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B. Nossa pesquisa diante da bibliografia

I.3 A atuação da Força Sindical nos anos de 1990 – adesão e reticência ao modelo neoliberal

I.3.2 A Força Sindical e a desregulamentação das relações trabalhistas

O segundo eixo da plataforma neoliberal defendido pela Força Sindical foi a desregulamentação dos direitos trabalhistas. Coerente com a proposta de livre negociação entre capital e trabalho, a Força Sindical priorizou a luta pela Participação nos Lucros e nos Resultados (PLR). Em 1994, a Medida Provisória 794 regulamentou a PLR. Entretanto, desde 1991, sindicatos da base Força Sindical (comerciários de São Paulo, metalúrgicos de Osasco, Guarulhos e São Paulo) vinham realizando acordos coletivos que instituíam, na prática, a PLR em algumas empresas. Defendida como uma forma de melhoria das condições salariais do trabalhador, esta forma de remuneração do trabalho pulveriza as negociações e favorece o avanço da remuneração variável, isto é, dependente do desempenho da empresa. Apesar de ter se constituído como uma das reivindicações principais nas campanhas salariais e nas greves do SMSP, supomos que a eficácia da PLR tenha sido reduzida face ao grau de dispersão das empresas metalúrgicas de São Paulo. A PLR, tanto quanto os contratos coletivos assinados pelo sindicato, certamente beneficiava os setores mais organizados, o que significa, na prática, as maiores empresas.

A direção nacional da central defendia a substituição da CLT por um "código de trabalho" (Força Sindical, 1993). Sabendo, de antemão, que a defesa doutrinária das mudanças na CLT provocaria dissidências, a central optou, inicialmente, pela desregulamentação no varejo. Nas

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conjunturas em que ficou mais pressionada pelo aumento do desemprego, a central defendeu a implantação da desregulamentação na prática, ao "flexibilizar" a jornada de trabalho e o contrato de trabalho em empresas metalúrgicas de São Paulo. No início de 1992, em meio a uma onda de demissões em massa, o SMSP propôs a ‘jornada flexível’ em troca da estabilidade no emprego. Pela proposta, durante seis meses, as empresas poderiam aumentar em até 20% a jornada, compensando–a em outro momento com redução de mesmo percentual. Em 1996, a central voltou à carga com nova proposta, desta vez, acordada entre FIESP e SMSP, com o intuito de "legalizar" os contratos temporários. O "Contrato especial" de trabalho foi contestado pelo Tribunal Superior do Trabalho, o que fomentou a ira da central, que chegou a mobilizar alguma força em uma campanha pela extinção do Tribunal. "Não nos interessa que os juizes do Trabalho sejam contra o acordo. Não queremos discutir se o acordo é legal ou não... queremos sim que ele crie empregos", afirmou Paulinho na época108. A despeito da ilegalidade da medida, os metalúrgicos fecharam o acordo que incluía: redução de encargos patronais com o FGTS (isenção da multa de 40%, aumento do depósito de 8 para 10% – passível de saque, caso o empregado fosse demitido); garantia de férias, 13º e abono de férias; "flexibilização" da jornada (entre 24 e 44 horas); e limite de contratação através deste "Contrato Especial" segundo o padrão das empresas109. Encaminhada ao governo, a proposta acabou tornando–se o embrião da Lei nº 9.601/98 que instituiu o Contrato de Trabalho por Tempo Determinado110. Este contrato foi

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Ver O metalúrgico, no 415, fev. de 1996. 109

O primeiro acordo foi fechado entre o SMSP e a Metalúrgica Aliança em fevereiro de 1996. Ver "Metalúrgica é 1ª. a aderir contrato que reduz encargos". Folha de S. Paulo, 13 de fev. de 1996. Apesar de aplaudido pelo presidente Fernando Henrique, o "contrato especial" foi invalidado pela Justiça do Trabalho. Segundo Boito Jr. (1999), foi o fracasso da via ilegal que levou o governo a elaborar o projeto de lei que instituiria, dois anos depois, o Contrato de Trabalho por Tempo Determinado.

