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Fontes Documentais: Índios e Terras na Segunda Metade do Século

No documento Índios e Terras Ceará: 1850-1880. (páginas 34-38)

CAPÍTULO 2 – DESAFIOS DA HISTÓRIA INDÍGENA E DO INDIGENISMO

2.1 Fontes Documentais: Índios e Terras na Segunda Metade do Século

A temática indígena, referente ao século XIX, no Brasil, conta com significativas pesquisas sobre diversos aspectos e períodos, realizadas em diferentes regiões do país. Dentre essas produções, foram focalizadas as obras

mais representativas para as análises aqui desenvolvidas, em virtude de aportarem importantes pistas para o objeto de estudo delimitado.2

Relevante, contribuição acerca da problemática indígena no século XIX surgiu em 1988, quando o Núcleo de Apoio à Pesquisa de História Indígena e Indigenismo, da Universidade de São Paulo, sob a coordenação da professora Manuela Carneiro da Cunha, desencadeou um projeto de pesquisa de âmbito nacional, com o propósito de construir um guia de fontes referentes à História Indígena e o Indigenismo em arquivos brasileiros. Como fruto deste trabalho de pesquisa, foi editada uma compilação de documentos sobre a legislação indígena do século XIX, abrangendo o período desde a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, até a Proclamação da República, em 1889. A citada compilação é constituída por um elenco de informações que focalizam vários aspectos sobre a questão indígena em várias regiões do país. Sem dúvida, trata-se de um material indispensável aos pesquisadores que desejem debruçar-se sobre a temática em questão.

Outra contribuição importante resultou do trabalho do grupo de professores dos Departamentos de Ciências Sociais e de História, da Universidade Federal do Ceará, coordenado pelos professores John Monteiro e Maria Sylvia Porto Alegre. Este grupo produziu um levantamento de fontes arquivistas na cidade de Fortaleza, em 1991, elaborando um guia de fontes relativo à documentação indígena dos séculos XVIII e XIX. Com a conclusão da pesquisa, o grupo deu continuidade ao projeto de investigação, tendo como desfecho a publicação, em 1994, do livro Documentos para História Indígena no Nordeste, organizado pelas professoras Maria Sylvia Porto Alegre, Marlene da Silva Mariz e Beatriz Góis, referente ao Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe. O livro reúne fontes, na maioria dos casos inéditas, sobre vários aspectos da vida dos povos indígenas que habitavam essas regiões, durante o século XIX.

Em vez de pretenderem esgotar as possibilidades de pesquisa sobre períodos determinados, esses trabalhos suscitam estudos sobre vários

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Malheiros (1976); Moreira Neto (1988); Dantas (1992); Gagliardi (1989); Cunha (1992); Porto Alegre (1994).

aspectos que continuam passíveis de serem abordados mediante análise dos documentos existentes nas prateleiras dos nossos arquivos.

Reconstruir a história dos povos indígenas do Ceará, no período delimitado por esta pesquisa, na perspectiva de compreender o processo de expropriação de suas terras e do seu “desaparecimento” é enfrentar os limites impostos pela natureza da documentação oficial, já que, expressa somente a ótica, o sentimento e os interesses da classe que se constituía como dominante, nesta província.

Outra dificuldade encontrada, diz respeito às limitações dos dados demográficos e cartográficos que, na maioria das vezes, são dispersos e desencontrados, impedindo, em algumas situações, a apreensão do contexto social em estudo.

Nesta pesquisa histórica sobre o passado da população indígena aldeada no Ceará, foram analisadas fontes primárias de caráter oficial. Os documentos da maioria dos municípios da Província do Ceará, nos períodos colonial e imperial, estão concentrados no Arquivo Público do Estado do Ceará, que reúne grande parte da memória histórica do povo cearense.

Uma particularidade da documentação analisada, conforme foi citado na Seção 2.1, consiste no fato de que no Arquivo inexistem registros produzidos pelos índios, sobre o período em estudo. No entanto, embora os documentos expressem a versão dos dominantes, uma leitura crítica deles permite compreender a dinâmica das relações estabelecidas e os interesses em jogo.

Dentre os documentos analisados, há vários tipos de correspondência entre os governos imperial e provincial. A do período de 1850 a 1860 retrata, principalmente, a aprovação da Lei de Terras, em 1850, e sua regulamentação, em 1854. A partir de 1861, essa correspondência se avoluma, em virtude da criação do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em substituição à Repartição Geral das Terras Públicas. Esses documentos permitem observar diversos aspectos da organização social dos povos indígenas aldeados no Ceará, e, em particular, o seu “desaparecimento” em consequência da incorporação de suas terras pelos “próprios nacionais”,

conforme denominação usada nos documentos oficiais da época quando se referiam aos não-índios.

O conjunto de documentos da Secretaria do Governo da Província do Ceará sobre o processo de demarcação das terras indígenas é de grande importância para esta pesquisa, porque neles se encontram registros de ofícios dirigidos aos encarregados da estatística, da iluminação pública, da catequese de índios, bem como aos encarregados das juntas emancipadoras de escravos. Dentre esses documentos acham-se também os ofícios do Governo da Província dirigidos aos Juízes Comissionários das terras indígenas, os quais eram encarregados de realizar a medição e a discriminação das terras sujeitas à revalidação e legitimação.

O repertório de ofícios dirigidos pelo Presidente da Província às Câmaras Municipais de diversas vilas é igualmente importante para que se compreenda a atuação dos Poderes Legislativos locais relativamente aos índios aldeados do Ceará, na segunda metade do século XIX. Essas Câmaras legislavam, muitas vezes, em causa própria e em prejuízo dos índios e eram freqüentemente denunciadas pela apropriação indevida das terras de aldeias localizadas em áreas de sua atuação e pertencentes às aldeias dos índios.

Os ofícios do Presidente da Província do Ceará para os Promotores, Chefes de Polícia, Delegados e Subdelegados de diversas localidades são reveladores das relações entre o Poder Judiciário provincial e à sociedade indígena aldeada. Neles há referências às violências de natureza física, moral e material aplicadas contra os índios. Destacam-se as denúncias sobre o modo arbitrário como os moradores tratavam o patrimônio dos índios.

A análise desses documentos em articulação com o contexto social da época indica que a problemática indígena no Ceará, durante a segunda metade do Século XIX, esteve intrinsecamente associada à questão da terra. Por este prisma, o discurso elaborado pela elite dominante local sobre o alegado desaparecimento da forte presença dos índios nos limites territoriais da província constituiu-se em subterfúgio para justificar a apropriação do pouco que restou das terras e transformar um número significativo de índios em mão-de-obra assalariada a serviço dos grandes fazendeiros.

CAPÍTULO 3 – CLASSIFICAÇÃO ETNOLINGÜÍSTICA DOS ÍNDIOS, NO BRASIL

No documento Índios e Terras Ceará: 1850-1880. (páginas 34-38)