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PRIMEIRA INFÂNCIA Desafios

2. ESTUDOS SOBRE A AUTONOMIA ADOLESCENTE

2.2. A FAMÍLIA

Se, por um lado, constatamos que as diferentes normas e valores culturais produzem alterações na forma como as famílias e os adoles- centes em geral lidam com as questões da transição adolescente para o estatuto de adulto, por outro lado, essas normas, dentro dum mesmo con- texto cultural, nem sempre são explicitas nem uniformes.

Nas sociedades industriais ocidentais, onde as mudanças sociais são rápidas e onde são por vezes os próprios adolescentes os definidores da cultura (Mead, 1970), a indefinição quanto ao estatuto de autonomia adolescente permanece e encontra expressão na variabilidade inter- cultural dos deveres e direitos deste grupo etário.

Argumenta-se mesmo que a ambivalência quanto aos direitos dos adolescentes decorre em parte da incerteza sobre se os adolescentes podem ser considerados "pessoas autónomas" ou não. As dúvidas sobre a autonomia adolescente radicam no problema da competência ou incompetência dos adolescentes em tomar decisões. Na opinião de Melton

(1983), por exemplo, a competência do adolescente em tomar decisões foi largamente comprovada pela investigação psicológica e o seu reconhecimento como pessoa autónoma, plenamente capaz de tomar decisões quanto às questões privadas (tratamentos médicos, contracepção, aborto, etc.) traria grandes benefícios psicológicos e sociais.

E de admitir que a indefinição das normas sociais, juntamente com outros factores, alguns deles equacionados no Cap. I, contribuam para transformar a socialização da transição do estado de dependência para um estatuto de pessoa adulta, numa questão altamente dependente das práticas educativas e das interacções familiares.

Algumas famílias, numa mesma sociedade, concedem um grande grau de autonomia aos seus filhos adolescentes, outras, pelo contrário, reforçam os padrões de controlo.

Uma das questões que, nesta área, tem interessado os investigadores é conhecer a relação que existe entre a autonomia concedida ao adoles- cente e a classe social de pertença. Vários estudos foram conduzidos nesse sentido: encontrar as correlações entre o estatuto sócio-económico dos pais e o grau de autonomia nos seus filhos adolescentes.

Psathas (1957) estuda a influência da variável classe social em adolescentes do sexo masculino, de origem étnica diferente (italiana, judia e outras etnias) vivendo nos E.U.A., e correlaciona a classe so- cial dos pais com a percepção da quantidade de autonomia que os adoles- centes sentem ter em quatro dimensões: Permissividade nas Actividades

fora de Casa, Consideração pelo Julgamento dos Pais, Actividades com Implicações no Estatuto e Permissividade nas Actividades Relacionadas com a Idade.

Estas dimensões foram isoladas factorialmente de acordo com a metodologia referida atrás, no Cap. II. Psathas verifica que controlando a classe social não se encontram diferenças devidas à etnia, o que o leva a concluir terem os grupos étnicos sido assimilados à cultura americana. A primeira constatação que nos ocorre realçar é que os adolescentes não percepcionam a autonomia como uma simples libertação da influência parental mas os seus sentimentos face à autonomia reflectem uma preocupação pelo julgamento que os pais fazem das suas opiniões.

Quanto à influência da classe social, os resultados indicam que as classes sociais mais baixas dão mais autonomia aos filhos nas "actividades fora de casa" e "actividades relacionadas com a idade" e que as classes sociais mais elevadas têm mais em conta as opiniões dos

seus filhos nas decisões. As familias são equivalentes no que diz respeito às actividades que afectam a reputação ou o estatuto dos seus filhos.

Psathas verifica ainda que, nas classes médias, a expectativa quanto à emergência dos comportamentos de autonomia se situa mais cedo no tempo do que nas outras classes.

Para Psathas, os resultados do seu estudo estão de acordo com trabalhos anteriores, segundo os quais as classes médias se preocupam mais em favorecer a independência dos filhos mas são menos permissivas que os das classes baixas.

A vida nas famílias de classe baixa, segundo Erickson (1947, in Psathas, 1957) é menos estritamente organizada, pelo que menos exigências são feitas à criança. Então, os padrões menos rígidos, nas classes baixas, levam a maior independência. Há mais permissividade nas actividades exteriores e naquelas relacionadas com a idade, o que parece reflectir um maior relaxamento do controlo do que propriamente um treino positivo para a independência, na opinião do autor.

