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CAPÍTULO 2 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO RIO DE JANEIRO ATLÂNTICO: a

2.1. COPACABANA: HISTÓRIA E SOCIEDADE

2.1.1. A formação do bairro

“Areal”, “arrabalde”, “subúrbio”, “deserto arenoso”, “sem habitação”. Nas décadas finais do século XIX, em jornais, revistas, relatórios e pronunciamentos oficiais do período, foi comum a associação das expressões aqui referidas ao bairro de Copacabana. Banhado pelo Oceano Atlântico, o bairro estava geograficamente isolado do restante da cidade; até 1892, quando se inaugurou o primeiro túnel (conectando Copacabana à Botafogo), além da via marítima, apenas três caminhos possibilitavam o acesso àquela parte da cidade:

[...] um deles, começava na rua da Real Grandeza, em Botafogo, e passava sobre o morro da Saudade, descendo pela rua e pela ladeira do Barrozo, atuais, rua Siqueira Campos e ladeira dos Tabajaras, respectivamente. O segundo começava na rua da Copacabana - atual rua da Passagem, em Botafogo - e seguia a ladeira do Leme, passando junto ao antigo forte. Finalmente, podia-se chegar a Copacabana através da lagoa Rodrigo de Freitas, passando por Ipanema e pela praia do Arpoador. O primeiro acesso, apesar de mal conservado, era o preferido, uma vez que o segundo era muito íngreme e o último implicava uma viagem bem mais longa (CARDOSO et all, 1986, p. 24).

Usualmente se atribuiu o início da história de Copacabana ao ano de 1892, quando foi construído o primeiro túnel e se iniciou o tráfego de bondes no bairro49. Apesar do papel relevante desempenhado pela expansão do sistema de transporte público à Copacabana, já no decurso da segunda metade do século XIX observamos uma série de acontecimentos que evidenciam o “despertar” desta região atlântica da cidade antes de 1892.

No ano de 1858, entre os dias 22 e 24 de agosto, Copacabana foi destaque no noticiário local da cidade do Rio de Janeiro dado a suposta presença de grandes baleias em seu litoral. O

49 As Comemorações do I Centenário de Copacabana, por exemplo, foram celebradas em 1992, aludindo ao aniversário de 100 anos (1892-1992) que o bairro completou naquele ano.

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evento teria contado ainda com a presença de D. Pedro II, então imperador do Brasil, que se deslocou até o bairro para a observação do fenômeno. Segundo Berger e Berger (1959), foi a partir deste momento que começou um maior interesse pelo bairro; moradores das redondezas, inclusive, teriam se reunido para realizar melhorias na “Igrejinha”, construída no século XVI e que deu origem ao nome do bairro (que significa “mirante” ou “observatório do azul”).

Na mesma década, por meio do decreto n. 1733, de 12 de março de 1856, se iniciou o debate acerca da construção de um “sistema de viação por meio de carris de ferro”, por meio de concessão imperial à Cândido Batista de Oliveira e Luís Plínio de Oliveira. Em 1862, esta mesma concessão foi transferida ao Barão de Mauá, por 40 contos de réis (BERGER E BERGER, 1959, p. 49).

O estabelecimento de uma infraestrutura para o serviço de bondes, contudo, foi instituído apenas em 1892. Ao longo das décadas precedentes jornais e revistas da época noticiaram o percurso de idas e vindas que permearam a construção das linhas de bonde. O assunto, por exemplo, esteve presente na Revista de Engenharia durante toda a década de 1880, quando o então Ministério da Agricultura lançou sucessivos editais para a concessão dos carris de ferro de Copacabana50, mas acabou por revogar inúmeras destas outorgas (ao Conde de

Lages e à Duvivier & C., por exemplo) dado o descumprimento dos termos e condições pelos concorrentes ou pela demora em iniciar as obras51.

