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FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO

3.3 APROXIMAÇÕES AO CONCEITO DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR(A)

A educação é uma ação que, desde os tempos mais remotos, visa a socialização dos seres humanos. Por meio do processo educativo, o ser biológico é socializado e, assim, adquire os traços culturais de humanidade, transformando-se

87 em mulheres e homens adaptados. Como já evidenciou Simone de Beauvoir (1980), com sua célebre frase, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, fica notório o grau de responsabilidade da cultura e da educação no processo de “humanização do homem17”, já que este não nasce pronto, havendo então a necessidade de formá-lo, de torná-lo cada vez mais humano, segundo Antônio Joaquim Severino (2006, p. 621) que afirma:

[...] a formação é processo do devir humano como devir humanizador mediante o qual o indivíduo natural devém um ser cultural, uma pessoa é bom lembrar que o sentido dessa categoria envolve um complexo conjunto de dimensões que o verbo formar tenta expressar: constituir, compor, ordenar, fundar, criar, instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-se um ser. É relevante observar que seu sentido mais rico é aquele do verbo reflexivo, como que indicando que é uma ação cujo agente só pode ser o próprio sujeito. Nessa linha, afasta-se de alguns de seus cognatos, por incompletude, como informar, reformar e repudia outros por total incompatibilidade, como conformar, deformar. Converge apenas com transformar [...]. (2006, p. 621).

No que concerne à sua origem, a palavra formação se originou na língua alemã Bildung (formação), no final do século XVIII. Esse termo, segundo Bolle (1977) não encontrou equivalentes quanto ao seu significado em outras línguas, como o inglês e o francês, que dessem conta de sua complexidade. Foi com o conceito de formação, na língua portuguesa, que o Bildung mais se assemelhou em complexidade e equivalência de significado. Trata-se de um conceito altamente complexo, com uma extrema aplicação nos campos pedagógico-educacional e da cultura e imprescindível, também, para a reflexão e a compreensão sobre o ser humano e a humanidade, sobre a ética, a criação, a sociedade e o Estado. Pleno de uma bagagem ideológica significativa, o conceito de Bildung, somente passa a ser compreensível, conforme o processo de evolução político-social da sociedade alemã. Formação, tal como Bildung, é um conceito genuinamente histórico e, assim, o ser do espírito está vinculado “essencialmente” com a ideia da formação. (MACEDO, 2005).

Formação não pode ser confundida com meta, porquanto supera o mero cultivo das aptidões ou de algo já existente. Para esse filósofo, da mais fina tradição fenomenológica, a formação como elevação à

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universalidade, é, pois, uma tarefa humana. (GADAMER, 1999 apud MACEDO, 2005, p. 160).

Segundo Berbaum, “uma ação de formação corresponde a um conjunto de condutas, de interações entre formadores e formandos, que podem ter múltiplas finalidades, explícitas ou não, e com as quais existe uma intencionalidade de mudança” (1982 apud GARCIA, 1999, p. 20).

Há, também, uma sutil diferença entre educação e formação, pois “a educação é uma ação realizada a partir do exterior para contribuir com o desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos, referindo-se geralmente a sujeitos não adultos”, diz Carlos Marcelo Garcia (1999, p. 18-9). Já os sujeitos adultos devem contribuir para o processo de sua própria formação, a partir das representações e competências que já possuem. Assim a formação ajudaria os indivíduos a transformarem os acontecimentos que ocorrem em sua vida cotidiana, em experiências significativas, tendo em vista um projeto cultural e coletivo. Assim, completa Garcia:

Para que uma ação de formação ocorra, é preciso que se produzam mudanças através de uma intervenção na qual há participação consciente do formando e uma vontade clara do formador de atingir os objetivos explícitos. (1999, p. 21).

Ana Maria Costa e Silva (2000) cita Fabre (1995), para quem se torna relevante conceber a formação como conceito e prática, como ação ontológica, pois, na formação, é o próprio ser que está em causa na sua forma, e Alin (1996), que diz que a formação apela a uma enunciação, pelo próprio sujeito, de questões que ele representa como consubstanciadoras do seu projeto, do seu devir e que não pertencem, exclusivamente, ao domínio dos objetos exteriores com os quais estabelece relação, mas, fundamentalmente, ao domínio do ser consigo próprio e com os outros, estabelecendo uma ligação estreita entre o ser e o fazer, o ser e o saber. Sendo assim, afirma, ainda, Antônio Joaquim Severino:

a idéia de formação é, pois, aquela do alcance de um modo de ser, mediante um devir, modo de ser que se caracterizaria por uma qualidade existencial marcada por um máximo possível de emancipação, pela condição de sujeito autônomo, uma situação de plena humanidade. (2006, p. 621).

89 Além da autonomia, Roberto Sidnei Macedo (2005) chama, ainda, a atenção para o princípio da corresponsabilidade formativa como princípio político e ético tanto no que se refere aos atores pedagógicos, aos saberes curriculares, quanto no que diz respeito às instituições, aos movimentos sociais, ou seja, à realidade concreta na qual esses sujeitos sociais estão imersos. Esse autor nos alerta para a necessidade de se construir um currículo de formação de professor(a) dentro dessa perspectiva de corresponsabilidade formativa. A formação docente possui uma dimensão de alta complexidade, não só por sua natureza, pois formar é algo complexo, envolve tanto a dimensão de quem forma, o/a professor(a) formador(a), como a de quem é formado, o/a professor(a) em formação.

