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A formação como componente da carreira do magistério e da valorização docente.

A CARREIRA DOCENTE NO MUNICÍPIO DE BELÉM NO PERÍODO DE 1997 A

3.3 O Estatuto do Magistério de Belém: os direitos na carreira docente.

3.3.1 A formação como componente da carreira do magistério e da valorização docente.

Os profissionais que oferecem suporte pedagógico à docência, chamados outrora “especialistas da educação”, recebem tratamento diferenciado por parte da SEMEC, por estarem na condição de técnicos. Essa diferenciação no tratamento foi ressaltada pelos profissionais da rede municipal de ensino:

“Nós, técnicos, ficamos muito de lado, o governo dava formação

para o professor e não se dava a devida atenção para o profissional que estava ali, no dia-a-dia do acompanhamento do professor.” (MAG. 6).

“O tratamento era diferente, mesmo entre os especialistas que estavam na escola e os da Secretaria; os das escolas não tinham muita clareza do que deveriam fazer, tínhamos muito pouca autonomia.” (MAG. 7).

Os apelos dos que exerciam funções técnicas aparecem como um pedido de maior compromisso para com suas funções, no interior das unidades de ensino e no reconhecimento, por parte dos gestores do trabalho desses profissionais. Estes pontuam a falta de autonomia, no processo de trabalho, o que subsidia a necessidade do entendimento sobre formação inicial e continuada.

3.3.1 A formação como componente da carreira do magistério e da valorização

docente.

O Estatuto do Magistério, ao se referir à exigência de formação para a atividade de magistério, demonstra uma concepção técnico-profissionalizante da formação que esteve

relacionada ao pensamento tecnicista e conteúdista do trabalho docente, dos anos 1960 e 1970, que, segundo Freitas (2004), foram marcados pela centralidade no conteúdo da escola (habilidades e competências escolares).

A admissão ao quadro permanente da rede de ensino é assegurada pelo ingresso na carreira do magistério, via concurso público de provas e títulos, e garante a participação e a fiscalização, pela entidade de classe, nas fases do concurso. Aquela exigência é fundamental para a garantia de permanência do docente no local de trabalho e favorece o envolvimento político e pedagógico do profissional.

Mas, ao analisarmos os cargos enumerados pelo Estatuto do Magistério de Belém, identificamos uma simetria com a visão tecnicista e fragmentada do trabalho, na medida em que, para os cargos de professor de nível médio e de especialistas, estabelece o lócus da formação desses últimos o curso de Pedagogia, caracterizando a fragmentação das habilitações e a separação da formação de professores da formação dos demais profissionais da educação, como demonstra o quadro abaixo:

TABELA 10

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DISCRIMINAÇÃO CÓDIGO ESCOLARIDADE

Professor Pedagógico MAG. 01 2º grau na área do magistério Professor com estudos adicionais MAG. 02 2º grau na área do magistério,

com estudos adicionais Professor Licenciado Pleno MAG. 03 3º grau

Administrador Escolar MAG. 04 3º grau – Pedagogia Orientador Educacional MAG. 05 3º grau – Pedagogia Supervisor Escolar MAG. 06 3º grau - Pedagogia Fonte: Lei 7.528/1991 (Estatuto do Magistério de Belém).

Essa estrutura de cargos, no magistério de Belém, refere-se ao modelo antes delimitado pelas regulamentações dos cursos de Pedagogia, o que precisaria ser atualizado na medida em que tais cursos de graduação passaram por reformulações em seus regimes e currículos, terminando com as conhecidas habilitações educacionais (supervisão, orientação, administração e inspeção).

Importa enfatizar, a partir dessa constatação de desatualização na concepção da formação do profissional da educação, expressa no Estatuto, que há um processo de diversificação das instâncias de formação inicial, que se manifesta na institucionalização de institutos superiores de educação e de cursos normais superiores, prevista na LDB/96 e na reforma da educação em andamento, no país, desde 1995. A introdução dos institutos, segundo Freitas (2004), tem reduzido os custos com o ensino em instituições universitárias que tem desenvolvimento pleno da investigação e da pesquisa, abrindo mais espaço para um ensino aligeirado, em instituições que se incubem apenas do ensino, sejam elas públicas ou privadas.

Sobre a formação continuada, há de se pensar em ações de formação integradas ao projeto político-pedagógico de cada escola, a partir de definições e articulações coletivas dos múltiplos sujeitos envolvidos no processo educativo escolar, para que aquela etapa da formação seja mecanismo eficaz no desenvolvimento profissional.

No relato de professores da rede municipal de ensino de Belém, parece unânime a visão de que a formação continuada era desenvolvida, exclusivamente, no próprio local de trabalho e direcionada para a prática, o que pode provocar reducionismo nas análises mais amplas e críticas desse trabalho em suas relações com a sociedade.

“O que acontecia nas formações? Vinha gente lá de não sei onde, lá do Sul, fazia o seu relato de experiência e dizia como tínhamos que fazer.” (MAG. 6).

“A formação teórica te leva à reflexão para a prática, mas que dá uma formação que é necessária com elaboração de projeto, fundamentação teórica, muita leitura; é um processo muito cansativo de estudo, com produção diária, mas que é importante. Então faltou algo assim, essa formação teórica combinada com a formação prática.” (MAG. 1, 1).

