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CAPÍTULO 1 – PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL

1.2. PARTICIPAÇÃO SOCIAL

1.2.1. Formas de participação social

1.2.1.1. Contatos diretos e indiretos com o poder público

Na cidade do Rio de Janeiro durante a Primeira República, o estabelecimento de contatos entre membros da sociedade civil e integrantes do governo – tendo em vista a solicitação de demandas – foi aqui identificado como uma das formas de participação social do período. Dada a limitação de acesso aos mecanismos de participação política, uma prática comum adotada pela sociedade carioca do período foi o envio de comunicados ao prefeito, intendentes, secretários municipais ou demais integrantes do poder público (municipal ou federal). Nestes comunicados, verbais ou escritos, um determinado grupo apresentava as suas demandas e reclamações, na expectativa de que o receptor da mensagem atendesse o pedido ou o encaminhasse para indivíduos/repartições capazes de resolvê-lo.

Estes comunicados, em suma, assumiram o caráter de petições individuais ou coletivas. Os formatos dessas petições foram diversos, segundo identificamos no livro de registro de requerimentos do Conselho Municipal36: cartas, queixas, manifestos, abaixo-assinados, conversa direta com as autoridades. No caso das notificações escritas, estas poderiam ser diretas, para um destinatário específico (ex.: prefeito ou secretário de obras públicas), ou indiretas (ex.: para a Prefeitura do Distrito Federal ou Conselho Municipal, sem um foco pré- determinado). Sobre os comunicados verbais, além de diretos, foi habitual que partissem de algum membro da sociedade com recursos sociais, políticos ou econômicos (como empresários

they played an active part in the generation of a set of practices that were to constitute a true "culture of mobilization".

35 Um determinado grupo de cidadãos, por exemplo, podia fundar uma associação, ao mesmo tempo em que podia criar um periódico ou se utilizar de algum já existente para veicular suas demandas, ou, ainda, enviar uma abaixo- assinado direto para as autoridades públicas.

36 Disponível no Arquivo da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), Fundo do Conselho Municipal do Distrito Federal (1889-1935), série Requerimentos, código P0386 a P0395, P0409.

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e dirigentes de associações civis) o que possibilitava uma interlocução maior com as figuras políticas do período37.

O ato de peticionar em sua modalidade escrita esteve presente em diferentes sociedades, em diferentes períodos, usado para diversos fins (LEYS, 1955). Para Almbjär (2019), em inúmeros contextos o envio de uma carta às autoridades representou um meio pacífico de se relacionar com o Estado, ao mesmo tempo em que mobilizava indivíduos para a ação política.

As previous research has noted, petition channels stood open to anyone, rich or poor, male or female. To provide some examples, workers in ancient Egypt filed complaints through petitions, as did their latter-day equivalents in the UK’s royal dockyards of the 1700s and 1800s. In eighteenth-century Japan, daimyos and shoguns placed petition boxes in towns and castles to welcome complaints and suggestions from anyone, while Ottoman subjects directed petitions to their rulers on such topics as taxes and education. Indeed, petitions still exist today and are protected by constitutional law in the EU and the United States. The British and German parliaments continuously receive petitions (ALMBJÄR, 2019, p. 1013).

No contexto do século XIX, especialmente, o recurso de enviar petições escritas ao Legislativo foi recorrente no Reino Unido (LEYS, 1955) e na Alemanha – conforme apontaram Lipp e Krempel (2001, p. 151), visto que no contexto da Revolução de 1848, por exemplo, a Assembleia Nacional de Frankfurt recebeu cerca de 17.000 petições, de mais de 3 milhões de pessoas.

Na cidade do Rio de Janeiro, entre 1891 e 1934, o legislativo municipal também foi alvo frequente do envio de solicitações coletivas pelos cariocas. O Conselho Municipal, enquanto único órgão na qual seus representantes eram eleitos pelo voto direto da população, foi procurado constantemente pelos cariocas para o encaminhamento de pedidos e solicitações. Silva (2010) afirmou que o Conselho foi contatado por grupos do funcionalismo público (como professores e guardas) com o intuito de terem as suas necessidades atendidas. Em 1921, por exemplo, na análise dos Anais do Conselho, Silva (2010) identificou a autorização pelos intendentes de um pedido de aposentadoria para uma professora:

Nº 92

Natureza do projeto: Autorização ao prefeito para conceder à professora catedrática

das escolas primárias D. Maria Pego Santos, um ano de licença com o ordenado para tratamento de saúde.

