• Nenhum resultado encontrado

Fundação Cartier, Paris, França

No documento Arquitectura e cinema (páginas 119-122)

Formalmente simples, a fundação está baseada na posição de dois elementos construídos, de sua parte constituintes. Uma caixa de vidro no interior de outra caixa de vidro de ecrã (televisor). Entre as duas caixas distam 5 metros, sendo que o espaço criado convida as pessoas a percorrê-lo e a admirarem as exposições e exibições reservadas ao piso térreo de duplo pé direito. Os restantes pisos do edifício destinam-se então aos escritórios da fundação aqui sediada.221

O seu exterior espelha o que o circunda, elementos como as pessoas, os passeios, a estrada, os edifícios, entre outros.

Todo o seu envolvente exterior na fachada reflectida, como o próprio edifício, demarcam a sua ocupação física, no real, fazendo parte do intelecto do observador que por ele passa, assim o diz Merleau-Ponty.222

A sua complexidade estará nas várias “presenciações” que um indivíduo tem em relação às acções que tomam lugar em seu redor, que se encontram espelhadas nessa mesma fachada. Elas estimulam diversas vezes e, de diversas maneiras, a percepção do mesmo.223

Os reflexos do vidro de ecrã da fachada exterior são então a base de um jogo visual que cativa, manipula e confunde a percepção do seu espectador.

221 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

222 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

223 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

98

“… it is a building that intensifies the complex, multiple and ambiguous character of our sensorial assimilation.”224

Segundo Olivier Boissière, o uso do material, vidro de ecrã, atenta na intenção de Jean Nouvel de fundir o edifício e o seu envolvente, conseguido não só pelas supracitadas reflexões, como também pelas reflexões interiores, ambas difusas. E esta junção de imagens interiores-exteriores, trazem a sua característica complexidade de leitura, demarcando-se quase impossível de entendimento.225

A sua capacidade de fusão com o seu envolvente não se fica pela reflexão do mesmo. O material usado permite intencionalmente que o edifício se desvaneça e se funda com o céu difuso, em condições meteorológicas de céu fechado ou nevoeiro. O facto de uma árvore de carvalho ter sido preservada entre as fachadas das duas caixas de vidro, aliado à aparente maior transparência da fachada exterior, criada pelo facto da estrutura da caixa interior ser bastante visível, reforçam esta ideia de difusão no meio em que se enquadra.226

O edifício funde-se então com a natureza e, com o reflexo não só a exuberar o exterior como o interior, existe uma percepção de movimento e mudança constantes que vêem ao encontro

224 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013, p.277.

225 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

226 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

99

da intenção de Jean Nouvel, ao qual, segundo o próprio, “the creation of na architecture that “changes with the time of day, the weather and the season of the year””227.228

As reflexões da árvore residente no interior combinam-se com as do exterior, criando um efeito visual que incorpora algo perceptualmente complexo, muito semelhante à da imagem cinematográfica.

Dada a intencionalidade de alcançar um poder de manipulação da percepção, o edifício é identificado como um manifesto cinematográfico, pois denota-se claramente um objectivo por poder atingir não uma forma construída, mas uma arquitectura descrita como “ephemeral and intangible phenomen” 229.230

“The placement of the independente screen in front of the building proper creates the effect of two mirrors facing one another. This, in turn, results in an explosion of reflections in which we see diffuse prints of both elements superimposed one on top of the other.”231

“The screen acts as a screen for its own visual representation.”232

A complexidade criada pela sobreposição de reflexos do próprio edifício e das actividades e dos objectos que se encontram nas suas imediações, tornam a imagem criada difícil de ser assimilada na sua íntegra. O estímulo que surge no espectador, no indivíduo que passa, confronta-o com a sua realidade envolvente, porém de uma forma bastante difusa que o obriga constantemente a mover os olhos e a cabeça, na procura da recolha de maior quantidade de informação na fachada reflectida.

227CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013, p.277.

228 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

229 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013, p.278.

230CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013.

231 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

2013, p.278.

232 CAIRNS, Graham. The Architecture of Screen: Essays in Cinematographic Space, Bristol: Intellect,

100

A fenomenologia, da Fundação Cartier, apresenta-nos um espaço real e um espaço virtual, ou ficcional, simultaneamente, enquanto tenta provar ser mais um fundamento de que a arquitectura vive no hiato entre dois espaços, ou que simplesmente ocupa ambos.

“When virtuality is attacked by reality, architecture must more than ever have the courage to take on the image of contradiction.”233

No documento Arquitectura e cinema (páginas 119-122)