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A Ficção no Pensamento e Obra de Jean Nouvel

No documento Arquitectura e cinema (páginas 116-119)

No primeiro capítulo surge Tadao Ando em resposta à essencialidade que conceptualmente, e fisicamente, um espaço representa para o ser humano, abordando-se o real que pisamos, que olhamos, mas também a ficção que coexiste com esse físico, entendida na espiritualidade do indivíduo que cria e/ou transforma o espaço, mas principalmente de quem o vive, como pessoa singular à procura de uma consciência pura do real.

Em Jean Nouvel a ficção patente na sua obra, nos seus espaços, não advém propriamente da ficção espiritual do ser humano, não de uma autoconsciência de um ser, mas de uma reinvenção da realidade que conhecemos, sendo esta fruto da sétima arte, o cinema. Este arquitecto persegue e inspira-se em modelos e processos cinematográficos na sua pessoal reinvenção do espaço, usando semelhantemente os conceitos e pontos de vista do cinema de espaço real e virtual.

“Many of Nouvel’s buildings aim to create rich and complex sensorial games that transform the built object into a series of ambiguous perceptions. Consequently, they are in some way representative of ephemeral, immaterial and intangible phenomena.”213

“You Only Live Twice, uses the cut in direct conjunction with the design of the set to create dramatic moments of surprise that are key to the entertainment value of the film.”214

Os filmes são compostos por diversas montagens de imagens. Das películas que vão sendo gravadas, partes são cortadas que se excluem, enquanto outras são selecionadas para fazerem parte do produto final, sendo reorganizadas consoante a intencionalidade do seu autor ou responsável. O corte permite dar ao espectador uma ideia elaborada e fiel à ficção que está na base do filme, podendo mesmo desviar-se da realidade da sua original gravação.

Em seguimento de uma análise feita de You Only Live Twice, filme de 1967, o factor tempo e a sequenciação das imagens dos seus sets de gravação, dos seus cenários, da sua arquitectura cinematográfica, são exemplos usados para melhor se compreender as opções tomadas muitas vezes por Jean Nouvel, as suas técnicas, os seus pormenores fílmicos na sua arquitectura. Nouvel afirma que o uso de conceitos temporais e espácias pelo realizador pode e deve ser ensinado aos arquitectos, para que estes pensem o espaço inerente ao tempo e, deste modo, sejam capazes de, habilmente, experienciar imaginariamente o comportamento

213 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013, p.275.

214 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

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do utilizador perante as suas obras, pois considera a arquitectura “an experience not only of space but also of time” 215.216

Tal como se verifica nos filmes, a passagem de cenas de um espaço para outro, distinto, na sequência do momento da acção a ser mostrada ou a alternância entre acções, na arquitectura este processo observa-se parecido na passagem de uma divisão de uma habitação ou edifício público, de um espaço aberto ou fechado, para outro. Assim sendo, as portas de um edifício são apontadas como um potencial momento cinematográfico ao destacarem-se não só por se apresentarem como elementos físicos, mas como elementos metafóricos que os arquitectos podem usar nos seus jogos reais e ficcionais de manipulação da percepção humana. Segundo Jean Nouvel o edifício pode ser pensado como uma série de espaços em sequência, de acordo com a narrativa que o próprio propõe da sua obra, estando intrinsecamente inerentes ao tempo, análogo ao cinema.217

Aliado ao corte, surge a escala. No cinema facilmente se aproxima ou distancia a imagem em gravação recorrendo-se ao zoom permitido pela lente da câmara que, com o auxílio do corte se altera a pode alterar a percepção de um objecto. Nouvel recorre também aos conceitos a esses efeitos inerentes ao projectar espaços de uma dimensão que são precedidos por outros de dimensões diferentes, fazendo com que a nossa percepção se altere de porta para porta, de espaço para espaço.218

“… Nouvel creates an architecture that can, at times, become a surrogate for the optical effects created on screen”219, como pode ser visto com a Fundação Cartier.

“In a Nouvel building however, it can become akin to watching a sequence of unpredictable cuts; close-up, to long shot and back again. These semi-architectural, semi-

215 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013, p.39.

216CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

217 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

218 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

219 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

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cinematic effects result from an interest in directing the mind of architects to the spatial and temporal lessons offered by film or, more specifically, cinematography.”220

O paralelismo visto entre a arquitectura de Jean Nouvel e o cinema prova que a primeira não se resume a uma mera questão de desenho do espaço cenográfico, mas um campo amplo de criação e sustentação da ficção pretendida no segundo, enquanto este último se torna um campo de experimentação para o primeiro com uma ampla margem de erro.

220CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

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No documento Arquitectura e cinema (páginas 116-119)