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4.1 O currículo da escola de engenharia

4.1.1 A flexibilização curricular e a engenharia

O processo de mundialização do capital determinou mudanças nas relações de produção e de trabalho que não podem ser ignoradas pelas universidades, que devem estar atentas às demandas da sociedade para os profissionais de modo geral. É nesse sentido que se deve considerar o processo permanente de produção de conhecimento nos cursos de graduação em engenharia, de forma a incorporar os avanços tecnológicos e atender à demanda de profissionais críticos e conscientes do seu papel na sociedade. Essas, entre outras questões, devem ser entendidas como fundamento para a proposta de flexibilização curricular.

Através da flexibilização, o currículo formal deixa de ter preponderância sobre um currículo estruturado por meio de um Projeto Político-Pedagógico bem delineado e constantemente reavaliado, cujo objetivo principal será orientar a vida acadêmica do futuro engenheiro, levando em conta a diversidade do público a que se destina, seja na academia, seja no mundo do trabalho.

O Projeto Político-Pedagógico exige profunda reflexão sobre as finalidades da escola, seu papel social e a clara definição de caminhos, formas operacionais e ações a serem empreendidas por todos os envolvidos no processo educativo. Sua construção aglutinará crenças, convicções, conhecimentos de toda a comunidade escolar, informações acerca do contexto social e científico, constituindo-se em compromisso político e pedagógico coletivo (VEIGA, 1998).

Baseados nesses pressupostos, os projetos político-pedagógicos dos cursos de engenharia devem considerar as diferenças de valores, conhecimentos, interesses, crenças e outras características importantes de seus autores, pois suas marcas estarão presentes na elaboração de seu texto, ao apresentar a realidade do curso, da instituição em que se insere e de seus representantes – os docentes, os discentes, a coordenação dos cursos, a administração da instituição como um todo, e até mesmo o seu entorno.

Para Veiga (1998, p. 157), a primeira ação que parece fundamental para nortear a organização do trabalho da escola é a “construção de um Projeto Político-Pedagógico assentado na concepção de sociedade, educação e escola que vise à emancipação humana”. Ao ser claramente delineado, discutido e assumido coletivamente, ele se constitui como processo. E, ao se constituir como processo, “o Projeto Político-Pedagógico reforça o trabalho integrado e organizado da equipe escolar, enaltecendo a sua função primordial de coordenar a ação educativa da escola para que ela atinja seus objetivos”.

Considerar essas questões, na escola e na organização do seu trabalho pedagógico, significa atender à sociedade democrática tendo em vista

o modelo de escola que ela requer. Desse modo, essa escola seria capaz de elaborar, implementar, atualizar e avaliar seu próprio Projeto Político- Pedagógico divulgando a todos os interessados. Isso pressupõe a participação de toda a comunidade acadêmica com competência, seriedade, comprometimento e profissionalismo.

A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 determina o fim dos currículos mínimos obrigatórios, na construção dos currículos dos cursos de graduação. Com isso, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia, resolução 11/2002, incorporaram, em seus artigos e parágrafos, a flexibilização curricular, que trouxe avanços significativos a serem considerados na formação do engenheiro. Flexibilização que certamente estará presente na construção dos projetos político-pedagógicos dos cursos de engenharia considerando a relação da escola e do engenheiro a ser formado com a sociedade.

Entende-se que somente um currículo que leve em conta essas reflexões será capaz de viabilizar tal flexibilização, respeitando, segundo Santos (2003), basicamente três princípios: (i) a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; (ii) a visão do ensino centrada na criatividade, que tem como exigência a construção do conhecimento na relação com a realidade profissional; e (iii) a interdisciplinaridade.

Porém, o processo de flexibilização curricular não pode ser entendido como uma mera modificação ou acréscimo de Atividades Complementares na estrutura curricular, pois são as Atividades Complementares que tem a função de construir o aparato intelectual do aluno fora do ambiente de sala de aula.

Desse modo, esse processo exige que as mudanças na estrutura do currículo e na prática pedagógica estejam em consonância com os princípios e com as diretrizes do Projeto Político-Pedagógico, na perspectiva de um ensino de graduação de qualidade (SANTOS, 2003). Para Laudares (2000, p. 165),

no caso do engenheiro, a escola oferece, na graduação, apenas uma introdução à profissionalização. Assim, a questão é como a educação continuada irá complementar e concretizar essa tarefa, com a estruturação de um processo não limitado e que garanta a continuidade dos programas qualificadores introduzidos pela escola. A contínua expansão do sistema educativo exige estratégias que busquem atingir o sistema produtivo e avançar na prática do trabalho, que também tem uma dimensão qualificadora.

Há dois tipos de flexibilização curricular: a vertical e a horizontal. Para, Augustin (2005), “a flexibilização vertical é entendida como sendo a possibilidade de organização do saber ao longo de semestres e de anos, e contém três divisões: o núcleo específico, a formação complementar e a formação livre”. O núcleo específico deve constituir a essência do saber característico de uma área de atuação profissional; a formação complementar deve propiciar uma adequação do saber específico a outro que o complemente; e a formação livre está sendo proposta como a possibilidade de o aluno ampliar sua formação em qualquer campo do conhecimento, com base estrita no seu interesse individual.

Na formação do engenheiro, a flexibilização vertical, segundo as DCN (11/2002), está dividida em um núcleo de conteúdos básicos, um núcleo de conteúdos profissionalizantes e um núcleo de conteúdos específicos que caracterizem a modalidade de engenharia que o aluno está cursando; este, por

assim dizer, seria o currículo obrigatório a cumprir e que reflete a participação do corpo docente e discente em sua estruturação.

Segundo Augustin (2005), “a flexibilização horizontal deve possibilitar ao aluno o aproveitamento de várias atividades acadêmicas, para fins de integralização curricular”. Assim, a flexibilização horizontal permite que as atividades desenvolvidas pelos alunos durante sua graduação, possam ser aproveitadas no seu histórico escolar, e são elas que permitem uma formação pautada na diversidade de opções que contemplem as principais práticas de ensino-aprendizagem. Lima (1995) acrescenta que:

o aprendizado, que não é mera reprodução de condutas externas, só estará realmente ocorrendo, se atingir o esquema geral de ação do sujeito. Não basta ensinar um sujeito a fazer algo, é preciso que ele creia que essa seja de fato a melhor atitude. A aprendizagem envolve então a crítica reflexiva e parcial por parte do sujeito, que pode vir a questionar o modelo proposto.

Assim, para a formação em engenharia espera-se que as Atividades Complementares através da flexibilização horizontal façam a articulação da formação recebida com o sistema profissional, da ciência com a tecnologia e da teoria com a prática do trabalho, visando ao atendimento das demandas da sociedade.