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3.1. Demografia e redes sociais

3.1.4. Os homens da governança e a estratificação social

3.1.4.1. A família Mendes

Luís Mendes, ou Luís Mendes Indiático, natural do Alandroal, foi criado em casa do capitão-mor daquela vila o Dr. Sebastião Rodrigues Indiático, de quem provavelmente seria parente. A vinda para Barrancos por questões com a justiça, levou-o ao casamento, em 1698, com Catarina dos Santos, natural de Barrancos, filha de um natural do termo de Linhares e parente do Padre Manuel Lopes de Aguiar, pároco de Barrancos. Este pároco teria provavelmente grande poder económico a julgar pelos negócios em que se envolvia e que veremos no capítulo sobre questões económicas. O pai de Catarina, Domingos Fernandes Cantarinho, por ter passado também por Água de Peixes618, poderá também ter estado ao serviço do duque de Cadaval. Se esta situação se confirmasse teríamos assim uma continuidade da família na administração senhorial, situação que não seria de estranhar. Também isto daria aos Mendes vantagem relativamente a outras famílias O casal Luís e Catarina estão em Barrancos entre o casamento e 1704. Voltam a ter um filho em Barrancos em 1724. Entretanto em 1708 e 1713, têm filhos em Alvito. É bastante provável que a passagem por Alvito se realizasse ao serviço do comendador. O duque de Cadaval era senhor de Água de Peixes, Vila Alva e Vila Ruiva, naquela região. Quando regressam a Barrancos e batizam o seu último filho, escolhem para padrinho o ouvidor de Água de Peixes. Dos cinco filhos que atingem a idade adulta, Domingos Mendes morre em 1733 com 29 anos. Este foi escrivão de vários ofícios. Uma das filhas, Maria Batista, casa com António Martins, natural de Beja, e que se torna também ele, almoxarife depois da morte do sogro. Este genro de Luís é juiz ordinário em 1753. Estes são pais de Jacinto Teodósio que é também homem da governança. Outra filha, Ana Mendes, casa com Domingos Fernandes Serrano, filho de um natural do termo da Covilhã, cujos filhos se mantêm na governança. O filho Jacinto Severino Bernardo é o único que claramente se nobilita. Aos 50 anos candidata-se à condição de familiar do Santo Ofício, que lhe é

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atribuída. Jacinto casa com Isabel Antónia, da família Charrama. Esta era prima de um familiar do Santo Ofício, Pedro de Alcântara do Vale619 e filha de Manuel Antunes do Vale, sapateiro e certamente homem de largo negócio a julgar por duas escrituras que fez em 1725, sendo ainda morador na Amareleja, em que declara uma dívida da compra de 107 porcos620 e outra constituindo procurador que o represente em Lisboa num processo que foi da ouvidoria, relacionado com tabaco621. Entre as atividades de Jacinto encontra-se o facto de ser tabelião, mas também se dedicar aos seus negócios. Em 1774 tem um cabedal avaliado em 5000 cruzados. Se consideramos este montante como um capital que rendia 5% ao ano (juro oficial), verifica-se que poderia ter um rendimento de 250 cruzados. Ora, a nobreza camarária eborense do final do Antigo Regime tinha rendimentos anuais que oscilavam entre os 250 cruzados e os 35.000622. Deste modo, os réditos anuais de Jacinto Severino Bernardo seriam equiparáveis aos das camadas economicamente menos possidentes que figuravam na câmara de Évora. No entanto, Barrancos não era Évora, pelo que o valor em apreço seria relevante à escala da localidade.

Por último, Francisco Mendes que nasceu em Alvito em 1708, tem um filho natural em 1732 de Isabel Aguilar, castelhana de Guadalcanal. Em 1744, com 37 anos, casa com Clara Maria, da família Corvo. Em 1607 um dos vereadores era André Dias Corvo, pelo que é provável que a família de Clara estivesse na governança. A ligação entre os Mendes e os Corvo reforçava a ancestralidade da pertença à governança.

Francisco Mendes não procurou o processo nobilitante do irmão, mas concentrou em si os mais importantes cargos: tabelião (1773), escrivão da câmara (1753), escrivão do judicial (1774), feitor do duque (1793), ouvidor da comenda (1771), monteiro-mor (1782). A sua coleção de ofícios é bem demonstrativa, quer da aproximação ao senhor, quer da presença deste homem nos cargos que implicam o registo de atos de administração e da vida da comunidade. Para além da administração senhorial e da governança, Francisco Mendes ocupava-se ainda da lavoura, criação de gado e negócios623. Morreu aos 92 anos em 1800. Ao exercício

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ANTT, TSO, habilitações, Jacinto, mç 07, doc 79, fl 1v.

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ADB, Notariais, Cartório Notarial de Moura, 1º Ofício, Lv 28, fl 93.

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ADB, Notariais, Cartório Notarial de Moura, 1º Ofício, Lv 28, fl 23-23v.

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Teresa Fonseca, Absolutismo…, cit., pp. 185-186.

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de importantes cargos corresponderia uma vivência social que exibia e consolidava o seu prestígio. Em 1794 o padre D. Gaspar é capelão de Francisco Mendes624. Isto, como é lógico, representa, não só prestígio, mas também poder económico. Dos filhos de Francisco Mendes, apenas Catarina dos Santos se casou, com António Nunes, natural de Videmonte, termo de Linhares, que ficou viúvo do primeiro casamento sendo já residente em Barrancos. Este genro de Francisco é juiz ordinário em 1774. Este casal tem dois filhos: Clara Maria de quem não se conhece casamento e José Mendes, ou José Mendes de Sequeira, nascido em 1760. Este tal como os seus familiares foi escrivão e tabelião. Tal como seu tio-avô Jacinto, habilita-se à familiatura do Santo Ofício que lhe é concedida, sendo este os dois únicos moradores em Barrancos que requerem a familiatura. Casa com Eugénia Josefa natural de Almendralejo, mas com ascendência em Encinasola. Não obstante a manutenção dos cargos e de este ser homem de “bastantes cabedaes”625

em 1796, parece que com o fim do século XVIII esta linhagem entra em declínio, tanto de prestígio, como de poder económico. Em 1805, no Manifesto

dos Gados, José Mendes é o 11º na escala ordenada dos possuidores de gado,

com apenas 64 cabeças de gado.

Os Mendes apresentavam uma multiplicidade de recursos financeiros que lhe vinham da administração, da governança, da lavoura e criação de gado e dos negócios. Certamente a proximidade à administração senhorial permitia-lhes consolidar e alargar as restantes vertentes da sua atividade. Daí que pelo menos os seus elementos que se vão mantendo na elite continuem a procurar fortalecer as suas relações dentro da estrutura administrativa senhorial. Os dois varões mais destacados utilizam o casamento, quer para uma aproximação à governança ancestral, quer para um incremento de riqueza. Francisco que casa em família da governança afirma-se na administração. Jacinto casa em família com rendimentos e nobilitada, aposta nos negócios e na nobilitação, não se desligando da governança. Assim, as famílias onde casaram condicionaram os seus percursos. Os restantes membros desta parentela e as restantes famílias procuram manter e fortalecer laços com esses membros mais destacados que se vão conseguindo manter na administração. Mas o que fica claro é que o êxito das dinâmicas sociais depende da

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ANTT, ADL, Paroquiais, Barrancos, Batismos, Mistos, Lv 6, fl 59v.

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administração senhorial e não da fronteira, que não tem qualquer peso nestes processos.