Cardoso et all (1986, p. 25-26), no trecho a seguir, expuseram alguns dos argumentos que nos auxiliam a compreender de que forma ocorreu estes processos de concessão de serviços públicos no período:

A construção e a exploração das linhas de transporte, bem como de outros serviços e grandes obras públicas, eram feitas por particulares ou empresas através de concessões obtidas junto ao governo imperial. Muitos obtinham as concessões, mas não conseguiam levantar os capitais necessários; nesse caso, a concessão era anulada depois de vencido o prazo de validade, ou então vendida a terceiros. Algumas concessões não passavam de objeto de transação comercial, enquanto outras se

50 A título de exemplo: em 30 de dezembro de 1881 o Ministério da Agricultura fez a seguinte chamada: "Na directoria das obras publicas do ministerio da agricultura, commercio e obras publicas serão recebidas durante 90 dias propostas em carta fechada, para a construcção, uso e gozo de uma linha de carris urbanos, por tracção animada, ligando o centro da cidade ás praias da Saudade e da Copacabana [...]" (Revista de Engenharia, 1882, Ano IV, num. 1, p. 328). Por nenhuma das propostas enviadas se adequarem ao edital, em 25 de abril de 1882 o ministério abre "nova concurrencia, declarando que as propostas só serão recebidas nesta secretaria de estado até ás 3 horas da tarde no dia 10 de Junho proximo vindouro" (Revista de Engenharia, 1882, Ano IV, num. 2, p. 106). 51 Como, por exemplo, informa a Revista de Engenharia (1880, Ano II, num. 4, p. 13): “Carris de ferro de Copacabana - Por decreto n. 7.673, de 21 de Fevereiro ultimo, foi declarada caduca a concessão feita ao conde de Lages e ao Dr. Francisco Teixeira de Magalhães, para construcção, uso e gozo de uma linha de carris de ferro, da rua dos Ourives á praia de Copacabana”. Outro exemplo: Em 17 de março de 1883 o Ministério da Agricultura concede por 30 anos o direito de "uso e gozo de uma linha ferro-carril para as praias da Saudade e Copacabana" a Duvivier & C. No dia 15 de setembro do mesmo ano a planta apresentada pelo concedido é negada pelo ministério, dado o não cumprimento das determinações impostas pelo edital. Por meio do decreto n. 9.022, de 29 de março de 1883, a concessão é declarada como caduca (Revista de Engenharia, 1883, Ano V, num. 1, p. 79, 256-257, 275).

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tornavam objeto de intensos debates e acirradas disputas. As concessões de serviços e de obras públicas eram vistas como promessas de lucros, e os concessionários, como privilegiados.

Além da instalação dos bondes, demonstramos o crescente interesse pelo Rio de Janeiro Atlântico ainda na segunda metade do século XIX pelas transações fundiárias que se desenvolveram na área. Interessados nos possíveis lucros que o loteamento do então “areal” poderia proporcionar, indivíduos adquiriram grandes porções de terra no bairro.

Foi o caso de Alexandre Wagner, que em 1873 comprou do Comendador João Martins Cornélio dos Santos uma porção de terra que se estendia “desde o Leme até as proximidades da atual Rua Siqueira Campos” (BERGER E BERGER, 1959, p. 26), representando quase “metade da área do futuro bairro” (CARDOSO et all, 1986, p. 33). No ano seguinte, Wagner também apresentou o primeiro plano de abertura de ruas de Copacabana, apesar de sua concretização ter ocorrido, parcialmente, em 1881 (BERGER E BERGER, 1959). Wagner, em 1876, se uniu ao Conde de Lages na tentativa de implantação das linhas de bonde em Copacabana – assim como fez na década seguinte, por meio da sua empresa Duvivier & Cia (que possuiu como sócios seus genros Theodoro Duvivier e Otto Simon).

A expectativa da chegada dos bondes em Copacabana também promoveu a ação de outros proprietários, como José Martins Barrozo e Figueiredo de Magalhães, que “doaram ao público duas ruas e duas travessas abertas em terrenos de suas propriedades [...]” (CARDOSO et all, 1986, p. 34). Figueiredo Magalhães, médico português, também teve uma “casa de saúde” próxima à ladeira do Barroso, onde desde a década de 1870 prescreveu banhos de mar aos convalescentes e executou um serviço diário e regular de diligências que saía da rua São Clemente, em Botafogo, até Copacabana (RIOTUR, 1992).

