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4. Equilíbrios e desequilíbrios da formação do profissional circense

4.1. A formação do profissional circense no Brasil

Elencamos no item anterior uma gama de escolas e instituições de diversos países, que possibilitam a formação pedagógica e artística do profissional circense na atualidade. Porém, no Brasil a situação é bem diferente: apesar de a profissão artística ser reconhecida desde 1978 pelo Ministério do Trabalho e Emprego – assim como o exercício da profissão de Artista e Técnico de Espetáculos de Diversão–, ainda não possuímos escolas reconhecidas pelo Estado em nenhum dos níveis de formação anteriormente citados.

Esse reconhecimento profissional por parte do Estado se deu pela chamada Lei do Artista (BRASIL, 1978)84, que considera:

I - Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversões públicas;

II - Técnico em Espetáculos de Diversões, o profissional que, mesmo em caráter auxiliar, participa, individualmente ou em grupo, de atividade profissional ligada diretamente à elaboração, registro, apresentação ou conservação de programas, espetáculos e produções.

O decreto de lei nº 82.385/7885apresenta em seu quadro anexo86a relação de títulos e descrições das funções em que se desdobram as atividades de artistas e técnicos em espetáculos de diversão. Entre elas, destacamos aquelas ligadas ao universo circense:

84Lei nº 6.533, de 14 de maio de 1978, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6533.htm. 85 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D82385.htm.

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acrobata, amestrador, barreira, capataz, comedor de fogo, contorcionista, diretor circense, domador, eletricista de circo, ensaiador circense, equilibrista, excêntrico musical, faquir, homem-bala, homem do globo da morte, icarista, mágico, malabarista, mestre de pista, palhaço e secretário de frente.

Segundo estabelece essa lei, os profissionais deverão ser previamente inscritos no Ministério do Trabalho, com registro na Delegacia Regional do Trabalho (DRT), e seu registro terá validade em todo o território nacional. A lei prevê ainda a forma como os artistas poderão obter esse registro:

Art. 8º Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, no Ministério do Trabalho, é necessária a apresentação de: I - diploma de curso superior de Diretor de Teatro, Coreógrafo, Professor de Arte Dramática, ou outros cursos semelhantes, reconhecidos na forma da lei; ou

II - diploma ou certificado correspondente às habilitações profissionais de 2º grau de Ator, Contrarregra, Cenotécnico, Sonoplasta, ou outros semelhantes, reconhecidos na forma da lei; ou

III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias profissionais e subsidiariamente, pela federação respectiva.

Dessa forma, independentemente de sua formação se dar no seio da família circense, em escolas e cursos mono ou pluridisciplinares, em projetos socioculturais ou de forma autodidata, o artista circense somente será reconhecido perante o Ministério do Trabalho por meio do registro na Delegacia Regional do Trabalho, sendo que esse registro pode ser adquirido a partir da demonstração de habilidades e/ou comprovação de trabalhos realizados enquanto artista. Em âmbito nacional, algumas instituições de ensino, como a ENC e a Spasso Escola de Circo, habilitam o artista a obter esse registro mediante a apresentação do diploma de formatura.

Ainda não dispomos de um órgão análogo à FEDEC, o que dificulta a obtenção de dados estatísticos sobre o número real de escolas, centros de formação, praticantes, artistas em formação, artistas formados, companhias de circo, assim como artistas em atuação.

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Temos diversas associações, cooperativas, coletivos de artistas, instituições e escolas de circo, como a ASFACI e a ABRACIRCO, entre outras, que buscam, a partir de suas representatividades, aumentar o âmbito de atuação do circo; porém, o que vemos ainda são propostas individuais que não pensam na dimensão ampla do processo. Apesar disso, muitos avanços já foram obtidos, no que tange às propostas governamentais de auxílios e apoios a diversos segmentos de atuação do circo, como visto no capítulo 1, relativo a financiamento.

Com respeito às instituições de ensino e às escolas especializadas em circo, os poucos levantamentos já realizados mostram-se insuficientes e desatualizados. Por exemplo, de acordo com o site Circonteudo87–o principal no setor– existem, na atualidade, em território brasileiro, 56 instituições de ensino do circo. Porém, após uma breve consulta informal na internet, verificamos que esse número rapidamente ultrapassa os 100 estabelecimentos. Independentemente da qualidade técnica, pedagógica, conceitual e da qualificação do corpo docente dessas instituições, a maioria delas se identifica como “escola de circo” contribuindo, direta ou indiretamente, para a formação dos futuros profissionais da área.