Sendo assim, ao levarmos em conta a dinâmica da corresponsabilidade formativa não correremos o risco de construir um currículo de formação desconectado com a realidade concreta de formadores(as) e formandos(as); em um processo dialógico, buscar-se-á a articulação entre teoria e prática, pois, segundo Giroux (1997), os programas de formação de professores(as) têm enfatizado, sobremaneira, o conhecimento técnico, levando assim a um esvaziamento teórico na formação deste docente o que acarretará um desenvolvimento de ações acríticas e práticas político-pedagógicas medíocres do ponto de vista teórico-crítico.

Em vez de aprenderem a levantar questões acerca dos princípios que subjazem os diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teorias da educação, os estudantes com freqüência, preocupam-se em aprender o „como fazer‟, „o que funciona‟ ou o domínio da melhor maneira de ensinar um „dado‟ corpo de conhecimento. (GIROUX, 1997, p. 159).

Essa perspectiva tecnocrática, metódica, se preocupa apenas com os aspectos práticos da formação, ou seja, não se preocupa com a reflexão sobre a ação, mas, ao contrário, promove um agir mecânico, sem reflexão, limitador da autonomia do(a) professor(a). Para se concretizar esse modo de formar, já se tem desenvolvido os chamados pacotes curriculares “à prova de professor(a)” que são pautados em princípios extremamente técnicos nos quais o(a) professor(a) é visto(a) como mero(a) executor(a) de tarefas pré-concebidas. (GIROUX, 1997).

Sobre essa tentativa de limitação da prática docente e o esvaziamento teórico do processo de formação de professor, Paulo Freire salienta:

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A liberdade de mover-nos, de arriscar-nos vem sendo submetida a uma certa padronização de fórmulas, de maneira de ser, em relação às quais somos avaliados. [...] trata-se de uma asfixia realizada pelo poder invisível da domesticação alienante, que alcança a eficiência extraordinária, no que venho chamando de „burocratização da mente‟. (1996, p. 114).

Os pacotes prontos, formas eficazes de controle curricular, são cada vez mais freqüentes nas escolas, respondendo ao processo de “burocratização das mentes”, um fato que evidencia a lógica do controle capitalista e patriarcal em que há a instância daqueles(as) que pensam e a dos(as) que executam, limitando, assim, a liberdade e a autonomia dos(as) professores(as) sobre as decisões de seu trabalho. Nesses pacotes, há a intencionalidade de instaurar, nas escolas, modos programados de pensar e de agir, buscando criar, por meio do controle curricular, um modo de ser das instituições escolares. (GIROUX, 1997).

Essas ações denotam uma crescente desvalorização do papel do(a) professor(a) e a limitação de seu âmbito de atuação no processo formativo, graças a um bombardeio de fórmulas de ensinar que desconsideram a capacidade reflexiva e autônoma do(a) professor(a) sobre sua prática de ensino. Roberto Sidnei Macedo (2005) critica, ainda, a crescente valorização ou mesmo a substituição do(a) professor(a) reflexivo(a), pelos “golpes de marketing” do conhecimento de fácil consumo em cuja dinâmica as competências do(a) professor(a) são relegadas a segundo plano.

Segundo Macedo (2005), há a necessidade de se manter uma postura crítica diante dos modismos relativos à formação do(a) professor(a), visto que há uma ingênua interpretação de que tudo o que é novo é, automaticamente, bom e inovador, mas, na verdade, o que se tem visto é a permanência das coisas, daí a necessidade de se examinar mais profundamente propostas de mudança que se dizem inovadoras, principalmente quando chegam às escolas “embrulhadas para presente”.

A capacidade de reflexão docente sobre o fenômeno da aprendizagem não é considerada como algo central a esse tipo de formação; ao contrário, o centro das atenções da formação está na prática. Essa preocupação exacerbada com o método leva a um sentimento de angústia nos(as) professores(as), desmobilizando e entediando esses sujeitos criativos. Na maioria das vezes, esses métodos não levam em conta as experiências dos(as) professores(as)-formadores(as) e dos(as)

91 professores(as) em formação, assim como suas dificuldades, no sentido de estabelecer um ciclo de reflexões que promova a participação ativa desses sujeitos em todo o processo de formação e, ainda, na contextualização do currículo, tendo em vista que são sujeitos sociais no mundo.

Assim, uma das maiores ameaças aos/às professores(as) das escolas públicas, tanto na atualidade quanto no futuro, é esse desenvolvimento crescente de ideologias instrumentais que enfatizam uma abordagem tecnocrática para a sua preparação e também para a pedagogia de sala de aula (GIROUX, 1997). Contudo, a formação, como algo que visa a transformação do ser a partir de sua condição existencial, influenciada pelos condicionamentos histórico-sociais, não pode se imobilizar por uma perspectiva tecnocrática de educação. Além disso, se quisermos incluir as discussões de gênero no currículo, com vistas a promover uma educação mais democrática e comprometida com a igualdade social, precisamos romper com concepções e métodos de ensino e formação que contribuem para a burocratização das mentes e da prática dos(as) professores(as).