0 nível mais baixo de independência dado pelas famílias de classe média nestas mesmas dimensões pode reflectir, segundo Psathas, uma atitude deliberada para socializar a ansiedade, isto é, a manutenção de supervisão pode servir para tornar o jovem consciente da importância de um comportamento adequado em relação às normas sociais.

0 facto de as familias de classe média concederem maior participação na tomada de decisões é interpretado pelo autor como uma forma de os pais estabelecerem regras de conduta e avaliarem o grau de aceitação destas normas nos filhos. Tratar-se-à então de treino para a independência, mas também não será alheio o facto de as discussões familiares servirem a função de induzir maior conformidade às normas parentais.

As conclusões de Psathas vão no sentido das de Nye e Kohn e os seus resultados contrariam os primeiros resultados encontrados nesta área por Dimock (1937), que não encontrou nenhuma correlação entre a classe so- cial e o estatuto de emancipação do adolescente.

Nye (1951, in Psathas, 1957) considera que o ajustamento pais- adolescente é "melhor" nos niveis socio-económicos elevados, onde os adolescentes obtêm scores mais elevados no sentimento de serem amados e de terem a confiança dos pais.

Kohn (1977 in Hill, 1980) estudou as relações entre a participação parental no mundo do trabalho e comportamento face aos filhos, con- cluindo que: (1) as classes trabalhadoras, comparativamente às classes médias, valorizam mais, nos filhos, a sua conformidade à autoridade (obediência) do que o auto-controlo e (2) os filhos são punidos, mais pelas consequências daquilo que fazem, do que pelas intenções.

Segundo a revisão à bibliografia, feita por Hill(1980), encontram- se regularmente na literatura resultados consistentes com a formulação de Kohn sobre as variações entre o "parenting" e a classe social.

Também Fasick (1984), baseando-se na literatura americana existente sobre esta questão, constrói um quadro síntese onde põe em correlação a "classe social", a "quantidade de autonomia comportamental" e a "importância da cultura juvenil", que passamos a apresentar:

Classe Social Quantidade de Autonomia Comportamental Importância da Cultura Juvenil

Estrato Pouca. Actividades rigo- Superior rosamente supervisadas.

No ensino privado. So- cialização para funções de leadership.

Pouco importante. Actividades lúdi- cas cooptadas pe- la socialização pró-adulto.

Estrato Limitada. Usualmente no Médio ensino oficial. Activida-

des supervisadas mas mui- to mais liberdade.

Importante. Forne- ce conteúdo cultu- ral às relações com pares, orientadas para a autonomia. Estrato Considerável. Frequente

Inferior abandono escolar para trabalho com responsa- bilidade.

Pouco importante. Autonomia lata.

Adaptado de: Fasick (1984). Parents, Peers, Youth Culture and Autonomy in Adolescence.Adolescence. 19(73), 143-157.

0 autor conclui que o controlo e a influência parental tendem a variar directamente com os recursos socio-económicos que os pais dispõem para ajudar os seus filhos a conseguirem um estatuto social e que a autonomia comportamental concedida tende a estar inversamente relacionada com o posicionamento dos pais na hierarquia social.

Quanto à importância da cultura juvenil na socialização do adoles- cente, os estudos indicam que a tendência vai no sentido duma relação curvilinear: a importância é menor nos graus extremos da hierarquia so- cial, ou seja nas classes mais elevadas e nas classes menos elevadas. Nas classes sociais médias, onde o controlo e a influência parental não são nem muito fortes nem muito fracos, a cultura juvenil tem mais tendência a florescer e a cooptar os adolescentes.

Os resultados dos trabalhos revistos dizem-nos que os padrões familiares diferem quanto ao início no tempo do "training" para a autonomia, quanto à quantidade de autonomia concedida, mas também que dentro da mesma família o padrão familiar difere em função do tipo de autonomia: por exemplo, no estudo de Psathas, algumas famílias restrin- gem a autonomia nas actividades fora de casa mas promovem a autonomia na tomada de decisão, na expressão de ideias, opiniões e juízos dentro de casa e noutras famílias encontra-se o padrão inverso.

Qual o impacto de cada um desses padrões no desenvolvimento psicos- social do adolescente?

Hill (1980), responde a esta questão afirmando que, as teorias sobre o desenvolvimento adolescente defendem como mais desejáveis para o desenvolvimento da autonomia, as atitudes parentais mais orientadas para o desenvolvimento do auto-controlo do que para a conformidade à autoridade externa.