“A formação pessoal, profissional fica por conta do profissional, a não ser, lógico, não esquecendo que ocorrem, sim, as formações nos governos vêm acontecendo. Mas é aquela formação que se reduz para aquela tua prática do dia-a-dia na escola, não aquela formação que tu vai terminando uma graduação, vai fazendo uma especialização, terminando uma especialização vai fazer um mestrado, você não tem isso.” (MAG. 1, 2).

“A formação continuada era muito para a prática do professor, era troca de experiências dos espaços e era muito centrada na questão do que o professor deveria fazer com aquele que ele tinha.

A questão era tentar convencer o outro de que ele tinha condições de fazer somente com aquilo, porque poderia fazer um bom trabalho, era uma forma de convencimento. E quem eram as figuras que geralmente mostravam suas experiências? Eram pessoas mais ligadas ao governo, trabalhavam nas escolas que desenvolviam trabalho com materiais alternativos.” (MAG. 1, 3).

A formação continuada identificada no relato dos professores se volta para a concepção de formação em serviço, que se desenvolve, segundo Nóvoa (1995), para uma práxis reflexiva e a partir dela. Esse tipo de formação continuada, que traz em si elementos inovadores, ao tomar o trabalho concreto como categoria de análise, recuperando formas para o trabalho pedagógico, pode estar dirigida, segundo Freitas (2004), para os aspectos técnicos e metodológicos do trabalho docente, assentada na concepção do professor como um “prático” na solução de problemas, reduzido ao saber-fazer, o que não envolveria um conjunto de elementos necessários à formação docente.

Torna-se importante salientar que essa constatação, gerada pela fala dos docentes, demarca uma escolha de concepção de formação continuada, que consiste, segundo Casadei (2004), em focalizar a atenção no potencial formador e transformador dos saberes adquiridos na experiência do cotidiano da prática docente, colocando em segundo plano qualquer noção de formação continuada destinada a atualizar ou suprir lacunas diagnosticadas na formação inicial dos professores.

Uma outra concepção de formação continuada está baseada no saber antes do fazer, orientada pela racionalidade técnica, que, segundo Casadei (2004), tem como preocupação primordial a aquisição de competências escolares que habilitam os professores ao exercício da profissão.

Tal concepção de formação continuada, baseada na racionalidade técnica, pode ser tratada com relação às diferenças da formação continuada em serviço, expressas pela fala dos docentes; no entanto, essas diferenças não podem ser apontadas como expressão de um processo de ruptura epistemológica entre os modelos baseados na racionalidade técnica e os fundados na racionalidade prática, na medida em que os dois modelos estão sujeitos à prática do pensamento reflexivo.

Logo, aprende-se com a prática como se aprende com a teoria e, da mesma maneira, isto é, refletindo-se criticamente sobre a experiência, quer seja ela de natureza teórica ou

prática. Ninguém aprende com a teoria, senão refletindo criticamente sobre ela, assim como ninguém aprende com a prática, senão refletindo criticamente sobre ela.

Dessa forma, a prática docente e a formação continuada em serviço só se justificam como parte de um processo inacabado de permanente elaboração e reelaboração, pelo sujeito, de um sentido mais amplo do seu processo de formação profissional. Essa afirmação ganha reforço na posição da ANFOPE (2000) para quem:

A formação continuada trata da continuidade da formação profissional, proporcionando novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico; um processo de construção permanente do conhecimento e desenvolvimento profissional, a partir da formação inicial e vista como uma proposta mais ampla, de hominização, na qual o homem integral, omnilateral, produzindo-se a si mesmo, também se produz em interação com o coletivo. (ANFOPE, 2000, p. 22).

Para efeito de análises sobre a formação continuada, consideramos que a educação continuada em serviço constitui uma atividade fundamental da formação do professor, mas concordamos com Casadei (2004) que essa não constitui a única e nem, necessariamente, a mais estratégica concepção de formação continuada; logo, é falsa a oposição que se estabelece entre os modelos de formação continuada, baseados na racionalidade técnica ou nos saberes disciplinares, e as os desenvolvidos em serviço, fundados na racionalidade prática ou no cotidiano da prática docente na escola.

Entendemos que a formação continuada diz respeito à valorização da prática docente como a única possibilidade de êxito do professor aplicar, criativamente, a racionalidade técnica, obtida no processo de aquisição de competências escolares.

A análise que desenvolvemos sobre formação inicial e continuada é necessária para a compreensão dos mecanismos de valorização da carreira docente, expressa no Estatuto do Magistério de Belém, que fortalece uma formação dividida entre teoria e prática.

No art. 3º, do Estatuto do Magistério, apontam-se os meios de valorização das atividades do magistério que seriam asseguradas pela igualdade de tratamentos didáticos e técnicos; estruturação da carreira, prevendo progressão e ascensão funcional; por incentivo à livre organização em associação e em entidade sindical da categoria; pela organização da gestão democrática do ensino público municipal, por meio de eleição direta para diretores das escolas, através de lista quíntupla, a ser regulamentada por lei específica.

Tal artigo do Estatuto sugere avanços importantes pautados pelo movimento docente, como a questão da progressão na carreira, o incentivo à livre associação sindical, os direitos e vantagens e a gestão democrática. Apesar dos avanços, ainda apresenta limitações quando trata da gestão democrática, na medida em que os candidatos à gestão das escolas precisariam ainda passar pelo crivo da SEMEC, na lista quíntupla. Ou, ainda, quando a gestão democrática era circunscrita apenas às escolas, esquecendo a realidade de funcionamento da rede de ensino em creches e anexos educacionais.