03/10/1921.

Signatários: Alberto Beaumont, Henrique Guimarães Parecer final: Aprovado e encaminhado ao Prefeito Anais do Conselho N° 92, 03/10/1921 (apud SILVA, p. 5, 2010).

Pelo que constatamos no Inventário Analítico do Conselho Municipal do Distrito Federal (ALERJ, 2000), o envio de pedidos de aposentadoria aos intendentes foi frequente entre

37 Conforme identificado na consulta à documentos no Arquivo da ALERJ (acima referido) e no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Fundo Gabinete do Prefeito, série Viação e Obras, caixas 31, 35, 40, 201-231.

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1904 e 1930. As petições relacionadas ao mundo do trabalho foram diversas – reintegração de cargo, contagem de tempo de serviço, jubilação com ordenado por inteiro, equiparação de vencimentos, gratificação e promoção. No referido inventário também foram mencionados inúmeros pedidos (individuais e coletivos) concernentes a concessões que não apenas beneficiavam sujeitos individuais. Apesar da existência de indivíduos pleiteando causas próprias (como, por exemplo, solicitações de aposentadoria), inúmeras petições tiveram caráter coletivo – a título de exemplo, o pedido da Sociedade União Protetora de Carnes Verdes pela suspensão da medida que determinou o fechamento dos açougues às sete horas de noite; ou a demanda da Liga Federal dos Empregados em Padaria por mudanças em regras laborais.

Identificamos também pedidos para a concessão de construções e para a realização de obras públicas por entes privados (como solicitações para construir balneários, túneis e inclusive uma linha de metrô). Os requerimentos ao Conselho Municipal, em geral, foram heterogêneos em seu conteúdo – iam desde o pedido de auxílio à uma escola e de uma lei que regulasse o tráfego de carroças, até que fosse enviado um telegrama ao “presidente do Conselho Deliberativo de Buenos Aires, congratulando-o pela passagem do dia Nove de Julho” (ALERJ, 2000, p. 50). Por fim, ressaltamos que as petições partiram de indivíduos, empresas, associações e até mesmo dos próprios intendentes, que faziam requerimentos formais junto à instituição para obter informações sobre repartições e serviços públicos38.

Por outro lado, registros consultados no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro também evidenciaram o envio de requerimentos diretos e indiretos para a Prefeitura do Distrito Federal. No Fundo do Gabinete do Prefeito, repartição que assessorou diretamente o chefe do Executivo municipal, estão reunidas cartas de autores individuais e coletivos enviadas ao poder público. Na série Viação e Obras (1900-1954), por exemplo, identificamos uma demanda de setembro de 1925 enviada pela Associação dos Proprietários de Imóveis; no referido pedido os membros da associação se mostravam contrários à iniciativa da Prefeitura de construir um forno de incineração no bairro de Botafogo. Em resposta reunida no mesmo dossiê, a Prefeitura respondeu à solicitação do grupo afirmando que não atenderia ao pedido pois o forno não traria inconvenientes ao bairro, como vislumbravam os reclamantes39.

Por fim, das formas de participação social apresentadas neste trabalho, o contato com a burocracia foi o que mais possuiu um viés particularista. Apesar de numerosas demandas

38 Como foi o caso dos intendentes Cândido Pessoa e Felisdoro Gaia, ambos da chapa Reacção Republicana. No período 1922-1925 estes solicitaram dados sobre horário de expediente de secretarias municipais, contratos públicos e acerca da infraestrutura de hospitais públicos (ALERJ, 2000, p. 50-51).

39 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, fundo Gabinete do Prefeito, série Viação e Obras (1900-1954), caixa 40.

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partirem de associações coletivas ou de seus representantes diretos, solicitações individuais encaminhadas ao poder público também aconteceram40.