Embora o levantamento anterior não seja exaustivo, ou realizado por meio de uma pesquisa ampla, dados publicados nos anais do II Encontro de Escolas de Circo do Brasil, realizado em 2007 em Salvador, informam sobre um plano do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de realizar um mapeamento da atividade circense no Brasil, pesquisa que até o momento não foi realizada. A falta de dados sobre os circenses, e, por conseguinte, sobre sua formação – assim como acontece com as demais linguagens artísticas, que não possuem levantamentos estatísticos e estudos aprofundados sobre suas formações –, mostra uma menor atenção do governo em relação ao setor cultural, se comparamos este panorama ao da indústria ou ao do comércio, por exemplo.

Por outro lado, apesar de a formação circense no Brasil ainda não ser reconhecida pelo Ministério da Educação, ela vem sendo realizada de diferentes formas, entre as quais se inclui a clássica formação obtida no interior das famílias circenses, uma forma tradicional de transmissão dos saberes que foi consolidada ao longo da história do

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circo. Contudo, como vimos anteriormente, outros espaços de formação surgem a partir da década de 1970, ampliando as instituições que ensinam essa arte em diferentes âmbitos88:

- Lazer, condicionamento físico, atividade física: relacionam-se àquelas escolas que proporcionam atividades lúdicas e recreativas para crianças e jovens, assim como às academias de ginástica e musculação que ministram aulas voltadas para o condicionamento físico, além de colégios e escolas de ensino fundamental e médio que possuem cursos de extensão em circo, destacando que, neste tipo de instituição, não há preocupação quanto à formação artística.

- Cursos livres: São oferecidos pelas escolas, que disponibilizam cursos de modalidades específicas, não se preocupando com a formação geral do artista, enfatizando o aprendizado e o aprimoramento técnico específico. Também englobamos, nesta categoria, os cursos de curta duração e os workshops.

- Formação profissionalizante: São os cursos que possuem uma grade curricular e uma gama vasta de disciplinas. Tais cursos refletem uma preocupação com a formação geral do artista, inclusive com sua inserção no mercado de trabalho.

- Projetos sociais: São realizados por aquelas instituições que buscam, através destas atividades, a melhoria de vida da população em situação de vulnerabilidade social. Tais projetos, apoiados por diferentes ONGs que associam a cultura e as artes circenses a conceitos pedagógicos, dão forma a metodologias de educação para a cidadania, o desenvolvimento integral e a inclusão socioprodutiva de crianças, adolescentes e jovens de um estrato social determinado. Apesar de não serem o enfoque principal, muitos desses projetos visam uma formação profissional e a inserção desses alunos no mercado de trabalho.

Portanto, para nós, a formação profissionalizante do artista circense no Brasil, na atualidade, pode ser realizada pela família circense, por cursos livres, pela formação profissionalizante ou por projetos sociais.

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Algumas definições foram observadas durante a mesa de debate, como a definição de escola de circo, elaborada durante o II Encontro de Escolas de Circo do Brasil, realizado em Salvador, Bahia, na Escola Picolino das Artes do Circo, entre os dias 5 e 9 de março de 2007. Em contrapartida, outras definições foram elaboradas a partir da experiência de pesquisas vividas pelos integrantes do grupo CIRCUS (Grupo de Estudos e Pesquisas nas Artes do Circo), reconhecido pela Unicamp junto ao CNPq.

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Figura 14: Formação artística no Brasil

Porém, enfatizamos que nenhuma dessas formações é reconhecida pelo Ministério da Educação, fato que demonstra um atraso brasileiro em relação a outros países.

Vislumbrar a formação circense como parte de um processo de educação formal, reconhecido pelo Estado, não é negar as múltiplas formações existentes (da familiar às instituições não formais), mas sim expressar o desejo por uma formação reconhecida pelo Estado, pautada por discussões e estudos da atual e real situação brasileira, que busquem maior integração com as demandas da sociedade em sua contemporaneidade.

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