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A lei 9.601/98 ampliou a abrangência do Contrato por prazo determinado para atividades permanentes e instituiu as seguintes modificações: reduziu a parcela do FGTS (25% do total), extinguiu o aviso

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festejado pela Força Sindical e pelo governo como uma medida que geraria novos postos de trabalho. A central procurou tirar proveito político da legalização do contrato: levou um metalúrgico para assinar, simbolicamente, em Brasília, junto ao presidente Fernando Henrique, o primeiro contrato – episódio que foi bastante noticiado pela imprensa e explorado pelo governo, que assistia, na época, à queda dos índices de sua popularidade111. Em 1997, o SMSP assinou uma carta de intenções com a FIESP, que previa diminuição da jornada de trabalho de 44 para 30 horas e reduzia impostos. O inédito acordo coletivo de trabalho dependia contudo de regulamentação pelo governo. Como a proposta da central implicava em renúncia fiscal, da ordem de 37% no valor dos tributos, não houve aceitação pela parte do governo.

No final de 1998, o governo FHC instituiu, através da MP 1.726/98, a demissão temporária ou lay–off112. Este instrumento criava uma nova regulamentação para o momento da

demissão, ao suspender o aviso prévio e adiar o pagamento dos encargos trabalhistas. A Força Sindical validou a demissão temporária, alegando que tal medida poderia melhorar a situação das empresas e minimizar a situação do trabalhador demitido temporariamente – já que ele poderia fazer cursos de qualificação e receber cesta básica durante o período113. O governo, por sua vez,

prévio e a multa por rescisão contratual, diminuiu em 50% as contribuições patronais relativas a encargos e facilitou a aplicação do banco de horas. Lembremos que o art. 443 da CLT limitava esse tipo de contrato às atividades transitórias. Notemos também que, até então, o governo vinha realizando a "reforma trabalhista" por meio de Medidas Provisórias, como por exemplo, a MP 1.709/98 que instituiu a jornada parcial de trabalho com duração de 1 a 5 horas, com correspondente redução de salários. Esta última MP exigia apenas o acordo individual, sem a participação do sindicato.

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Ver "Sindicato quer intermediar contratação". Folha de S. Paulo, 22 de jan. de 1998. 112

A MP 1.726/98 estabeleceu a suspensão do contrato de trabalho por prazo indeterminado segundo a vontade da empresa, adiando o momento da dispensa efetiva. O trabalhador, durante o período de suspensão, receberia o seguro desemprego e uma bolsa para participar de cursos de qualificação profissional. Além disso, este período de suspensão não contaria para efeitos de aposentadoria, FGTS, 13º. e férias.

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A análise das greves realizadas durante o ano de 1998, na base do SMSP, evidencia uma luta de retaguarda, dada a pressão do desemprego e o fechamento de inúmeras indústrias na capital paulista. As

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respondia à pressão dos empresários pela redução dos encargos trabalhistas. A posição de um economista explicita os interesses da burguesia brasileira na demissão temporária:

"O expediente da demissão temporária, obviamente, não dissolve a montanha de custos trabalhistas. Nesse sentido, não vai ao âmago da gestão do emprego. Mas, ao flexibilizar o momento do acerto de contas, permitindo ao empresário em dificuldades postergar o desembolso desses gravames, o mecanismo proposto lhe dá fôlego talvez suficiente para manter–se flutuando até poder contornar a emergência que teria dado origem ao afastamento do empregado. Portanto, não há que discutir muito se a medida proposta reduz ou não a taxa média de desemprego: a resposta é positiva" 114.

Em nosso entendimento, a promessa de gerar empregos através da desregulamentação mostrou–se uma panacéia115. Como política compensatória ao desemprego, o contrato de trabalho por tempo determinado e a lay–off foram, pode–se dizer, um fracasso. A expectativa da central de geração de 20% de empregos na cidade de São Paulo não se concretizou116, como mostram os índices recordes de desemprego na cidade de São Paulo117. Estes contratos serviam, na realidade, aos interesses da burguesia com a redução dos encargos, com a legalização dos contratos irregulares e, até mesmo, como estímulo à sub-contratação. ''O contrato por tempo determinado é

reivindicações incluíam: estabilidade no emprego e extensão de alguns benefícios para os trabalhadores demitidos. Na greve da Brazaço–Mapri, em abril de 1998, os trabalhadores reivindicavam a extensão da assistência médica e da cesta básica por mais seis meses aos demitidos e garantia de emprego de 120 dias para o pessoal com salário até R$2.500,00. A greve ocorrida na BS Continental em julho de 1998 foi motivada pela demissão de 130 metalúrgicos. Os trabalhadores demitidos negociaram um pacote de benefícios que incluiu quatro meses de assistência médica e quatro cestas básicas.

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Ver "Entre purgatório e inferno", Folha de S. Paulo, 08 de ago. de 1998. A matéria é assinada pelo economista Paulo Rabello de Castro, vice–presidente do Instituto Atlântico, que vinha assessorando a Força Sindical.

