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B. Nossa pesquisa diante da bibliografia

I.3 A atuação da Força Sindical nos anos de 1990 – adesão e reticência ao modelo neoliberal

I.3.1 A Força Sindical e as privatizações

Parte da plataforma neoliberal, relativa às privatizações, foi cumprida à risca por Collor em seu curto tempo de governo. A lei 8.031, de 12 de abril de 1990, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização, abriu caminho para o leilão das empresas estatais. A Força Sindical participou ativamente nos primeiros processos de privatização, em especial, da USIMINAS e da CSN, os quais, sem o apoio militante da central, teriam menor, ou sequer teriam, êxito.

A USIMINAS foi a primeira empresa estatal privatizada93. Era, na época, a 7ª. maior empresa do País e a mais lucrativa do setor94. Seu perfil não se encaixava no rol das empresas

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O texto do acordo entre o Brasil e o FMI pode ser encontrado no "Memorando da Política Econômica", 13 de nov. de 1998, http://www.fazenda.gov.br.

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O processo de privatização do setor siderúrgico, contudo, já tinha sido iniciado desde 1988. Quando o Brasil se tornou o maior produtor de aço da América Latina foi criada a Siderbrás, holding estatal que controlava a produção nacional. Em 1988 com a adoção do Plano de Saneamento do Sistema Siderbrás, foram realizadas privatizações de pequeno porte como as da Cosim (setembro de 1988), da Cimetal (novembro de 1989), da Cofavi (julho de 1989) e da Usiba (outubro de 1989), empresas que foram absorvidas pelo grupo Gerdau e Villares. A segunda etapa das privatizações do setor siderúgico aconteceu entre 1991 e 1993 e focalizou as empresas de médio e grande porte. As empresas privatizadas foram: USIMINAS (outubro 1991), Cosinor (novembro de 1991), Piratini (fevereiro de 1992), CST (julho de 1992), Acesita (outubro de 1992), CSN (abril de 1993), Cosipa (outubro de 1993), Açominas (setembro 1993). Segundo dados divulgados pelo BNDES a receita adquirida com as vendas atingiu 5,5 bilhões de dólares, chegando a 8,2 bilhões se considerados os valores apurados com as dívidas transferidas. Vale destacar que até 1994, período em que o setor siderúrgico foi totalmente privatizado, 95% dos compradores eram nacionais e apenas 5% estrangeiros. A partir de 1995, quando o investimento estrangeiro tornou–se majoritário (53%), a "desnacionalização" da indústria foi motivo de reticências por parte da população, como mostraremos no capítulo IV.

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Em 1991, a USIMINAS tinha índices de desempenho comparáveis aos dos países desenvolvidos. Era a sétima maior empresa do país, segundo a classificação da revista Exame. Produzia 7,46 toneladas de aço líquido por homem ao ano, quase o dobro da média nacional. Segundo a World Steel Dynamics, a USIMINAS ocupava o segundo lugar em eficiência entre as 153 principais siderúrgicas do mundo. Equilibrada financeiramente, mantinha um programa de investimentos com recursos próprios em

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"improdutivas e deficitárias". Não obstante, no início de 1991, o presidente Fernando Collor oficializou a proposta de venda da estatal. Naquele momento, o Sindicato dos trabalhadores metalúrgicos de Ipatinga (SINDIPA), na época filiado à CGT, veiculava os slogans "A USIMINAS é nossa" e "Diga não à privatização" em seus boletins e no jornal Olho Vivo95. Luiz Carlos de Faria, então presidente, era membro da executiva nacional da Força Sindical, aliara-se à direção da USIMINAS, ao governo Collor.

