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A família guardiã melhorando as sementes e enriquecendo a

5 FAMÍLIA GUARDIÃ E A AGROBIODIVERSIDADE

5.1 A família guardiã melhorando as sementes e enriquecendo a

O manter espécies e variedades de sementes implicam no seu uso. As famílias atribuem diferentes motivos para a manutenção da agrobiodiversidade. Cada uma com suas justificativas, envolvidas em meios sócio-cultural, ambiental e econômico diferentes, representando modos de reprodução social distintos.

O ritual que se expressa no ato de “colher o fruto”, de “preparar as sementes” ou de “classificar as sementes”, é um mecanismo de melhoramento genético. Prática milenar, que tem possibilitado garantir a reprodução das agriculturas de base tradicional, que se manifesta no modo de fazer a agricultura.

Portanto, o melhorar sementes, está vinculado a sua existência. A família guardiã é em si, uma melhoradora de plantas. A prática é orientada pelo conhecimento de seus antepassados, orientanda pela tradição, que dá a identidade de ser das famílias.

A produção de consumo, práticas de mulheres, normalmente se caracteriza pela diversidade de produtos, o que ocorre tanto nas hortas menores mais próximas da casa, como também, em um lado da lavoura de produção (Figura 09).

Figura 09 - Colheita de pepino, em área próxima a lavoura.

Fonte: Acervo da autora (2014).

No caso do milho, o melhoramento mais ‘corriqueiro’ está vinculado as suas estratégias de garantir a cada safra plantas ou espigas, iguais a que selecionou. A prática da seleção traduz o que gostaria de colher. Antecipa o futuro, para garanti-lo. Antecipa a colheita futura, o lhe confere segurança em obter a produção. Por isso, um saber tácito.

O empalhamento da espiga de milho, abordado no tópico anterior, vai implicar em durabilidade, o que garante ter comida para animais e, em consequência para a família. Evita de perder para carunchos ou pássaros.

Melhorar implica em buscar dar uma condição ao produto, condição esta pensada e experimentada, recriada a cada safra, em constante readaptação ecológica.

Em respostas a desqualificação das sementes crioulas e do conhecimento tradicional, Vandana Shiva (2001) argumenta que

Entretanto, as variedades crioulas que os lavradores desenvolvem não são geneticamente caóticas. Elas consistem de material melhorado e

selecionado, incorporando a experiência, a inventividade e o trabalho árduo de lavradores, passados e presentes; os processos materiais evolutivos por que passam satisfazem necessidades ecológicas e sociais” (SHIVA, 2001, p. 76).

O fato de selecionarem as espigas mais bonitas, melhor empalhadas, as sementes melhores, de formato padronizado, cuidar a sanidade, imprimem as sementes uma herança de qualidade, em vistas a adaptação das necessidades de quem as qualificam e as selecionam.

A seleção de semente, descrita na seção anterior, é um ritual que ocorre todos os anos, para todas as safras, as sementes estão constantemente sendo renovadas, passando por períodos de climatização conforme decorre o ano, experimentando condição de solos diferenciados, pela rotação de culturas, nada de artificial.

Outra prática habitual das famílias guardiãs é a introdução de espécies ou variedades novas em seu sistema, como conta FG3 sobre o Dia da Troca.

Eu, por exemplo, não saí sem esta olhando para cima qual semente vou pega porque eu vou descobrindo novas sementes, novas coisas ai. Esse ano, no dia da troca, sempre se dá semente pra alguém, alguma coisa. Se ganha semente diferentes, também”. (FG3)

Uma justificativa para a introdução de materiais novos, que é comum de escutar é o de “ser curioso” e “gostar de coisa diferente”, boas qualidades para uma família pesquisadora. Campos (2007), estudando os agricultores que produzem sementes de milho crioula no município de Anchieta (SC), lhes conferem a denominação de agricultor/pesquisador e justifica que,

