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CAPÍTULO 2 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO RIO DE JANEIRO ATLÂNTICO: a

2.2. A PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM COPACABANA

2.2.2. Modalidade 2: Ativismo e associação civil

Os jornais que consultamos – O Copacabana, o Novo Rio e Beira-Mar – não noticiaram grandes ações ativistas em Copacabana, como marchas, protestos e ocupação em massa de moradores na rua. Em algumas notícias localizamos relatos de procissões (como ilustrado na imagem abaixo), mas com mobilização de sentido religioso e não político.

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Figura 21 – Recorte do Beira-Mar sobre procissão em Copacabana

Fonte: Beira-Mar, 23.12.1927, p. 6, Secção Catholica.

Meses antes da fundação do Beira-Mar, entretanto, eclodiu em Copacabana uma das mais importantes mobilizações da Primeira República, levada à cabo não pelos seus moradores e proprietários, mas por militares ligados ao movimento tenentista. A Revolta do Forte de Copacabana, ou Revolta dos 18 do Forte, surgiu em 5 de julho de 1922 e constituiu-se em “um marco de contestação dos militares e de poder de fogo das oligarquias dominantes que massacraram o motim nos quartéis do Rio de Janeiro e os revoltosos que saíram em marcha pelas areias de Copacabana” (VIVIANI, 2009, p. 80).

Com exceção do evento acima, a ausência de relatos sobre grandes mobilizações políticas em Copacabana pode sugerir que, por ser um bairro “em construção”, que ainda se desenvolvia, a tendência dentre os moradores foi a de contatar o poder público sobre os problemas e não de protestar nas ruas. Pode ser um indicativo, ainda, de que a administração pública foi presente no bairro – tanto no sentido de intervir ativamente com a implementação de infraestrutura e melhoramentos, como também no sentido de que inúmeros deputados, prefeitos e intendentes do período foram proprietários e moradores de Copacabana. Por fim, o

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próprio papel do jornal na vida política do bairro, ao se colocar como porta-voz dos moradores, pode ter criado incentivos para que ativismo não se desenvolvesse no bairro. Para confirmar estas hipóteses, no entanto, seria necessário coletar informações em outras fontes para averiguar se a ausência de protestos em Copacabana se sustenta em outros canais de informação.

Em relação ao associativismo civil, apesar do limitado número de registros que documentaram a fundação de associações e o que essas reivindicaram, os jornais de bairro (tal como os analisados aqui) ofereceram alguns indícios que nos ajudaram a compreender a ação de grupos de moradores na solicitação de melhorias para as suas áreas de residência.

O Beira-Mar, por exemplo, não se constituiu necessariamente numa associação de moradores, com nome e estrutura pré-determinados; na grande parte dos casos, a reunião aconteceu em torno da defesa de uma pauta específica, como o pedido de calçamento para uma rua ou a solicitação de uma nova escola para o bairro. Conforme já expomos, existiram ainda as pautas e demandas junto ao poder público que são próprias do jornal – as chamadas “campanhas” – que surgiram pelo periódico e foram levadas a cabo por este, apesar de provável apoio de moradores e proprietários.

Deste modo, apesar de não se configurar formalmente como uma associação, o Beira-

Mar, a partir da organização de um jornal de frequência constante66 e que defendeu junto ao poder público o interesse dos moradores por mais de vinte anos, cumpriu função semelhante. O próprio jornal se apresentou enquanto representante dos moradores de Copacabana, para a defesa dos interesses locais: "'Beira-mar' é um jornal que advoga os direitos dos moradores de Copacabana, Leblon, Leme e Ipanema. Assim, tudo o que se vincula aos interesses do nosso bairro é causa nossa" (Beira-Mar, 26.05.1929, p. 1, Uma revelação sensacional).

De modo complementar, os jornais de bairro também noticiaram a atuação de associações que operaram na área, reunindo moradores em torno de um interesse ou causa comum. O Copacabana, o Novo Rio, por exemplo, relatou que por iniciativa de pessoas que moravam no bairro surgiu a “Associação de Sauvetage”, criada para auxiliar e orientar os banhistas em relação aos perigos do mar (O Copacabana, o Novo Rio, 04.02.1912, p. 1,

Copacabana em foco).

