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A formação de professores e os saberes docentes

NO ESPAÇO ESCOLAR

5.5 A formação de professores e os saberes docentes

As análises realizadas permitem inferir que existe uma dificuldade por parte da escola em trabalhar uma perspectiva de cidadania que inclua, si- multaneamente, a consciência dos direitos, o conhecimento das leis e instân- cias que garantem esses direitos e a vivência mais efetiva de ações de cidada- nia que repercutam significativamente na escola e na comunidade onde está inserida.

Com relação à formação inicial, são unânimes em afirmar que ela foi suficiente para tratar das questões do nível de ensino em que atuam, ressal- tando, porém, a necessidade de formação continuada.

[...] o educador [...] não pode se conformar apenas com a formação inicial [...] o legado social também [...] o tempo todo se recompõe, o mundo o tempo todo se refaz, as novas tecnologias aparecem numa velocidade que a formação é incapaz de dar conta. [...] o máximo que a formação puder fazer é o mínimo que a gente possa, na verdade, atingir (Cidadão/ã 1).

Alguns educadores/as enfatizaram a ausência de um tempo pedagó- gico que permitisse o estudo, uma integração maior entre os pares e a reflexão sobre a práxis.

Quanto ao estudo, ressaltam seu desconhecimento das leis e a au- sência de tempo para ler e discutir esse tipo de material. Vale ressaltar que, na verdade, nesse caso específico, à ausência de tempo alia-se o não gostar da linguagem jurídica característica das leis. A consulta só é feita quando estrita- mente necessário, como é possível perceber nos depoimento a seguir.

Como cidadã, acho que todos têm direito de saber quais são os seus direitos. Até por que eu mesma digo... Meu Deus... acho que todo mundo devia estudar a disciplina Direito. Até porque hoje em dia

vem ai os concursos e tudo, muita legislação, muito direito do cida- dão, muito direito do consumidor, muito direito do não sei o que... e eu acho que a gente sempre deve esta mostrando a ele não só o di- reito do aluno, mas o direito do cidadão, o direito do consumidor... eu acho que deve sim sempre trabalhar esse lado (Cidadão/ã 5).

Só vejo a lei quando eu tenho a necessidade de alguma coisa eu vou consultar, quando sou afetada nos meus direitos. [...] Não sabe- ria dizer não [...] falta de esclarecimento, a falta de divulgação [...] todo mundo deveria fazer direito, para entender um pouquinho dos seus direitos, um pouquinho de lei. Falta isso na nossa formação de cidadão. A gente não tem isso não [...] até mesmo o Estatuto da Cri- ança você vê, tem acesso de vez em quando, mas você não conhe- ce.[...] Até porque a própria lei ela é meio chata de ser interpretada (Cidadão/ã 9).

Obviamente, não se espera que o/a educador/a detenha os conhe- cimentos de um advogado. Porém, parece evidente que falta uma base mais sólida até com relação às leis que sua profissão exige conhecimento, como o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Essa ausência de tempo pedagógico para estudo, no entanto, não é uma prerrogativa das leis. Os próprios saberes docentes que fogem à questão do conhecimento legal sofrem com a ausência de uma discussão aprofundada no espaço escolar.

A gente não tem mais esse tempo pedagógico de discutir as ques- tões de estudo. [...] O pessoal quando participa dos estudos intensi- vos [oferecidos pela secretaria de educação] vem muito cheio de i- déia, colocam, mas de uma forma que a gente não tem aprofundado. [...] A gente não tem esse tempo para socializar, para discutir aquela temática... está muito corrido (Cidadão/ã 4).

O mesmo acontece no processo de elaboração da proposta pedagó- gica:

O debate, para elaboração da proposta, foi tão amplo que teve mo- mento aqui que tivemos que sacrificar dias letivos, vir aos sábados para fechar ela, e fechar entre aspas, porque ela ainda não está, não é fechada [...] Ela nunca é fechada por ser uma proposta permanen- temente é [...] receptiva a qualquer novas proposições (Cidadão/ã 1).

Parece evidente que esse contexto não favorece a integração entre os/as educadores/ras quando precisam refletir sobre sua práxis:

O projeto da escola ele é feito, mas em cima dos pequenos projetos individuais ou de dois, três professores que pensam em alguma coi- sa e a escola resolve abraçar e fazemos. Às vezes, um professor começa [um projeto], outro se junta, outro se junta e ai vai saindo. O projeto do livro começou aqui, conversando, o que a gente vai fazer hoje? Eu estava pensando, nisso vamos fazer... e ai a gente já co- meçou, depois entrou geografia, ciências, português, o professor de arte deu uns toques... e ai vai a gente se integrando, se integrando e daqui a pouco está um negócio grande (Cidadão/ã 8).