Em 1891, com a proximidade da abertura do túnel, Alexandre Wagner, Theodoro Duvivier e Otto Simon fundaram a Empresa de Construções Civis, grande responsável pelo loteamento e urbanização do bairro. Entre os acionistas estiveram dirigentes da Companhia Jardim Botânico (responsável pela abertura do túnel e estabelecimento da linha de bonde), diversos proprietários de terras no bairro, bancos, empresas imobiliárias, comerciais e do setor industrial. “Participavam ainda da sociedade Carlos Sampaio (futuro prefeito da cidade), o médico Hilário de Gouveia e o renomado engenheiro Antonio de Paula Freitas (FISCHER, 1880, p. 243), além de membros da antiga nobreza (pelo menos seis barões e um visconde)” (O’DONNELL, 2011, p. 42).

Com a abertura do Túnel Real Grandeza (atualmente, Túnel Alaor Prata), cortando o morro da Saudade, Copacabana passou por um processo de contínuo desenvolvimento urbano.

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Após 1892 uma série de novas ruas foram estabelecidas, assim como se estenderam as linhas de bonde pelo bairro. Com o mapa a seguir ilustramos as ruas existentes em 1906, que ilustra o desenvolvimento da malha viária na região.

Figura 13 – Sistema viário do bairro de Copacabana (1906)

Fonte: IBGE, Recenseamento do Rio de Janeiro (Districto Federal), 1906, p. 234.

Na Tabela 652, elaborada a partir dos eventos que em maior ou menor medida influenciaram a formação e a ocupação do Rio de Janeiro Atlântico entre o final do século XIX e a segunda década do século XX, evidenciamos o crescente interesse por este espaço da cidade ao longo do período.

Tabela 6 – Cronologia de eventos do Rio de Janeiro Atlântico

Categoria Ano Obras, leis, planos e eventos

Habitação 1891 Criação da "Empresa de Construções Civis", responsável pelo loteamento do bairro de Copacabana

Obra 1892 Construção do Túnel Velho, ligando os bairros de Botafogo e Copacabana

Obra 1894 Fundação do bairro de Ipanema, decretando a abertura de 19 ruas (dentre elas, a avenida Vieira Souto, atual beira-mar) e 2 praças Obra 1894 Inauguração do ramal da Igrejinha (Posto 6)

Obra 1894 Melhoramento da avenida Nossa Senhora de Copacabana e aprovados projetos pela Prefeitura para a construção de novas ruas Obra 1895 Abertura da Rua Francisco Otaviano, conectando, pela primeira vez,

os bairros de Copacabana e Ipanema

52A tabela não buscou ser exaustiva (ou seja, apresentar todos os acontecimentos relevantes do período), mas apenas demonstrar o caráter intenso de modificação do espaço urbano da orla ao longo do período em questão.

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Incentivos 1898

Decreto declarou isenção do pagamento de imposto para quem construísse no bairro de Ipanema (benefício estendido para Copacabana em 1899).

Obra Década de

1900

Construção da Avenida Beira-Mar, que percorre a linha litoral do centro até Botafogo e, em certa medida, facilitou o deslocamento a bairros como Leme e Copacabana.

Obra 1900 Inauguração do ramal que conectou a Praça Serzedelo Correia à rua Gustavo Sampaio (Leme)

Incentivos 1902 Decreto n. 922 estendeu por mais 10 anos a isenção fiscal para quem construísse em Copacabana

Regulamentação 1903 Decreto n. 391 que tratou da regulação dos prédios

Obra 1904 Início das obras do Túnel Novo, ligando as avenidas Lauro Sodré (Botafogo) e Princesa Isabel (Copacabana). Inaugurado em 1906. Obra 1905 Início das obras da Avenida Atlântica, que percorre a linha litoral

dos bairros de Copacabana e Leme

Regulamentação

Década Banhos de mar se tornam mais comuns nas praias do Leme e de Copacabana. Prefeitura institui o decreto que regulou a atividade. de 1910

Obra 1914 Inauguração do Forte de Copacabana, onde antes estava localizada a “Igrejinha” de Nossa Senhora de Copacabana.