No momento em que cresciam as críticas, a mobilização e a "guerra jurídica" pela suspensão do leilão, o sindicato entra de forma ativa na campanha pela privatização da empresa. A estratégia era desqualificar qualquer possibilidade de resistência e apresentar a privatização como um fato consumado. Segundo depoimento de um advogado que acompanhou o processo de privatização da USIMINAS e da CSN, "a privatização era inevitável. Isso foi mostrado aos trabalhadores e depois [foi falado] que eles teriam vantagens ao participar do Clube de Ações"96. Segundo Luiz Carlos de Faria,

" (...) existia também uma determinação governamental que se nós participássemos, ia ser privatizada, se nós não participássemos, também ia ser privatizada. Então, quando as coisas acontecem sem a sua participação, você pode ter certeza de que seus prejuízos são bem maiores. Então nós optamos pela defesa do direito e da participação do trabalhador como um todo: PLR, compra das ações financiadas pela empresa"97.

modernização tecnológica de US$718 milhões, dos quais US$263 milhões tinham sido investidos até meados de 1991, US$180 milhões estavam contratados e o restante seria aplicado até 1993. Ver "Em números, o filé–mignon da siderurgia", Diário do Aço, 24 de set. de 1991.

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A CGT– Minas liderava uma ação popular contra a privatização da USIMINAS. O movimento contava com o apoio de juristas da UFMG e de vários sindicatos, entre eles o Sindicato dos Engenheiros, que entravaria na condição de Litisconsortes na ação contra a privatização da empresa. A questão de fundo era o valor inicial do leilão, considerado irrisório e lesivo ao patrimônio público. Ver "Guerra Jurídica", Jornal Diário do Aço, 03 de ago. de 1991.

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Entrevista realizada em Ipatinga, com João Campanário, advogado da Força Sindical, em julho de 2001. 97

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O segundo passo foi tentar viabilizar a participação dos trabalhadores nos Clubes de Investimento – o que foi possível com o aumento de 5% nos salários concedidos pela direção da USIMINAS – e tentar, em Brasília, uma ampliação de 10 para 20% nas ações reservadas aos trabalhadores.

O engajamento do Sindicato no processo de privatização ficou evidente com as revelações do presidente da USIMINAS, Rinaldo Campos Soares, após a realização do leilão em 26 de setembro. Segundo Soares, a atuação de Luiz Carlos fora fundamental ao divulgar para os investidores que o relacionamento entre a empresa e o sindicato era de parceria – o que teria contribuído para a boa imagem da empresa junto aos investidores.

Cerca de um ano depois da privatização da USIMINAS, em outubro de 1992, a venda da Acesita reacendeu a polêmica sobre as privatizações e o embate entre as centrais. A União Nacional dos Estudantes (UNE) chamou a CUT e a CGT para um protesto em frente a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro alguns dias antes do leilão. Lindberg Farias, então presidente da UNE, tinha a expectativa que, se a mobilização nacional pós–impeachment fosse mantida, a agenda das privatizações poderia ser suspensa98. A Força Sindical entrou em cena e, para garantir a realização do leilão, distribuiu nota de protesto contra a posição defendida pela UNE. Enquanto isso, o Sindicato dos Metalúrgicos de Timóteo (MG), vinculado à CUT, sofria intensa pressão, em especial do vizinho Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga. O presidente da Força Sindical foi, inclusive, até a Bolsa de Valores no dia do leilão para apoiar, in loco, a venda da empresa e contestar "quem defendia o atraso"99.

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Ver "Batalha da privatização recomeça quinta–feira". O Estado de São Paulo, 19 de out. de 1992. 99

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A mesma estratégia utilizada em Ipatinga foi importada para Volta Redonda, quando houve a privatização da CSN. Desta vez, em função da resistência dos metalúrgicos de Volta Redonda, o embate foi muito mais difícil. Graciolli (1999) analisou detalhadamente o processo de privatização desta siderúrgica e mostrou que a resistência operária e a da CUT foi quebrada após um longo e difícil processo de luta ideológica e repressão, liderado pela direção da estatal e com o apoio ativo da Força Sindical. A oposição metalúrgica à CUT, aglutinada por um grupo vinculado à Força Sindical, batizado de "Formigueiro", iniciou um trabalho paralelo ao sindicato oficial. Esse grupo passou a negociar com a direção da empresa e a incentivar a realização de cursos e viagens de metalúrgicos à Ipatinga, com a expectativa de convencê–los sobre os supostos benefícios da privatização. Além das pressões, ameaças e demissões, que de fato ocorreram em Volta Redonda, salta aos olhos a estratégia de envolvimento dos trabalhadores na compra das ações, desta feita levada à cabo pelo Sindicato, sob direção da Força Sindical, desde julho de 1992100. A atuação da direção das lideranças vinculadas à Força Sindical, em especial o presidente do sindicato, Luiz de Oliveira Rodrigues, foi tão consistente que um diretor da empresa afirmaria: "os empregados da estatal estão sob o comando da Força Sindical e, por isso, não é motivo de grandes preocupações quanto a manifestações contrárias às privatização (sic)" (apud Graciolli, 1999: 276). A fotografia de Medeiros batendo o martelo no leilão da CSN, publicada nos principais jornais do País, mostrou que aquele diretor avaliara bem seu aliado.