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Segundo dados da RAIS, no período de 1998–2000, em São Paulo, 200 acordos coletivos foram assinados implementado o "Contrato Especial", quando a previsão era de 9.895. Ver www.mtb.gov. 116

Ver "Contrato de tempo fixo divide opiniões". Folha de S. Paulo, 08 de fev. de 1998. As primeiras iniciativas de flexibilização do contrato resultaram nos seguintes acordos: Autopar (10); Brasilata (10); Compo (28); Ggyster (12); Lorenzetti (271); Metal Leve (150); Rolamentos Fag (20); Tutti (10); Uel (14).

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O índice de desemprego na cidade de São Paulo bateu a casa dos 19% em maio de 1998 e dos 20% em abril de 1999.

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um avanço. Talvez não gere emprego, mas também não favorece a informalidade'', afirmou Horácio Lafer Piva, da FIESP118.

A maior ofensiva da Força Sindical no sentido de desregulamentar os direitos trabalhistas ocorreu em 2001, durante a aprovação do PL 5.483/01, de autoria do Executivo, que propunha a alteração da CLT119. Este projeto gerou protestos por parte de representantes da CUT, da CGT e do MST, pois procurava instituir a prevalência do negociado sobre o legislado. Possibilitava, também, a eliminação de vários direitos, uma vez que a Constituição estabelece o direito de férias, mas não define sua duração; estabelece que a remuneração do trabalho noturno deve ser superior à do diurno, mas não define sua proporção; consagra o FGTS, porém não define o valor da contribuição, entre outras medidas120. Sob pretexto de fortalecer os sindicatos nas negociações, o projeto visava, de fato, quebrar a CLT e liquidar a Justiça do Trabalho (JT), cuja função tem sido a de fiscalizar o cumprimento das leis trabalhistas celetistas e constitucionais. Vulgarizada como uma proposta que "flexibiliza direitos" – termo que na luta ideológica não é inconseqüente –, visava criar novas regulamentações, isto é, implementar um quadro legal que diminuísse a

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Ver "Contrato de tempo fixo divide opiniões". Folha de S. Paulo, 08 de fev. de 1998. Enquanto, o coordenador adjunto de política econômica da CNI, Flávio Castelo Branco, afirmava que o contrato temporário iria "solucionar o problema do emprego", Márcio Pochmann via na nova legislação um incentivo à redução de custos, mais do que à criação novos empregos. Para Pochmann, apesar de ilegal, a tendência seria a substituição, por parte das empresas, de funcionários fixos por temporários, sobretudo porque a fiscalização, responsabilidade do Estado e dos sindicatos, seria difícil. Como mostram experiências semelhantes, este tipo de contrato não foi bem-sucedido. Na Espanha, onde até meados de 1997 havia 17 tipos especiais de contrato de trabalho, houve o aumento na rotatividade e queda da qualidade e da competitividade das empresas. Ver "Contrato temporário terá efeito reduzido",

Folha de S. Paulo, 15 de jan. de 1998.

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Esse projeto, aprovado pela Câmara dos Deputados em 4 de dezembro de 2001, permitiria a flexibilização de todos os direitos trabalhistas mediante convenções (entre sindicatos patronais e de trabalhadores) ou acordos coletivos (entre sindicato e empresa) prévios. No início do governo Lula da Silva, e por pressão de setores ligados à CUT, o projeto foi retirado do Senado.

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Se aprovado, poderiam ser negociadas férias, horas–extras, descanso semanal, redução de salários, adicional noturno, entre outros direitos do trabalho que são protegidos por lei.

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interferência dos poderes públicos sobre os empreendimentos privados, ao mesmo tempo que diminuía as atividades de regulação do Estado, via JT121. O que o governo pretendia era a redução de direitos e, assim, responder às metas estabelecidas no acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1998, e às pressões da burguesia nacional.

