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Ecocidadania: a cidadania planetária na perspectiva ecológica

CAPÍTULO II – A CIDADANIA NA ERA PLANETÁRIA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

2.3 Ecocidadania: a cidadania planetária na perspectiva ecológica

A construção de uma cidadania ecológica e planetária encontra-se no cerne do movimento ambientalista. A questão ecológica se constitui em es- paço transnacional privilegiado porque foi justamente nos movimentos em de- fesa do meio-ambiente que o sentimento de pertença ao planeta primeiramente se desenvolveu. Na Rio 923 esse sentimento de pertença ao planeta foi ex-

presso e ganhou força no lema: a terra é uma só nação e os seres humanos seus cidadãos. Subjacente a essa afirmação encontra-se a concepção de uma cidadania que compreende toda a humanidade, constituindo-se numa síntese de todas as lutas históricas em defesa dos direitos e da dignidade da vida hu- mana, agora em âmbito planetário. Como afirma Loureiro (2002, p. 76):

Ecocidadania / cidadania planetária é um conceito utilizado pa- ra expressar a inserção da ética ecológica e seus desdobra-

3 Primeira Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável realizada pela ONU, no Rio de

mentos no cotidiano, em um contexto que possibilita a tomada de consciência individual e coletiva das responsabilidades tanto locais e comunitárias como globais, tendo como eixo central o respeito à vida e a defesa do direito a esta em um mundo sem fronteiras geopolíticas. Nesse conceito, amplia-se o destaque ao sentimento de pertencimento à humanidade e a um planeta único.

Nesse enfoque, a cidadania plena não é dada por governantes, não é garantida por leis ou pelo desenvolvimento econômico, mas permanentemen- te construída se constitui ao dar significado ao pertencimento do indivíduo a uma sociedade, em cada fase histórica. A construção dessa nova cidadania, com dimensões planetárias, se expressa no esforço coletivo para desenvol- vermos novas formas de convivência com o planeta, novas relações pessoais e intersubjetivas que, potencialmente, se estendam a todos os seres humanos e ao “próprio eu” enquanto sujeito individual que se relaciona consigo mesmo. Desse modo, a dimensão ambiental do processo de globalização se constitui em espaço privilegiado de exercício da cidadania, tanto na perspectiva local como na mais ampla, na medida em que busca a implantação de um novo pa- drão civilizacional e societário pautado em uma nova ética, pelo redimensiona- mento das relações ser humano-natureza, ser humano-sociedade e sociedade- natureza, fomentando a participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade por uma melhor qualidade de vida. Esse movimento se faz ne- cessário uma vez que, hoje, o planeta vive uma crise sem precedentes onde a sobrevivência individual e planetária configuram-se em uma única coisa.

Sobre o presente desafio Serres (1990), em seu O Contrato Natural, enfatiza que as ciências desenvolveram modelos explicativos sobre os fenô- menos existentes no planeta, bem como tecnologias que interferem no ambien- te. Essa intervenção humana tem como consequência a reação da Terra em

catástrofes ecológicas anunciadas. Destaca, o mencionado autor, a urgência da humanidade deixar de combater a Natureza e iniciar, com ela, um diálogo. Porque se ainda não se conseguiu, enquanto humanidade, o estabelecimento de uma longa paz, evitando confrontos com consequências mortais, é necessá- rio prever um contrato natural capaz de promover um “acordo entre os homens para se preservar a Terra, com quem, por outro lado, deve-se estabelecer a paz como condição para garantir a sobrevivência humana, a vida no planeta” (SERRES,1990, p. 37).

A dificuldade atual para a concretização de um acordo dessa nature- za decorre da ausência de instâncias mundiais que assumam os problemas fundamentais de dimensão planetária; da falta de uma instância ecológica e econômica capaz de regular, respectivamente, os problemas ecológicos e a economia; de uma instância que proteja as culturas, enfim, capaz de decidir sobre os problemas de vida e de morte para o planeta. Ademais, ainda não se consolidou a consciência de uma comunidade de destino, uma comunidade para qual esses problemas de vida ou morte sejam expostos para todos os se- res humanos. A era planetária traz, em seu âmago, a configuração de uma so- ciedade planetária e, conseqüentemente, a complexificação da política e de sua governança global.

Outro desafio presente refere-se à tendência de tratar as questões ecológica e social de forma independente. Para Charlot (2003), pensar medi- das paralelas, uma para responder às questões sociais (salvar a humanidade) e outra para as questões ecológicas (salvar o planeta), tem cada vez menos sentido. De acordo com Loureiro (2002), existe uma tendência em considerar o ambiente como uma categoria universal e única ignorando “a categoria ambien-

te como social, algo que se materializa à medida que grupos específicos com interesses diversos agem na sociedade” (p. 70). Além disso, é preciso salientar que a racionalidade que explora o ser humano é a mesma que destrói a natu- reza, sendo necessário a construção de um movimento de resistência cultural e ecológica que se contraponha a essa abordagem. Apesar das dificuldades da implementação de medidas que efetivamente garantam o desenvolvimento sustentável e maior justiça social em nível planetário, tal desafio, segundo esse autor, exige envolvimento da sociedade civil em movimentos sociais que apre- sentam um potencial de transformação:

Passou a ser urgente a busca de mecanismos efetivos de par- ticipação e poder de decisão em movimentos sociais que cons- tituem a sociedade civil nacional e internacional, com a institui- ção de espaços públicos deliberativos que traga para o âmbito dos direitos o senso responsabilidade cívica com ênfase nas questões de humanidade (gênero, ambiente, minorias, fome, exploração infantil, analfabetismo, doenças epidêmicas, entre outros). No mundo contemporâneo, o conceito de cidadania envolve complexos conjuntos de direitos e responsabilidades sociais, não mais limitados aos padrões tradicionalmente asso- ciados ao Estado-Nação, e sim pensadas, produzidas e repro- duzidas em sentido global. (LOUREIRO, 2002, p. 75-76).

Nessa ótica, os movimentos sociais contemporâneos, nos quais se inscreve o movimento ambientalista, constituem uma resposta à colonização do mundo da vida pela racionalidade instrumental que rege a sociedade capitalis- ta, e tem por objetivo primeiro a criação de espaços públicos democráticos de diálogo e relações intersubjetivas. A pressão dos movimentos sociais, da soci- edade civil comprometida com as lutas sociais, pode contribuir decisivamente para a consolidação de uma cidadania mais substantiva.

nacional. Daí as proposições que apontam para uma alternativa de globaliza- ção que vá além da econômica, mediante o surgimento de atores que forjem as bases de uma sociedade civil fundada nos direitos humanos e na cidadania ativa.

2.4 Cidadania planetária e direitos humanos: limites e