É preciso um novo olhar sobre a prática desses agricultores, observando e valorizando os conhecimentos passados na busca de preservação e melhoramento de sementes crioulas. Acredito ser importante identificar os procedimentos metodológicos utilizados por esse grupo de camponeses, para reconhecê-los como pesquisadores, detentores de conhecimentos que precisam ser considerados validados e aceitos, cientificamente, pela academia. (CAMPOS, 2007, p. 46)

Em Ibarama, variedades de milho, a exemplo do Cule, trazido do Peru e do Sertanejo, trazido de Aracaju, que impõe a adaptação das sementes. São experimentações, que possibilitam conhecer a variedade, e que, ao mesmo tempo, vai lhe impondo uma determinada condição. A FG3 está a 5 anos com a variedade crioula de milho que denominou, Sertanejo (Figura 10) e descreve a variedade:

Acho ele bom, um milho amarelo forte, e meio duro, bem resistente a seca mesmo, porque ele vem do nordeste. Tem uma produção homogênea, parelha, boa. É semelhante ao híbrido. Mas, tu vê na folha que não é, e dá uma espiga vermelha no meio” (FG3).

Assim que a nova variedade começa ser multiplicada, já é submetida à seleção. Não unicamente pelo fato de manter em permanente reprodução, mas também, pelo sistema que imprimem a elas sementes.

Para FG6, em Tenente Portela, que mantém o sistema de trocar as sementes com seu irmão, que mora em Santa Catarina. A mesma variedade - o caeano, as sementes vão e retornam a cada dois ou três anos. O sistema de renovar as sementes, como afirma, “fiquei com o mesmo sistema”, ao relembrar o que o pai fazia, e justifica a troca porque “a terra acostuma”.

Figura 10 - Demonstração da variabilidade do milho Sertanejo.

Fonte: Acervo da autora (2015).

Canci et al. (2010) ao considerar a lógica dos agricultores ‘melhoristas’, considera que estes são totalmente diferentes dos melhoristas convencionais. O autor justifica que os agricultores transformam as sementes ano após ano, recriando

o antigo e o tornando melhor, e de que sempre acreditam nas sementes, seja economicamente, seja emocionalmente. Já os melhoristas convencionais, a relação que se estabelece com as sementes é de ganho genético ou econômico, caso isso não ocorra, simplesmente a descarta.

Também se observa que as famílias guardiãs submetem as sementes a uma ‘seleção intencional’, conforme exemplificado na tabela 09. A prática é geralmente realizada pelo homem e acompanhada pela mulher.

Tabela 09 - Características observadas na seleção de diferentes variedades de milho em Ibarama, RS. 2014.

VARIEDADE CONDIÇÃO DESEJADA

Cinquentinha Remoção de grãos arredondados e vidrados;

Pintado Seleção de espigas pela cor dos grãos;

Ferro/Argentino Cruzamento para deixar a espiga do ferro maior;

Mato Grosso/Mato Grosso Cruzamento para deixar o sabugo mais firme;

Sertanejo Seleção de espiga pela cor das sementes. Menos avermelhado;

Cabo Roxo Seleção para deixar a variedade pura;

Caiano/Asteca Cruzamento para melhorar a produtividade do Caiano.

Fonte: Pesquisa de Campo (2014).

As famílias vêm a gerações, ano após ano mantendo relação com algumas espécies de plantas. No caso do milho, as espigas e sementes passam várias vezes pelas mãos e olhos cuidadosos, de quem as cultivam e de quem faz o processo de seleção e muitas vezes por mais de uma pessoa.

A ação de selecionar as sementes, na maioria das vezes, é designada pelas famílias guardiãs como: classificar, preparar, fazer as sementes. E isso se realiza para seu uso. Portanto, por mais que possa vender as sementes, ele vende algo que tem garantia de qualidade na sua percepção.

As sementes devem garantir a comida, por isso tem que ser ‘bem feita’ e sua ‘qualidade garantida’.