A atuação da Força Sindical foi, mais uma vez, elucidativa. Quando o projeto foi votado em dezembro pela Câmara Federal, as disputas entre a CUT e a Força Sindical tinham recrudescido. Durante os dias que antecederam a votação da matéria, houve vários protestos de lideranças da CUT e da CGT que, impedidas de entrar nas dependências da Câmara, precisaram de um habeas–corpus para ter acesso às galerias e tentar o adiamento na votação da matéria122. A direção nacional da Força Sindical teve acesso privilegiado às dependências do Congresso e seu, então, presidente permaneceu em Brasília para pressionar os deputados pela sua aprovação. Enquanto se debatia a inclusão do projeto em regime de urgência urgentíssima – recurso regimental para que se dê prioridade à matéria dentro do cronograma das votações – o governo, através do Ministério do Trabalho, publicou anúncios em 54 jornais e fez inserções na TV e no rádio, contando para tanto com o apoio pessoal de Paulinho e de Enilson Simões, da Social Democracia Sindical (SDS) (Cf. Borges, 2002). Em março de 2002, dias antes da votação do projeto no Senado que acabou sendo suspensa, a central e o SMSP organizaram uma assembléia geral da categoria para aprovar os artigos da CLT que "queriam flexibilizar". Os metalúrgicos aprovaram, na ocasião, alteração no pagamento do 13º. salário, na licença paternidade, férias, e

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O termo "flexibilizar" significa tornar maleável e, portanto, pode aludir a um procedimento de negociação equitativa, quando, objetivamente, o que se pretende é instituir a negociação desigual e desfavorável aos trabalhadores.

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Mesmo depois de três tentativas frustradas de votação, algumas prorrogações e até uma pane no painel eletrônico, na noite do dia 4 de dezembro o projeto foi aprovado com 264 votos favoráveis, 213 contra, 33 ausentes e duas abstenções.

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horário de almoço123. Desta feita, a principal base da Força Sindical começava a cumprir um dos objetivos de seu livro–programa: substituir a CLT.

O governo FHC também contou com o apoio da Força Sindical nas discussões sobre a Reforma da Previdência e a Reforma Administrativa124. A central defendia uma Reforma pautada na redução da diferença entre trabalhadores do setor público e trabalhadores do setor privado125. Os documentos de origem, o livro–programa e as posições da central durante a revisão Constitucional e início do governo FHC, com mais evidência, mostram que a central manifestou– se favorável às propostas de mudança nas regras de aposentadoria do setor público. Quando foram iniciados os debates em torno da Previdência, a central deu seu aval ao governo, na expectativa de acabar com as aposentadorias especiais do legislativo e judiciário. Já o núcleo duro da central (lideranças do SMSP) generalizava esta proposta para todos os servidores públicos. No início de 1996, quando a proposta do governo não foi aprovada pelo Congresso Nacional, a central criticou a CUT por "defender sua casta de privilegiados, como a aposentadoria especial do professor universitário e demais servidores do setor público"126. Quando, então, avançou a votação no Congresso, desmontando também a aposentadoria do setor

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O SMSP assinou, dias depois, a Convenção Coletiva que instituía tais mudanças. Este acordo foi suspenso pelo Tribunal Regional do Trabalho (2ª. região). Ver "Justiça anula acordo que permitia flexibilização da CLT". Folha de S. Paulo, 19 de abr. de 2002.

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O exame da reforma administrativa interessa–nos na medida em que toca diretamente nos direitos dos trabalhadores do setor público, mais precisamente, na estabilidade e no regime jurídico único. A Reforma administrativa, concebida por Bresser Pereira, estabeleceu o fim da equiparação salarial entre ativos e inativos, o fim do regime jurídico único e a eliminação da isonomia entre os três poderes; consagrou a implantação de mecanismos de avaliação de desempenho dos servidores e aumentou o período de experiência, porém não extinguiu completamente a estabilidade do funcionalismo público (assegurada após 3 anos de serviço, mas com possibilidade de perda de cargo, em decorrência de avaliação periódica de desempenho).

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A central não propunha a ampliação dos direitos à estabilidade e à aposentadoria integral para todos os trabalhadores. Via os direitos conquistados pelos servidores públicos como "privilégios", os quais deveriam ser extintos.

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privado (aumento do tempo de contribuição, fim da aposentadoria por idade, por tempo de serviço e das aposentadorias especiais do setor privado), a central reagiu. Em fevereiro de 1998, a central chegou a mobilizar os trabalhadores em manifestações contra o estabelecimento de idade mínima para se aposentar, mas apoiou a proposta final do governo de extinção de algumas aposentadorias especiais e da aposentadoria proporcional, bem como aceitou o novo critério que combinava tempo de contribuição e idade127.

Durante a tramitação da Reforma Administrativa, que durou de agosto de 1995 a julho de 1998, a central também bateu firme na defesa do desmonte dos direitos dos funcionários públicos (particularmente da estabilidade no emprego). Não foi diferente a pressão da central quando o que esteve em jogo foi a aprovação, na segunda fase da Reforma da Previdência, da emenda que criou a contribuição previdenciária de 11% sobre os rendimentos dos servidores aposentados, em novembro de 1999.