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A Extinção das Aldeias Indígenas no Ceará

No documento Índios e Terras Ceará: 1850-1880. (páginas 158-161)

CAPÍTULO 5 – O ANTIINDIGENISMO NO SÉCULO

6.1 A Extinção das Aldeias Indígenas no Ceará

O Decreto no 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que regulamenta a Lei de Terras, de 1850, confirma, no seu Art. 75, a concessão, aos índios, do pleno gozo das terras. Observada sob o ponto de vista da intenção da Lei, essa medida pode ser entendida como um grande avanço, no que diz respeito aos direitos dos índios. No sentido prático, o que se observa é a institucionalização de mecanismos que possibilitarão a burla deliberada e freqüente desses direitos, dentre eles o processo de “desaparecimento” indígena.

39 Livro: L. 01. Correspondência do ministério do império ao presidente da província do Ceará –

Cunha considera a Lei de Terras como um dos fatores a contribuir para a consolidação do processo de desestruturação da sociedade indígena aldeada:

Na verdade, a Lei das Terras inaugura uma política agressiva em relação às terras das aldeias: um mês após a sua promulgação, uma decisão do Império manda incorporar aos próprios nacionais as terras de aldeias de índios que vivem dispersos e confundidos na massa da população civilizada, ou seja, após ter durante um século favorecido o estabelecimento de estranhos junto ou mesmo dentro das terras das aldeias, o governo usa o duplo critério da existência de população não-indígena e de uma aparente assimilação para despojar as aldeias de suas terras (1992, p. 21).

No correr da segunda metade do século XIX, na construção da negação da existência de índios, o governo da Província do Ceará, primeiramente, estimulou a entrada de colonos não-brancos nas terras indígenas, para, logo em seguida, afirmar uma suposta assimilação cultural, por parte desses índios. Acreditava-se que em um relacionamento cotidiano pacífico entre moradores brancos e índios, suas diferenças se extinguiriam naturalmente40. Obviamente esse processo não aconteceu.

Os moradores, sempre com a conivência dos Diretores de Aldeias, foram alargando as suas posses e deslocando os índios da condição de proprietários à condição de rendeiros de suas próprias terras. A introdução de moradores nas terras de aldeias não aconteceu sob livre e espontânea vontade dos índios. Estes, sempre que puderam, repudiaram a presença de estranhos no seu meio social. Conforme já vimos, essa rejeição ocorreu, muitas vezes, de maneira violenta.

A história da expropriação das terras indígenas compôs-se de várias etapas, gradual e continuamente construídas. Essas etapas desembocaram, como venho tentando mostrar, na construção do “desaparecimento” indígena no Ceará.

Começa-se por concentrar em aldeamentos as chamadas hordas selvagens, liberando-se vastas áreas, sobre as quais seus títulos eram inconstantes, e trocando-as por limitadas terras de aldeias; ao mesmo tempo, encoraja-se o estabelecimento de estranhos em sua vizinhança; concedem-se terras inalienáveis às aldeias e concentram- se grupos distintos. A seguir, extinguem-se aldeias a pretexto de que os índios se acham confundidos com a massa da população; ignora-se o dispositivo da lei que atribui aos índios a propriedade das terras das aldeias extintas e concedem-se-lhes apenas lotes dentro delas; revertem-se às áreas restantes ao império e depois às províncias que as repassam aos municípios para que as vendam aos foreiros ou as utilizem para a criação de novos centros de população. (CUNHA, 1992a, p. 23).

40 Leis do diretório. § 80 – 86.

As políticas indígenas elaboradas pelos poderes públicos, quase sempre mal aplicadas e corriqueiramente desrespeitadas, contribuíram para a desestruturação da vida indígena em seus vários aspectos. O Regulamento das Missões, de 1845, e a Lei das Terras, de 1850, constituíram-se em dois eficientes instrumentos para a integração forçada do índio à sociedade e a incorporação do pouco que sobrou das terras indígenas. O governo construiu paulatinamente as condições necessárias para justificar o “desaparecimento” dos povos indígenas em várias localidades do Brasil.

O “desaparecimento” dos índios tem uma dupla face. Oficialmente, os índios são tomados como “civilizados”, uma vez que se haviam integrado à sociedade local. Com isto, a morte étnica dos índios estaria assegurada. Mas, ao invés de efetivamente “desaparecerem”, os índios continuavam resistindo à sua incorporação à população regional. Desse modo, resistiam também à usurpação de suas terras. Reapareciam, continuavam a aparecer. Isso exigia uma nova atenção do poder local para com os índios.

Conforme estudos de Porto Alegre (1992/1993, p. 214), o índio aparece e ganha visibilidade quando passa a se constituir em uma realidade problemática a ser enfrentada pelos interesses contrariados do projeto colonizador. Contudo, à medida que esse problema era “resolvido” o índio deixava de ser visto – desaparecia.

O “desaparecimento” dos índios era útil para a extinção de suas aldeias e a subseqüente apropriação de suas terras. Com efeito, com a declaração da inexistência de seus proprietários ancestrais, as terras passavam a ser consideradas devolutas. Essa interpretação encerra uma manobra voltada para justificar a expropriação, uma vez que eram consideradas terras devolutas as que fossem caracterizadas como desabilitadas e improdutivas.

A qualificação de uma terra como terra devoluta passava pelo reconhecimento de que, naquela área, não havia moradores. A elite dominante interpretava, então, a ausência temporária dos índios, em virtude das suas migrações e deslocamentos, como um abandono das terras. Nesse sentido, os índios nunca abandonaram suas aldeias. As terras das aldeias declaradas extintas pelo poder provincial eram efetivamente habitadas e exploradas pelos índios, embora eles não fossem mais reconhecidos enquanto tal.

A redução dos índios Tremembé ao regime das missões só se tornou possível depois que eles haviam sofrido significativas baixas no grupo, fruto de sucessivos confrontos, não possuindo mais o mesmo poder de resistência. Dessa forma, em 1766, o governador Borges da Fonseca reuniu os índios na missão localizada à margem do Aracatimirim, que logo passou a ser nomeada missão de Almofala (STUDART FILHO, 1959). Foram aldeados sob orientação dos padres da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição. O aldeamento de Almofala funcionou normalmente até meados do Século XIX, sendo em seguida extinto pelo Governo da Província do Ceará: “Lei no 873, de 16 de setembro de 1858 – Art. Único. Fica suprimido o Diretório de Almofala, no termo de Acaracu, e revogada a Lei de sua criação e mais disposições em contrário”.

Entre os anos de 1855 e 1857, algumas famílias Tremembé buscaram o reconhecimento de frações de terras pertencentes ao antigo aldeamento de Almofala, para instalação de suas residências e subsistência, embora, com o correr do tempo essas terras tenham sofrido freqüentes invasões (VALE in OLIVEIRA, 2004). As pessoas que tiveram o direito de propriedade da terra reconhecido, assim como a situação geográfica dessas terras podem ser observadas na tabela abaixo:

REGISTRO DE TERRAS INDÍGENAS RECONHECIDAS PELO GOVERNO DA PROVÍNCIA DO

CEARÁ EM ALMOFALA, NA FREGUEZIA DA BARRA DO ACARAÚ,

No documento Índios e Terras Ceará: 1850-1880. (páginas 158-161)