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O papel das chefias constrangendo os trabalhadores e o temor das demissões teriam sido determinantes na adesão ao Clube de Investimento. Ver Luís Nassif, "Sindicalismo de Negócios". Folha de S. Paulo, 18 de mar. de 1993.

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Com a mesma determinação, as lideranças da Força Sindical engajaram–se nos processos de privatização de outras siderúrgicas101. Na Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), não havia consenso por parte dos trabalhadores sobre a privatização. A posição defendida pela Força Sindical, segundo a qual a venda da Cosipa era irreversível, foi importante na decisão do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos de discutir e participar do processo. As chefias e a direção da empresa conclamaram os operários a opinar, aludindo à possibilidade de se tornarem sócios da empresa102. Em agosto de 1993, a Cosipa foi privatizada. No caso da Açominas, em setembro de 1993, o Sindicato dos Metalúrgicos de Ouro Branco, vinculado à Força Sindical, empenhou–se na promoção de uma proposta de privatização entre os trabalhadores. Seguindo a tendência das demais empresas estatais, quase 100% dos metalúrgicos teriam aprovado a privatização da siderúrgica103.

Dentre todas as empresas privatizadas, uma, em especial, chamou nossa atenção. O leilão da Mafersa, realizado em 1995, mobilizou grande parte dos trabalhadores para uma greve de protesto chamada pela Força Sindical contra o adiamento do leilão da empresa. Esta paralisação é o único indício de envolvimento ativo dos empregados pela privatização da própria empresa e é importante para mostrar que a incorporação deles não ocorria apenas por coerção ou oportunismo, mas por assimilação da ideologia neoliberal104. Diferentemente da maioria dos

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Como já assinalamos, foram privatizadas durante o período 1990–1994 oito siderúrgicas. Neste mesmo período, foram vendidas quinze empresas do setor petroquímico, cinco de fertilizantes e quatro de outros setores. A receita total foi de 8,6 bilhões de dólares e se considerarmos a dívida transferida (utilização de títulos da dívida pública) o total alcançado foi de U$11,8 bilhões. Ver www.bndes.gov.br

(página consultada em 26 de ago. de 2002). 102

Ver "Funcionários apóiam privatização da Cosipa e planejam sua participação". Gazeta Mercantil, 19 de mai. de 1992.

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"Metalúrgicos discutem a privatização da Açominas". Diário do Comércio, 21 de fev. de 1992. 104

Ver "Um raro apoio à privatização". Jornal do Brasil, 23 de mai. de 1995. Em 1991, o controle acionário da Mafersa foi adquirido pela Refer (Fundo de pensão dos funcionários da Rede Ferroviária

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casos de privatização em que os trabalhadores eram constrangidos pelas chefias a ingressar nos clubes de investimento – seja com ameaça de demissão, seja pela eficácia do "mito do trabalhador investidor" que muito ganharia ao participar da administração acionária das empresas –, no caso da Mafersa foram os próprios trabalhadores que tomaram a dianteira do processo: em 1991, quando buscaram o controle acionário da empresa, e em 1995, quando deflagraram uma greve pela realização do leilão.

