• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V INTERTEXTUALIDADES

3. A Filha do Capitão de José Rodrigues dos Santos

Antes de terminar o seu romance, José Leon Machado leu a obra A Filha do

Capitão de José Rodrigues dos Santos, tendo referido, numa entrevista realizada a 27

de fevereiro de 2013 (Ver anexo II), que o livro é bastante fiel ao que se passou nas trincheiras, mas que, do ponto de vista literário, é medíocre e refere que Luís Vasques faz uma alusão a certos indivíduos que se gabam de dormir com baronesas, o que é uma crítica mais ou menos velada ao romance do José Rodrigues dos Santos, que coloca a personagem principal, a envolver-se com uma baronesa.

José Rodrigues dos Santos, na sua obra A Filha do Capitão, editada em 2004, aborda a participação portuguesa na I Guerra Mundial, sob a égide de uma grande paixão em tempo de guerra. É uma obra que se divide em duas partes. A parte um intitula-se ‘‘Afonso e Agnés’’, e a parte dois ‘‘Flandres’’. É pois um romance composto por 634 páginas, verificando-se, apenas na segunda parte, uma alusão de pura homenagem a soldados que, ao lado do exército português, lutaram nas trincheiras da Flandres.

Afonso da Silva Brandão nasceu a 7 de março de 1890 e é a figura central do romance, filho de gente humilde e nascido na Carrachana (vila ribatejana de Rio Maior), num meio pobre e rural, que teve a oportunidade que muitos da sua geração e do seu meio não tiveram. Afonso estudou para padre, apesar de mais tarde ser expulso, seguindo os estudos e a sua preparação para oficial do exército, carreira que se revelou mais positiva para Afonso do que a da batina. Era o sexto filho da sra. Mariana Silva André, que fora mãe deste aos 45 anos. Seu pai chamava-se Rafael Brandão Laureano e era jornaleiro. Ambos projetavam, neste filho, uma esperança,

86

pois António, seu irmão, morrera de tuberculose, quando cumpria serviço militar na Marinha de Guerra.

Afonso conhece Agnés, nascida a 2 de outubro de 1891, de quem teve uma filha. Sua mãe, de nome Michelle Chevalier, e seu pai, Paul Chevalier, moravam na Rue du Palais Rihour.

Nesta obra, José Rodrigues dos Santos faz alusão a Schopenhauer, filósofo ateu e pessimista. Em Memória das Estrelas sem Brilho, Vasques também lê apenas livros que o deprimem:

Ele achava que não foi Deus que criou o homem à sua imagem, mas o homem quem criou’’. Schopenhauer rejeitou a própria ideia de alma, dizendo que todo o conhecimento está no cérebro e não no espírito. Ele considerava que o mundo não tem significado, não tem propósito, existe por si mesmo, ou seja, o mundo não tem sentido, nós é que lhe atribuímos um sentido, nós é que lhe inventamos um sentido para nos reconfortarmos. (Santos 2004: 84-89)

Outro autor com o qual José Leon Machado estabelece paragramatismo é Eça de Queirós. Em A Cidade e as Serras de Eça de Queirós, Jacinto, personagem principal, começou a mostrar, claramente, o tédio de que a existência o saturava, caindo, desta forma, no pessimismo: ‘‘O Pessimismo que aparecera na Inteligência do meu Príncipe como um conceito elegante – atacara bruscamente a Vontade! (Queirós s/d: 98)

Nesta obra, o leitor vivencia o Portugal de finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, desde a ruralidade da pobreza do interior marcadas pela forte influência da religião católica, aos novos acontecimentos que Lisboa vê surgir, tal como acontece em Memória das Estrelas sem Brilho. Exemplos disso, o primeiro automóvel, ou o primeiro cinematógrafo.

Charlie Chaplin (1889-1970)20, o mais famoso artista cinematográfico da era do cinema mudo, que ficou notabilizado pelas suas mímicas e comédias do género pastelão, é referenciado, por diversas vezes, em Memória das Estrelas sem Brilho: ‘‘-Aquele fininho de bigode à Charlot – explicou o Rato.’’ (Machado 2012: 176);

20

Cuja personagem que mais marcou a sua carreira foi "O Vagabundo" (The Tramp), um andarilho pobretão com as maneiras refinadas e a dignidade de um cavalheiro, vestido com um casaco esgarçado, calças e sapatos desgastados e mais largos que o seu número, um chapéu coco, uma bengala e seu marcante bigode, inserido no contexto sociocultural da época.

87

O segundo filme era do Charlie Chaplin. Tinha sido um filme muito falado desde o ano anterior, mas eu nunca o tinha visto. Intitulava-se Charlot Soldado, ou Charlot vai à Guerra. Começa com o Charlot a receber instrução de ordem unida e com o sargento a passar-lhe um raspanete pelo facto de ele não conseguir acompanhar os restantes camaradas de pelotão. O Rato, pensei, gostaria de ver aquele filme. Rimo- nos com as inabilidades militares do Charlot, até ele se deitar na tenda de campanha e adormecer. (Machado 2012: 253)

Mais adiante no romance, de novo é referido Charlie Chaplin na sua personagem mais marcante: ‘‘Por essa altura vimos O Vagabundo, uma comédia do Charlie Chaplin que muito nos divertiu.’’ (Machado 2012:307) Da mesma forma, encontramos referências alusivas a marcas de automóveis usados naquela época: ‘‘E foi então que o meu pai se lembrou de me oferecer um automóvel, um Minerva de quatro lugares fabricado em 1913 na Bélgica.’’ (Machado 2012:34).

Em A Filha do Capitão, em poucas semanas, toda a Europa se encontrou dividida entre dois blocos dirigentes. Portugal juntar-se-ia, mais tarde, aos chamados aliados, liderados pela França e Grã-Bretanha, altura em que Afonso será chamado a participar diretamente na ação, integrado no CEP, enviado para a França por um governo sequioso de reconhecimento internacional, na sequência da traumatizante Revolução Republicana.

Em Memória das Estrelas sem Brilho, no Capítulo XII, José Leon Machado faz uma alusão crítica à obra A Filha do Capitão. Agnés por ter enviuvado muito cedo casa-se com um barão e envolve-se, no período da guerra, com Afonso:

…arranjou na Flandres uma baronesa rica e bonita que vivia num castelo e que a visitava todos os dias; que se passeava no carro dela para as trincheiras para inveja dos generais; que a visitara na sua companhia a cidade de Paris várias vezes e que ela lhe pagava jantares regados com champagne nos melhores restaurantes. Que depois, quando voltou, a baronesa o viera visitar ao porto e que estavam a ponto de casar. (Machado 2012: 202)

Documentos relacionados