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FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO

3.4 A FORMAÇÃO DE PROFESSOR(A) E AS QUESTÕES DE GÊNERO

Nos cursos de formação de professores(as), os/as estudantes somente têm conseguido assumir o papel crítico de intelectuais transformadores(as) muito tempo depois de sua formação. Segundo Henry Giroux (1997), não é comum, nos atuais cursos de formação, o estímulo para que assumam uma postura intelectual comprometida com um projeto de emancipação social que reflita sobre as contradições sociais, sobre as questões políticas e econômicas e, muito menos, sobre as questões relativas às assimetrias de gênero. Os cursos têm visado mais a inclusão do contingente de estudantes no mercado de trabalho, o que significa dizer que não visa a transformação social, mas, ao contrário, com o processo de formação busca-se adequar os(as) estudantes às atuais demandas do sistema capitalista. Sendo assim, o encorajamento para que assumam a função de intelectuais transformadores(as), constitui o primeiro passo para a mudança e a reestruturação da natureza da atividade docente, visando tanto o questionamento das condições desiguais em termos de classe quanto de gênero, raça e etnia.

Giroux (1997) reconhece no(a) professor(a) um(a) intelectual orgânico(a) fundamental para o desenvolvimento da educação e para a mudança da prática

92 educativa, pois esse é um trabalho que pode promover mudanças tanto no âmbito individual (mentalidade) quanto coletivo, por meio de práticas sociais que visem mudanças estruturais na sociedade.

Os professores(as) como intelectuais devem ser vistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que legitimam em sua atividade de ensino. (GIROUX, 1997, p. 163).

Na medida em que o(a) professor(a) se reconheça como intelectual, como agente importante no processo de mudança de mentalidades e de práticas educativas, buscará implementar, respaldado(a) nas teorias críticas de gênero, a desconstrução de toda prática repressora e discriminatória no contexto escolar, desenvolverá suas atividades docentes com o objetivo de construir conhecimentos mais politizados, historicizados, no que se refere às questões de gênero, desvelando as ideologias sexistas presentes nos conteúdos disciplinares, nas metodologias, nas práticas de currículo que, durante muito tempo, a ingenuidade teórica contribuiu para que passassem despercebidas.

Para construir a categoria intelectual transformador, Giroux (1997) se baseia nos escritos de Antônio Gramsci (1982), que acreditava no papel fundamental do intelectual orgânico para a transformação social, assim como Giroux acredita que o(a) professor(a) como intelectual transformador(a) é fundamental para a mudança educacional que aspiramos bem como para a transformação das obsoletas práticas educativas, presas ainda ao nocivo tradicionalismo tecnocrático, a ideologias androcêntricas e práticas sexistas. O/A intelectual transformador(a) pode fornecer a liderança moral, política e pedagógica para aqueles grupos que tomam como ponto de partida a análise crítica das condições de opressão sofridas por mulheres e homens em função das condições de classe, raça, etnia e gênero, desenvolvendo assim, modos de resistência contra-hegemônicos nas suas práticas educativas.

Os educadores progressistas de várias formações ideológicas precisam fazer das escolas centros de aprendizagem e propósitos democráticos. Os programas de formação de professores podem desempenhar um importante papel no fornecimento de lideranças necessárias para tornar as escolas responsivas à necessidade da democracia [...]. (GIROUX, 1997, p. 211).

93 Nesse sentido, a concretização de práticas inovadoras que promovam a equidade de gênero depende da articulação, da organização política dos(as) docentes no enfrentamento de práticas discriminatórias e sexistas na escola para criar, de modo coletivo, uma contra-hegemonia que aponte para ações mais concretas e articuladas, voltada para uma efetiva transformação, para a implementação de verdadeiras reformas nas escolas, que devem ser de cunho socialista e coletivo, anti-homo/lesbo/transfóbica, visando combater qualquer tipo de violência, seja ela de gênero, raça, classe, etnia, etc. ou de outra natureza. Essa mudança radical somente será possível por meio da busca de aliados na elaboração de uma ação política concreta e da alteração de práticas curriculares conservadoras. O educador Paulo Freire nos incita a refletir um pouco mais sobre o papel do(a) professor(a) como agente de resistência, como agente contra-hegemônico e transformador.

Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. [...] Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: miséria na fartura. [...]. (1996, p. 102-3).

Assim como Freire, Michael Apple também aposta na formação política dos(as) professores(as) como principal alternativa de reais mudanças na educação, pois é na dinâmica das relações pedagógicas cotidianas entre professores(as) e alunos(as) que são fomentadas novas visões de mundo, despertando nos(as) alunos(as) uma visão mais crítica da realidade, e são aprendidas formas de intervir concretamente na realidade que esses sujeitos integram fora do espaço escolar. Precisamos, assim, “[...] continuar o lento e cuidadoso trabalho de educação política dos professores e outros trabalhadores dentro do estado” (APPLE, 1989, p. 141).

Por isso, é imprescindível que os/as professores(as) se reconheçam livres e passem a exercer essa liberdade, assumindo, ativamente, seu preponderante papel na construção de uma nova educação. Essa participação deve ocorrer de forma crítica e segura, respaldada no amadurecimento intelectual dos(as) professores(as) que precisam ser donos de sua prática, saber o que querem ensinar, para que e, não menos importante, pensar em como desenvolver estes

94 processos. Entretanto, antes de tudo, é preciso saber qual ser humano se deseja formar, para, então, começar o trabalho de construção do currículo, pois toda prática educativa pressupõe uma intencionalidade, como adverte Freire:

[...] toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos: envolve o uso de métodos de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra. (1996, p. 70).

Mas, para isso, é necessário que o professorado reconquiste sua autonomia; é imprescindível essa tomada de controle sobre sua prática docente, sobre os programas curriculares, sobre sua profissão, visando novas práticas sociais, tanto dentro do espaço escolar quanto na sociedade mais ampla. Isso demanda, ainda, a criação de alianças políticas entre professores(as) e toda a equipe escolar, sendo necessário haver uma reconfiguração das relações sociais, das práticas de ensino, das questões organizativas e administrativas, de todo o sistema escolar, para que a escola, de fato, não somente instrua, mas, também, forme os sujeitos, sobretudo, politicamente.

Nesse contexto, as relações de gênero precisam ser levadas em consideração na formação docente, devem ser discutidas e problematizadas, como sugere Apple (1989), à luz das epistemologias feministas, que darão conta de analisar o papel da educação na reprodução das relações desiguais de gênero. Por isso, há a necessidade de intervir nos cursos de formação para o magistério, no intuito de fomentar novas práticas educativas, ressalta Maria Eulina Carvalho (2003) que aponta ainda duas sugestões inovadoras: a primeira, de ordem teórica, seria problematizar o conceito de gênero; e a segunda, articular essa teoria com a construção de práticas mais igualitárias e menos discriminatórias, analisando e criticando quais aspectos curriculares reforçam essas desigualdades para, então, tentar eliminá-las.

Desse modo, investir na formação docente e promover a discussão sistematizada das teorias desconstrucionistas seria uma alternativa para a desocultação da ideologia androcêntrica, dos preconceitos sexistas presentes no conhecimento, na linguagem, no currículo escolar, nas práticas pedagógicas que

95 compõem a dinâmica do processo ensino aprendizagem. Enfim, incluir a discussão de gênero nesse processo é promover a formação de sujeitos mais críticos e reflexivos, promotores de uma educação mais igualitária, mais humana na qual a equidade de gênero, o respeito à diversidade e a valorização da diferença se tornem princípios norteadores de toda práxis educativa.

3.5 APONTAMENTOS SOBRE O(A) PROFESSOR(A)-FORMADOR(A) DO