Ao longo da análise das 241 edições do Beira-Mar, entre 1922 e 1930, também identificamos associações que atuaram em Copacabana. Dentre essas associações mencionadas pelo jornal percebemos três grandes eixos de atuação: escotismo, religioso-assistencialista e político. Vejamos algumas características dessas associações.

66 De 1922, quando é fundado, até 1928 o jornal possuiu periodicidade quinzenal; a partir de 1929 começa a ser veiculado semanalmente.

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No periódico foram frequentes as menções aos escoteiros, sobretudo por meio da Associação de Escoteiros de Copacabana e da Associação de Damas Protectoras dos Escoteiros. O jornal possuiu uma seção destinada apenas para tratar desse assunto; foram noticiadas informações sobre a atuação do grupo no bairro, que iam desde a realização de festivais e jantares beneficentes, até campanhas conjuntas com a Liga da Defesa Nacional para combater o analfabetismo.

Figura 22 – Recorte do Beira-Mar sobre a parceria entre a Associação de Escoteiros de Copacabana e a Liga da Defesa Nacional

Fonte: Beira-Mar, 07.02.1926, p. 2, Ensinae aos que não sabem ler e escrever.

É interessante notarmos que o jornal também incentivou os leitores a participarem da vida associativa do bairro. No recorte que trazemos abaixo (figura 23), por exemplo, vemos que o Beira-Mar pediu para que as “distinctas senhoras” de Copacabana enviassem cartas e ajudassem na formação da Associação de Damas Protectoras dos Escoteiros. Até incentivos foram fornecidos para que as pessoas colaborassem com a causa – como a concessão de entrada franca no cinema do bairro.

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Figura 23 – Notícia do Beira-Mar sobre a Associação de Damas Protectoras dos Escoteiros

Fonte: Beira-Mar, 03.05.1925, p. 3, Divisão de Escoteiros de Copacabana.

A formação de grupos católicos também foi recorrente em Copacabana, sobretudo daqueles que atuaram na área do assistencialismo. Assim como para o escotismo, o Beira-Mar manteve uma “Secção Catholica”, presente na grande maioria das edições que analisamos. O periódico veiculou uma série de textos sobre A Liga Catholica Jesus, Maria, José, com matriz em Copacabana, que reuniu diversas associações: “Pão de Santo Antônio”, Associação da Doutrina Cristã, Associação de S. Vicente de Paula do Senhor do Bomfim, Apostolado da Oração em União ao S. C. de Jesus, “Vestuário das Creanças Pobres” e Associação de S. Vicente de Paula das Senhoras de Caridade (Beira-Mar, 06.06.1926, p. 6, Secção Catholica). Em relação à última associação mencionada, o jornal informou em 1927 que no mês de dezembro daquele ano o grupo havia destinado aos pobres 100 cartões de mantimento (com o custo total de 160$000), 102 quilos de carne, 60 litros de leite e 35 receitas “aviadas” (Beira- Mar, 23.12.1927, p. 6, Secção Catholica).

Por fim, o Beira-Mar tratou ao longo de suas páginas de agremiações com um viés claramente político, que promoveram campanhas civis e atuaram com fins eleitorais. Uma dessas associações foi o Centro Republicano de Copacabana; em dezembro de 1922 o jornal afirmou que o centro foi criado pelo “Sr. Dr. João Cobra Olinto” e teve como “principal objetivo pugnar pelos interesses do bairro” (Beira-Mar, 03.12.1922, p. 3, Centro Republicano de

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Copacabana). Em 1925 o periódico tratou novamente da fundação do referido centro,

destacando os seguintes objetivos:

[...] combater o analphabetismo; promover intensa propaganda do alistamento eleitoral; manter uma bibliotheca publica; propugnar pelos interesses de Copacabana; bater-se pelas classes menos favorecidas, principalmente pelo operariado; commemorar as datas nacionaes; prestar assistencia médica e judiciaria aos seus associados; manter um jornal semanario, que será o orgão official do Centro (Beira- Mar, 08.02.1925, p. 1, Centro Republicano de Copacabana).

Em notícia publicada no dia 22.02.1925 o Beira-Mar apontou que cerca de 400 pessoas participaram do processo de fundação do centro. Em outras oportunidades, o jornal noticiou quando e onde foram realizadas as reuniões do grupo. Em 1928, no período do pleito municipal, José Napolitano (um comerciante) foi destacado como o presidente do centro. É interessante destacarmos também que o centro esteve no mesmo endereço da redação do Beira-Mar – Praça Serzedello Corrêa, 22. Mais do que um veiculador de notícias, portanto, o jornal esteve diretamente relacionado com a formação e a atuação do centro.