Regulamentação 1915 Assinatura do decreto 11.534 que separou Copacabana e Leme do distrito da Gávea.

Habitação 1919 Surgimento dos primeiros apartamentos residenciais em Copacabana

Obra 1919 Inauguração, pelo prefeito Paulo de Frontin, da “nova” Avenida Atlântica, com pista dupla e iluminação nos canteiros centrais. Obra 1919 Inauguração do Forte do Leme (Forte Duque de Caxias). Fonte: Elaboração própria a partir de fontes diversas53

Da tabela acima depreendemos algumas considerações relevantes sobre o processo de ocupação de Copacabana: no plano legal, temos o estabelecimento de diretrizes normativas que visaram facilitar a ocupação da área (como a isenção de imposto sobre construções); no caso das obras – promovidas pelo Estado ou por companhias designadas por este – notamos um claro padrão viário, na busca por melhorar o acesso aos bairros marítimos através da construção e alargamento de ruas, avenidas e túneis, além da própria expansão do serviço de bondes; por fim, verificamos a atuação de companhias privadas na organização e venda de loteamentos, o que potencialmente contribuiu para o aumento no número de construções verificadas nos

53 Para a elaboração do levantamento foram utilizados dados coletados junto ao Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e das seguintes obras: Andreatta, Chiavari e Rego, 2009; Cardeman e Cardeman, 2016; RioTur, 1992; Jardim, 2014; Rezende, 2002.

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bairros – de acordo com o Censo de Copacabana, já haviam 2913 edifícios no bairro em 1920 (RIOTUR, 1992).

Destacamos também o Decreto n. 11.534, de 31 de março de 1915, que criou oficialmente os bairros de Copacabana e do Leme – antes disso, ambos estavam associados ao distrito da Gávea. A justificativa dada pelo texto legal foi a de que Copacabana e Leme haviam atingido um estado de desenvolvimento que já os permitia possuir seu próprio distrito policial e eleitoral. Também vemos no decreto que a população dos dois bairros era de, aproximadamente, 40.000 habitantes.

A partir de 1920 processos de verticalização e adensamento se intensificaram em Copacabana. Foi a partir dessa década que observamos um processo de urbanização intensiva, com crescimento do bairro em termos populacionais e de estrutura edificada. Segundo Abreu (1987, p. 72), foi também nesse período que a evolução da cidade do Rio de Janeiro aconteceu enquanto reflexo de novas contradições urbanas e sociais – enquanto na área central e a zona sul eram desenvolvidos projetos de renovação e embelezamento, o subúrbio se convertia cada vez mais em zona de residência dos cariocas mais pobres e de expansão da indústria.

De modo ilustrativo, a figura 14 abaixo ilustra um dos fenômenos que caracterizou a urbanização do Rio de Janeiro após a década de 1920: o avanço da verticalização em Copacabana, que perdurou ao menos até os anos 1970.

Figura 14 – Esquema das alturas das edificações do bairro de Copacabana

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Dentre os fatores que auxiliaram a compreender a emergência do apartamento no cenário urbano carioca e de Copacabana, mencionamos: o avanço nas técnicas construtivas, representado principalmente pela introdução do concreto armado; a necessidade do capital encontrar uma forma de resolver o problema da terra na cidade (se encararmos a terra como um bem escasso, não produzível); a diminuição da produção pequeno-burguesa e o respectivo aumento do número de empresas de construção civil – segundo Ribeiro (1997), entre as décadas de 1940 e 1950 estas cresceram mais do que o setor da indústria, por exemplo; e as mudanças no plano jurídico-legal, que viabilizaram o maior aproveitamento do solo e a partilha da propriedade de um edifício entre diferentes indivíduos.

