critical and Exegetical Commentary. Edinburgh: T&T Clark Ltd., 1994. p. 77.

197 ROWLAND, Christopher. The Open Heaven: A Study of Apocalyptic in Judaism and Early Christianity. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2002. p. 381.

duas seções (2 Cor 12,2,4). A justificativa que é usada para crer tratar-se de duas partes da mesma experiência, e não versos paralelos, é que o visionário frequentemente viaja por diferentes partes do reino celestial, antes de alcançar o seu destino, a presença de Deus em si. Ele descreve vários estágios da jornada, como foram vistos em Testamento de Levi e 2

Enoque.

É só no ponto mais alto da ascensão que são mostrados ao visionário os segredos divinos. Dado que no texto a audição é mencionada somente depois da subida ao Paraíso (12,4), há a suposição de que é a parte final da viagem. Paulo não diz que alcançou o mais alto céu, mas que alcançou o Paraíso. A palavra grega para,deisoj (Paraíso) derivada da palavra persa que significa (pomar) tem um importante papel a desempenhar no grego do Antigo Testamento como uma forma de referir-se ao Jardim do Éden. Este sentido continuou a ser usado no hebraico recente. Na literatura judaica, no grego da Septuaginta o uso continuou, mas em alguns textos Paraíso tomou um aspecto escatológico, influenciando crenças escatológicas (Testamento de Levi 18,10; Ap.2,7). Em uma concepção contemporânea, o Paraíso está localizado no céu, a ser revelado apenas nos últimos dias (1 En 70,4; 4 Ed 4,7ss; Vida de

Adão e Eva 25,3).

No clímax de sua ascensão, Paulo narra que ouviu a;rrhta r`h,mata ‘palavras que não podem ser ditas’. No texto grego do Papiro Mágico encontra-se a expressão ‘não é permitido falar por boca humana’ (PGM 13. 763, cf. Poimandres 31). Estaria Paulo se referindo à língua dos anjos? (1 Cor 13). Nos relatos dos apocalipses anteriores foi visto que é no final da ascensão que o visionário encontra a presença de Deus. Diferente dos outros apocalipses, o apóstolo não se sente em posição de comunicar o que ele ouviu e vê a necessidade de guardar este mistério para si, mesmo sabendo que tem divulgado outros mistérios à igreja. Isso pode conduzir, por outro lado, a uma suposição de que se trata de uma experiência extática, quando a consciência do ser está fora do corpo durante a ascensão.

Paulo usa uma linguagem tradicional do estilo apocalíptico judaico. O uso do verbo grego arpa,jw (arrebatar) para descrever o seu rapto ao céu (vs. 2,4) parece ser uma tentativa de deixar claro que sua experiência foi involuntária. O mesmo verbo é usado por Paulo em 1 Ts 4,17. Apesar da brevidade, o texto demonstra a influência da literatura apocalíptica no pensamento paulino. Se for tomada a literatura apocalíptica judaica como paralelo para esta

forma literária surge o confronto imediato com o recurso habitual da apocalíptica à pseudepigrafia. Embora nesta passagem não se recorra a este artifício, o fato de Paulo falar em nome de outro ajuda a caracterizar este texto como exemplo da apocalíptica judaica.