0 efeito da classe social de pertença da família, na forma como esta lida com as questões da autonomia durante a adolescência dos seus filhos, encontra-se demonstrada.

No entanto, "muitas formas de educar as crianças transcendem as circunstâncias sociais e económicas das famílias. Nos anos mais recentes identificaram-se algumas diferenças importantes entre as famílias na socialização dos seus filhos" (Sprinthall & Collins, 1984, p. 216) e é no efeito desses diferentes tipos de socialização - reflectidos em dis-

tintas práticas educativas, formas de exercício da autoridade, e outros aspectos de comportamento parental - sobre a autonomia que iremos centrar-nos agora.

2. 3. OS CUIDADOS PARENTAIS

Descrever ou caracterizar um sistema social tão complexo como a família, a fim de lhe poder estudar os efeitos, as interacções entre os seus membros, é uma tarefa difícil a que numerosos investigadores se têm dedicado desde sempre.

Merece particular destaque nesta matéria a obra de Diana Baumrind que forneceu uma tipologia familiar consistente relativamente às formas de exercício dos cuidados parentais e as correlacionou com características da autonomia na criança e no adolescente. Baumrind en- ceta a partir de 1965 um trabalho de observação de famílias com crianças e adolescentes. Os resultados das suas primeiras experiências, feitas num estudo longitudinal em 110 famílias, mostra-lhe não só a existência duma relação entre as características da criança e o seu "background" familiar, como também a existência de três tipos distintos de estilos na forma como os pais faziam ou exigiam satisfação aos seus pedidos e no quanto afecto e aceitação punham na relação com os seus filhos.

Baumrind designou esses três tipos de famílias por: autoritárias (authoritarian), permissivas (permissive) e autoritárias-recíprocas (authoritative) .

Nas famílias de tipo "autoritário", os pais são controladores, rígidos e severos no exercício da disciplina, fomentando nos filhos o respeito e obediência à autoridade. A tonalidade emocional da relação é, na maior parte das vezes, fria e rejeitante.

Nas famílias de tipo "permissivo", os pais fazem poucas ou nenhumas exigências aos seus filhos, não impõem normas ou restrições ao seu com- portamento. Usam a persuasão e o raciocínio, como base para a aceitação dos seus pedidos, mais do que a força ou o poder autoritário. Permitem ao filho que tome as suas próprias decisões e auto-regule o seu compor- tamento sem exigir que faça prova de maturidade, não se apresentando como agentes de socialização, responsáveis pela conduta dos filhos, face a determinados objectivos.

Nas famílias de tipo "autoritário-recíproco", os pais estabelecem limites e expectativas claras e firmes quanto ao comportamento dos seus filhos mas oferecem-se como guião através do uso do raciocínio e de regras. Assumem-se como figuras de autoridade perante filhos com direitos, ou, como diz Baumrind: "reconhecem os seus próprios direitos específicos como adultos mas também os interesses individuais e maneira especial de ser dos seus filhos" (Baumrind, 1968, p. 261). A tonalidade emocional das relações entre pais e filhos é geralmente quente e de aceitação.

Mas o aspecto da investigação de Baumrind que mais nos interessa para o nosso trabalho é a correlação que a autora encontra entre os diferentes tipos de parenting e as características de submissão ou de autonomia nos filhos.

Com efeito, os resultados a que conduziu a sua investigação (Baumrind, 1966, 1967, Baumrind & Black, 1967, in Baumrind, 1968) levam-na a concluir que:

o tipo de relação predominante nos pais "autoritários" encontra-se associado nos filhos a características de submissão, pouca responsabilidade e orientação para a realização e pouca autonomia .

- o t i p o de r e l a ç ã o predominante nos p a i s "permissivos"

encontra-se associado nos f i l h o s a c a r a c t e r í s t i c a s de auto-confiança,

mas menor s e n t i d o de r e s p o n s a b i l i d a d e do que no t i p o " a u t o r i t á r i o -

r e c í p r o c o " .

o t i p o de r e l a ç ã o predominante nos p a i s " a u t o r i t á r i o s -

r e c i p r o c o s " encontra-se associado nos f i l h o s a c a r a c t e r í s t i c a s de auto-

confiança, a u t o - c o n t r o l o ,

Baumrind v e r i f i c o u ainda que as diferenças que encontrou nestas

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