No período 1995–97, a política de privatização apresentou outros contornos e encontrou, dada a inflexão da CUT na gestão de Vicentinho, menor resistência. A questão mais polêmica foi a quebra dos monopólios, aprovada pelo governo FHC, em agosto de 1995, pois sem a aprovação da emenda, não teria sido possível colocar à venda as companhias de eletricidade e telefônicas. Como posicionou–se a central diante desta nova ofensiva privatizante?

Em 1991, no I Congresso da Força Sindical, a discussão sobre o monopólio do petróleo e das telecomunicações já causou insatisfação a alguns sindicatos filiados, incomodados com a posição favorável da direção nacional. A estratégia inicial da direção era a conciliação em torno da proposta de "flexibilização" dos monopólios. Entretanto, em 1995, a conjuntura político– ideológica acirrou o debate interno e a central, que se opunha à greve dos petroleiros e apoiava as Reformas da Previdência e Administrativa, passou a defender, oficialmente, o fim dos monopólios estatais; o que ocasionou a desfiliação de alguns sindicatos, entre eles os sindicatos

Federal), mas o processo não foi concluído e a empresa teria acumulado uma dívida de US$70 milhões. Os funcionários, temerosos de um processo falimentar, supunham que o leilão solucionaria os problemas da empresa. A incorporação dos trabalhadores na formação de Clubes de Investimentos foi uma estratégia recorrente nos processos de privatização no Brasil. Ela ocorreu nas seguintes empresas privatizadas: USIMINAS (9,6% das ações foram adquiridas pelos empregados), Celma (3%), Mafersa (9,5%), Piratini (9,5%), Petroflex (10%), Copesul (10%), CS Tubarão (8,8%), Fosfertil (10%), Goiafértil (10%), Acesita (12,4%), CSN (11,9%), Ultrafértil (10%), Cosipa – Siderúrgica Paulista

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dos Telefônicos de São Paulo e dos Servidores Públicos de Osasco105. A partir de 1996, ao envolvimento direto da central nos leilões, acrescentou–se uma nova estratégia, desta feita muito mais ambiciosa. A Força Sindical propôs ao governo FHC a utilização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) na compra das ações das empresas privatizáveis, procurando assim popularizar a concepção do trabalhador investidor entre os brasileiros106. Que conclusões tiramos da atuação da Força Sindical nestes processos citados?

O apoio da Força Sindical às privatizações foi consistente. De um lado, a Força Sindical enfrentou a CUT, tanto na disputa pela direção dos sindicatos quanto na luta ideológica ao fazer propaganda contra a linha defendida por ela. Uma frase dita por Medeiros, após a vitória sobre a CUT nas eleições para o sindicato de Volta Redonda, exemplifica o que estamos afirmando: "de nada adianta manter uma posição raivosa e burra contra a privatização, como a CUT vem fazendo (...) o importante é impedir o sucateamento (...) evitar demissões e garantir a presença dos trabalhadores na privatização"107.

De outro lado, a Força Sindical negociou junto às empresas e ao governo o montante de ações reservadas para os funcionários, incentivando–os a participar nos Clubes de Investimento. Para obter sucesso nesta dupla empreitada, a central soube explorar dois aspectos da ideologia neoliberal: o privatismo entre os trabalhadores das empresas públicas privatizáveis – fomentando a ideologia do "trabalhador investidor" – e a crítica ao padrão vigente de intervenção do Estado

(20%), Açominas (20%), PQU – Petroquisa (9,8%), Caraiba (20%), Embraer (10%), Escelsa (7,7%), Light (10%), Vale do Rio Doce (5%) (Cf. Biondi, 1999).

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O sindicato dos servidores públicos de Osasco desfiliou–se em 1997 após um período de insatisfação com a orientação da Força Sindical. Segundo entrevista com um de seus diretores, houve um rompimento com a central "porque éramos chamados de sanguessugas". Entrevista realizada em Osasco, mar. de 1999.

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na economia entre os trabalhadores do setor privado – disseminando a concepção segundo a qual as estatais serviam de "cabide de emprego" para "apadrinhados" dos políticos profissionais e fonte de "privilegiados" para seus funcionários.