A gente não tem muito tempo para se reunir, só tem o período que a prefeitura determina, então esse tempo é o que... um dia no começo do ano, um dia no meio do ano e tem que ser feita... ai a gente lança as propostas e dá andamento. Mas nessas reuniões, que são pou- cas, é que a gente define o eixo, o que fazer. Agora, como fazer é durante a aula, é no recreio, pelo corredor... [...] O projeto do livro a gente não parou, não planejou nada não, a gente disse vamos fa- zer? Vamos [...] então fez uma atividade, depois fez outra, e mais outra... [...] Fica difícil porque está na LDB que o aluno tem que ter as 800 horas. Então, fora disso nada é possível, não se pode parar. Como a gente vai fazer alguma coisa se a gente não tem tempo para sentar? Aí a alternativa que a gente encontra é nesses momentos: espera uma aula chegar ou terminar, um turno, o recreio... (Cida- dão/ã 8).

Essas evidências sugerem que esse contexto em particular certa- mente influencia a forma como a escola trabalha a cidadania, muito mais ao nível da consciência do direito do que propriamente promovendo um ambiente onde os/as alunos/as possam exercitar a cidadania na escola. Ora, como suge-

re Sacristán (2002) a escola é um espaço social onde uma micropolítica está presente. Não seria impossível ampliar as possibilidades de participação e de atos de cidadania para os/as alunos/as no próprio contexto de aprendizagem dos saberes escolares. Em suma: no tocante a esse aspecto, falta uma maior sistematização, uma maior clareza sobre que atividades poderiam ser promovi- das na escola na perspectiva da cidadania ativa.

Embora existam exceções, como por exemplo, o projeto ambiental feito no período das enchentes que tinha por objetivo estudar as causas e con- seqüências daquela enchente e também arrecadar doações para as vítimas. Vejamos o depoimento:

Com esse projeto eu estava trabalhando cidadania, solidariedade, humanização e assim... [...] Eu acho importante trabalhar essas coi- sas porque enriquece o aluno, o professor. Eu mesma estava me sentindo solidária, não só eles estavam sendo, eu também estava colocando em prática meu lado de solidariedade (Cidadão/ã 5).

Outra exceção refere-se aos casos em que o sujeito tem uma inser- ção nos movimentos sociais:

[...] a formação inicial tem um dia de começar e um dia de acabar e a formação continuada só acaba quando eu quiser que acabe. [...] Nos movimentos, à medida que a gente participa a gente está vendo ali pessoas, a gente está no ambiente onde muitos estão atualizados, [...] lá ta cheio de intelectual orgânico, lá tá cheio de intelectual con- vencional e lá estamos nós também. Então, na verdade, cada espa- ço desse é um espaço formação continuada, enquanto que a forma- ção inicial, a graduação pra ser mais exato, ela teve um dia de co- meçar e um dia de acabar. Mas uma coisa certamente ela também nos disse: que não parasse. (Cidadão/ã 1).

Dessas evidências pode-se depreender que a formação para a cida- dania no espaço escolar, não pode ser desvinculada do contexto de práticas pedagógicas reflexivas na perspectiva apontada por Veiga (1992). Isso significa que a prática pedagógica como dimensão da prática social requer a articulação teoria/prática, sendo importante buscar as condições necessárias. Nessa ótica, a práxis, no sentido utilizado por Vázquez (1977) exige ação humana conscien- te e plena de intencionalidade. É justamente essa intencionalidade de formar para a cidadania ativa que observamos na maior parte dos discursos. Em ou- tras palavras, o discurso nos diz que essa consciência é compartilhada pelo/as educadores/ras, mas raramente o discurso aponta para o exercício efetivo da cidadania ativa.

Considerando que na base desse problema está a dificuldade de re- flexão, sistematização e socialização das experiências dos/as educadores/as, que alternativas podem surgir nesse cenário? A proposta de Tardif (2002) ofe- rece alguns elementos para reflexão. Tardif considera que toda profissão é composta por conhecimentos/saberes próprios que a configuram enquanto tal, direcionando não apenas seus objetivos ou finalidades, como também o próprio agir do profissional. Para o autor, é justamente a natureza dos conhecimentos que distingue as profissões das demais ocupações.

Os saberes que caracterizam a profissão docente são plurais, oriun- dos de diversas fontes, produzidos por diversos atores — nem sempre os pro- fessores — e utilizados de acordo com a necessidade da atividade prática. São saberes essencialmente sociais por serem produzidos em instâncias social- mente reconhecidas (escolas, universidades etc.), compartilhados por atores sociais (professores, alunos), produzidos a partir e na prática do trabalho do-