Foi neste contexto que Copacabana se converteu, em grande medida, em laboratório do mercado imobiliário da cidade. Associado a isso, de acordo com Ribeiro (1997), surgiu o apartamento “Copacabana-zona sul”, símbolo da distinção da classe média burguesa carioca a partir da segunda década do século XX. O trecho abaixo, que Ribeiro extraiu da revista O

Observador Econômico e Financeiro, evidencia este processo:

[...] o apartamento surgiu, entre nós, como um recurso para atender às necessidades das classes modestas; até uma certa época, cuja limitação ainda não se pode definir perfeitamente pelo efeito da proximidade dos dias que correm, o apartamento foi, pode-se dizer, um luxo; hoje, se ainda não deixou de ser um luxo, tornou-se para a pequena burguesia dos funcionários públicos e empregados uma necessidade de aparência, de aproximação com a classe superior (O Observador Econômico e Financeiro, jan/jul. de 1942, p. 150, apud. RIBEIRO, 1997, p. 263).

Para finalizar essa seção, exibimos dados demográficos comparativos entre o Rio de Janeiro e os bairros atlânticos para evidenciar a rápida evolução da área que compreende Copacabana e o Leme. Apesar do crescimento populacional geral em toda a cidade ter avançado de 688.000 habitantes em 1900 para 3.300.000 habitantes em 1960, o aumento da concentração populacional em Copacabana foi ainda maior. Para o período 1920-1950, por exemplo, enquanto a população carioca duplicou (de 1.147.000 para 2.350.000), os habitantes de Copacabana se multiplicaram por seis (de 22.000 para 129.250). Na tabela abaixo detalhamos esses dados.

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Tabela 7 – Evolução demográfica comparativa entre Copacabana e a cidade do Rio de Janeiro (nº habitantes) Anos 1872 1890 1900 1906 1920 1940 1950 1960 1970 Copacabana 40.000 74,133 129.249 183.346 240.00054 Rio de Janeiro 266.83 1 522.65 1 688.00 0 811.44 3 1.157.87 3 1.764.14 1 2.377.45 1 3.307.16 3 4.315.74 6

Fontes: Anuário Estatístico do Distrito Federal; IBGE; Recenseamento do Rio de Janeiro de 1906; Berger e Berger (1959); Cardeman (2016); Cardoso et all (1986), Decreto n. 11.534, de 31 de março de 1915.

2.2. O perfil dos moradores

Copacabana – e a zona sul do Rio de Janeiro, em sentido mais amplo – adquiriram ao longo do século XX o status de bairro de residência da classe alta carioca. De acordo com Cardoso (2010, p. 84), a urbanização e o povoamento de Copacabana foram centrais para a definição do conceito de “zona sul” enquanto local aristocrático, moderno, luxuoso, civilizado, higiênico e que, deste modo, representava o “espaço social das novas elites” da cidade.

No entanto, apesar da suposta homogeneidade no perfil e na classe dos moradores desta região da cidade, autores como O’Donnell (2011), Cardoso et al (1986) e Velho (1973) alertaram para a composição demográfica heterogênea de bairros da zona sul carioca. Apesar desta área urbana ter recebido durante o século anterior fluxos de pessoas de mais alta renda, observamos ao longo das décadas a constante presença de moradores da classe média e de indivíduos de estratos sociais menos abastados.

Na análise de relatos e notícias do século XIX as menções feitas aos moradores de Copacabana foram escassas, dado a classificação da área como um areal desértico, despovoado e bucólico. Quando a menção aos moradores apareceu em algum documento, estas estiveram associadas, em grande medida, aos trabalhadores que lá residiam em “pequenas e pobres choupanas”55 e trabalhavam com a atividade pesqueira.

Na década de 1890, com a abertura do Túnel Velho e o início do tráfego de bondes, o processo de urbanização se intensificou no bairro, assim como o fluxo de moradores. Os relatos da época quase sempre se referiram ao progresso do bairro, que se tornava a cada dia mais

54 Estimativa.

73 moderno e onde se erguiam “elegantes templos” e “sumptuosas habitações” (O Copacabana, o Novo Rio, 01.06.1911, p. 2, Copacabana e o seu progresso).