O nome de José Napolitano também foi apontado em outra agremiação semelhante que atuou no bairro – o Centro Político de Copacabana. Segundo o jornal, o centro foi criado “por amigos e correligionários políticos do Sr. Dr. Nicanor do Nascimento” (Beira-Mar, 05.08.1923, p. 10, Centro Político de Copacabana). Pelo texto publicado no jornal vemos que um dos principais objetivos do grupo foi a promoção do alistamento eleitoral em Copacabana.

Figura 24 – Recorte do Beira-Mar sobre o Centro Político de Copacabana

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Outro centro, por fim, reuniu José Napolitano e o objetivo de alistar eleitores: o Centro Eleitoral de Copacabana. A associação teve o mesmo endereço do Centro Político (Rua do Barroso, 65) e o seu presidente foi o deputado Nicanor do Nascimento. Ambas associações, portanto, deveriam atuar de forma conjunta. Para o pleito que ocorreu em 17 de fevereiro de 1924, o Beira-Mar relatou que 400 eleitores foram alistados pelo centro. Para a eleição municipal seguinte, de 1928, o Centro Eleitoral publicou um manifesto em defesa da candidatura de João Clapp Filho, intendente que buscava a reeleição. Reproduzimos abaixo trechos desse manifesto:

O Centro Eleitoral de Copacabana, núcleo de reunião das forças políticas do bairro, possuindo em seu seio a representação popular dos verdadeiros cidadãos da República, veio por meio deste manifesto, apresentar ao distincto eleitorado da parochia o seu candidato á renovação do legislativo municipal no pleito que realizar- se-á domingo 28 do corrente.

O Centro Eleitoral de Copacabana apresenta o Coronel João Clapp Filho, conhecido morador e proprietário nesta localidade, ha cerca de 30 annos, que já exerceu o mandato de intendente com elevada competencia e lisura, demonstrando interesse verdadeiro para com o bem estar de Copacabana e bem assim o interesse geral do municipio.

[...] Actuando na política do Districto, Clapp Filho soube honrar áquelles que lhe deram seus votos. E só tem feito esforços para conquistas para o povo da Capital da República os melhores surtos de bemfeitorias.

A elle ainda se deve os melhoramentos do Posto de "Sanvetage" de Copacabana, o projecto que cede uma área de terreno á "União dos Empregados do Commercio"; a creação da "Feira-das-Amostras"; vários projectos de interesse para os lançamentos prediaes; a determinação do praso de dois annos para a cobrança executiva dos impostos predial e territorial; as obras de alargamento e aformoseamento do tunnel Alaor Prata; a regulamentação do ensino público primário da Municipalidade; a creação do "Grand-Guignol" da praça Serzedello Correa e a reforma, embellezamento, abertura e calçamento de varias ruas deste bairro.

[...] É junto que o eleitorado consciencioso de Copacabana, num gesto de reconhecida justiça, no próximo pleito de 28 do corrente, suffrague o nome deste brilhante representante do nosso bairro, que possue no mundo elegante e popular desta Capital a mais extremada sympathia pelo seu caracter lidimo e pela independencia e franqueza de seus actos e palavras.

Antecipadamente o Centro Eleitoral de Copacabana, agradece á todos aquelles que com este gesto de liberdade e justiça, dêm ao Coronal Clapp Filho, esta prova de reconhecimento dos eleitores da localidade (Beira-Mar, 21.10.1928, p. 46, Centro

Eleitoral de Copacabana).

Conforme adiantamos no capítulo 1, com o manifesto lido acima ficou mais uma vez evidente a atuação de centros políticos e da própria imprensa em estimular o alistamento e a participação eleitoral, fazer propaganda de políticos e, dessa forma, trazer o mundo da política para dentro do bairro. Moradores e jornais recorreram aos representantes “do nosso bairro”, ao mesmo tempo em que estes atuaram para demonstrar que defendiam as causas dos seus representados. É também digno de nota as campanhas de alfabetização que essas associações (e o próprio Beira-Mar) promoveram; num contexto em que apenas os letrados votavam, o

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ensino da leitura tinha o potencial de aumentar o número de indivíduos com acesso a esse direito.