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O ecrã no real

No documento Arquitectura e cinema (páginas 100-103)

O ecrã tem sido a linha do hiato que separa o real e o irreal, o espaço habitado e o inabitado. O espaço fílmico encontra-se exactamente neste último, que é considerado um espaço híbrido.

Espaço virtual que é criado com certas vivências, presencia acções, contudo no final reduz-se a um espaço inabitado, vazio ou não, é um espaço que representa uma imagem que não pode ser vivida em si mesma. Só quem a observa tem um alento vivido da mesma, através do olhar e, seguidamente, da emoção que ela provoca, aliada à imaginação individual, podendo habitar, mas não ser habitada.

A prática de instalação de câmeras de filmar para gravar vídeo de um espaço real tornou exigente a qualidade com que o mesmo era trabalhado pelos seus autores. Contudo essa qualidade verificou-se reciprocamente com a melhoria da qualidade do espaço projectado, pois haveria uma necessidade eminente ao êxtase do vídeo, não sendo só importante a qualidade da imagem, mas também a do conteúdo real da imagem registada, obrigando a que os espaços filmados do quotidiano fossem projectados sob um olhar mais atento e crítico às técnicas cinematográficas. 174 O facto de um mesmo espaço ser olhado de várias maneiras, sob

vários pontos de observação, levou à resolução de espaços arquitectónicos com novas alternativas, sob novas críticas à sua existência, ou seja, críticas que pairam sobre a sua razão de ser, onde espaço, lugar, cheios-vazios, métricas, circulações, experiência provocada, função e forma, são questionados novamente.

Arquitectura e vídeo estariam também na base de estudos sobre o psicológico humano, através do olhar do espaço real, onde o ecrã revelaria vezes sem conta inúmeras respostas emocionais a diversos espaços físicos.

174 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

Figura 42 – Present Continuous Past(s), Dan Graham

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Em Present Continuous Past(s) de Dan Graham, 1974, o espaço fílmico foi criado a partir de espelhos, reflexões e projecções de vídeo, de forma a que o espelho reflectisse a acção a decorrer e uma câmera gravasse a reflexão, contínua, do espelho, que seguidamente era reproduzida com 8 segundos de atraso. O espaço é considerado um espaço activo, mas sem estar sincronizado numa linha de tempo, pois está a gravar-se constantemente e ao que vai acontecendo em si mesmo.175

Hill’s Tall Ships, de Dan Graham e Gary Hill, 1992, é um trabalho que tem por base a

substituição de todo um espaço físico arquitectónico por um novo, constituído por projecções de imagens fílmicas. Num corredor escuro surgem várias projecções de pessoas que interagem com o movimento dos espectadores presentes no mesmo. As imagens movem-se para uma aproximação ao espectador e afastam-se dele assim que o reconhecem, tudo num ambiente silencioso. Também a reacção das pessoas no encontro com estranhos está no intuito dos artistas, que esperam observar as várias respostas emocionais às diferentes imagens de pessoas projectadas, de várias idades, etnias e maneiras de ser.176

Jane Louise Wilson exibiram em 1999 na Serpentine Gallery, em Londres, uma projecção de espaços criados e gravados anteriormente. Peças como Stasi City, Parliament e Gamma, foram projectadas em grande escala para que a percepção óptica dos espaços inabitados fosse mais evidente na própria galeria, que seria o único espaço real. Nesta exibição o sujeito principal era a arquitectura, e o conjunto dos vários espaços, o real com os projectados criavam o espaço fílmico na própria galeria.177

175 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

176 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

177 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

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Tanto com Dan Graham, como com Jane e Louise Wilson, o elemento performativo está bastante presente. As próprias pessoas, espectadores, interagiam no espaço fílmico dando-lhe mais realce, significado, ou até, realismo.178

O espaço real, anfitrião, é assim aliado a um espaço virtual, hóspede, o projectado, que é explorado pelos autores das projecções com os espectadores e/ou actores a desempenhar cada um a sua própria narrativa.

Imagine-se o percorrer de um espaço real que podemos tocar, que podemos habitar e interagir, essencialmente com um contacto físico, mas que é inundado de projecções de outros espaços, que vêm comprometer, assim, a sua original ou inicial comunicação espaço- indivíduo. Este novo espaço, um espaço virtual fílmico, permite que a interacção se verifique mais drasticamente a nível mental, porque todas aquelas formas e funções a elas inerentes, dos espaços projectados, são, na verdade, irreais no lugar, inexistentes materialmente. Dessa forma, conferem ao espaço fílmico o fundamento de inabitabilidade, e só poderão ser percorridos na sua íntegra pelo imaginário do observador em contacto com o mesmo.

O uso deste tipo de arte foi usado por companhias como Station House Opera e Punchdrunk

Theatre Company, que foram responsáveis por debates acerca da percepção do espaço real e

virtual, e sua respectiva leitura, peças fundamentais a ser discutidas pelos arquitectos. O espaço real é desta maneira alvo de crítica por um observador num espaço virtual, com o intuito de que haja uma nova construção de espaço.179

Note-se que onde se reflecte sobre a maneira de aliar estética, forma e função num espaço, é principalmente na criação conceptual. O conceito que surge da fase maioritariamente criativa de um projecto, advém de uma ficção e/ou percepção espacial do seu autor. Quando um arquitecto projecta, por norma, espera provocar reacção dos seus futuros utilizadores, seja ela de serenidade, horror, desprezo, indiferença, alegria, ou angústia, sendo que o factor importante é mesmo que este tipo de arte de vídeo ajude a entender a percepção e leitura do espaço arquitectónico, tendo em conta o real e o virtual.

178 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

179 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

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No documento Arquitectura e cinema (páginas 100-103)