Figura 15 –Copacabana em 1890 (aproximadamente)

Fonte: Praia de Copacabana, Marc Ferrez, 1890 circa. Acervo IMS

Segundo O’Donnell (2011, p. 74), nas primeiras décadas do século XX “a atividade pesqueira [...] estava em perfeita harmonia com a imagem de pitoresca civilização com a qual Copacabana passava a ser propagandeada cidade afora”. Nesse sentido, apesar do deslocamento das classes mais abastadas para a área do Rio de Janeiro Atlântico, havia ainda a presença das moradias de pescadores no bairro. Em 1923, o jornal A Voz do Mar56 informou que a Colônia Z-14, localizada em Copacabana, teve em seu “quadro social” 267 pescadores domiciliados nos bairros de Copacabana, Ipanema, Gávea, Barra da Tijuca e Cammurim. Dos pescadores desta colônia, ainda, estava a responsabilidade por executar os serviços de salvação nas praias de Copacabana e Ipanema (A Voz do Mar, 19.11.1923, p. 75, Colonia de Pescadores Z-14

Copacabana – Districto Federal).

Em relação aos assentamentos de famílias de baixa renda, o jornal Correio da Manhã, em junho de 1907, foi um dos primeiros a tratar da presença deste tipo de habitação nos morros de Copacabana e Leme. De acordo com o referido jornal, já na primeira década do século passado o Morro da Babilônia (no Leme, em sua grande parte) era “um dos preferidos da

56 Este jornal, que circulou entre 1921 e 1957, se apresenta como o “Orgão Official da Confederação Geral dos Pescadores do Brasil”.

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pobreza” (Correio da Manhã, 02.06.1907, p. 1, No morro da Babylonia). Em meio a casebres, choças, cabanas e choupanas, segundo o jornal, encontravam-se lá a miséria da “pobre gente sem lar, que ficou exposta ao tempo, expulsa do casebre em que vivia por intimação do Progresso” (idem). Menções às consequências do progresso estiveram presentes ao longo do texto, criticando a pobreza e a miséria de alguns em decorrência da riqueza e do luxo de outros.

Ali na altura ha uma póvoa pacífica, e a gente que reflue ante a picareta, a grande leva dos banidos que perderam o lar, que não ganham para o aluguel dos predios que o Progresso levanta nos terrenos em que, dantes, se agachavam, modestas, as casinhas de rotula.

O exodo não cessa - diariamente passam carrocinhas carregando trastes desconjuntados, latas, vasinhas de barro, gaiolas, bahús archaicos e vão pelas estradas dos suburbios, param nas fraldas das montanhas.

Os bosques alpestres e os das planicies abrem-se acolhedores e entre as árvores aboletam-se os expulsos, sentam-se nas pedras, nas grossas raizes, perduram os fardos aos ramos e, emquanto os homens, á pressa, vão levantando os ranchos, as mulheres instalam a cozinha ao tempo e, sob um tejupá de folhas, dormem os pequenitos. A montanha povoa-se. É a caridade da Terra e assim como nos caraclysmos o homem corre para as alturas fugindo ante as águas assoberbadas, assim vae a pobreza recuando para as eminencias, abrigando-se nos cerros repellida pela Grandeza, pelo fausto arrazador das casas humildes, pelo Progresso que não consente na permanencia de um pardieiro no coração da cidade (Correio da Manhã, 02.06.1907, p. 1, No morro

da Babylonia).

A notícia, por meio do relato de moradores do morro, ainda ofereceu indícios sobre a segregação que se instalou no bairro desde o seu início: José Carlos de Andrade, morador da Babilônia há 14 anos, mencionou que “gente pobre lá em baixo não vive”, em referência ao elevado custo de se habitar uma das casas na parte plana do bairro; quando foi questionado quanto pagava de aluguel pela sua cabana, respondeu: “Uai! a gente não paga nada: o morro é