• Nenhum resultado encontrado

Depois de apresentar o conceito de formação do sujeito sob a perspectiva teórica de Bachelard, vamos expor os conceitos de formação inicial de professores, segundo Cunha (2010) e García (1999).

A escolha do trabalho de Cunha (2010) deu-se em face de sua dedicação à área de formação de professores e à pedagogia universitária. Além de ser professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), é professora titular aposentada da Universidade Federal de Pelotas, possui Mestrado em Educação pela PUCRS e doutorado em Educação pela UNICAMP.

Em seu artigo, “Lugares de Formação: tensões entre a academia e o trabalho docente”, escolhido para o presente estudo, a autora aborda a temática formação de professores no sentido de promover uma mudança na análise e reflexão do contexto educacional brasileiro. Para ela, a escola tem assumido atribuições que não lhe são pertinentes e de maior complexidade no contexto atual, devido às responsabilidades advindas das frequentes mudanças no mundo de trabalho, da revolução mediática e da alteração da estrutura da organização familiar (CUNHA, 2010, p. 129).

Entretanto, ressalta a autora, a discussão sobre a formação do professor tem permanecido praticamente inalterada e não tem acompanhado as mudanças que ocorreram na sociedade no último século nem alcançado a finalidade para a qual se destina. Diante do exposto, Cunha (2010) explicita:

[...] em qualquer área profissional que se deseje exemplificar, os contornos dos processos formativos que serviam até algumas décadas atrás, certamente estarão defasados para a realidade atual. Essa razão explica a complexidade de definir uma proposta de formação, dado que esta estará permanentemente em situações movediças, sofrendo alterações, dependendo das condições sócio-históricas do contexto onde se situa (CUNHA, 2010, p. 129-130).

Ao referir-se ao conceito de formação de professores, a autora amplia a discussão realçando que o termo se estabelece como um elemento de desenvolvimento profissional e de crescimento dos professores em sua prática pedagógica e atuação docente, bem como “[...] um processo na trajetória do professor que integra elementos pessoais, profissionais e sociais na sua constituição como profissional autônomo, reflexivo, crítico e colaborador” (CUNHA, 2010, p. 134). A autora esclarece que a formação de professores, de uma forma muito mais

ampla, constitui-se em um processo de desenvolvimento profissional emancipatório e autônomo, que se estabelece em um percurso não linear, marcado por diversos fatores que podem ser tanto facilitadores quanto empecilhos na evolução de aprendizagem da profissão.

Afirma que, durante o processo formativo docente, devem-se incluir conhecimentos básicos fundamentais para a aprendizagem da profissão. E acrescenta: “[...] é necessário considerar que o processo de formação de professores é resultado do compromisso de cada professor com seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional [...]” (CUNHA, 2010, p. 136). Evidencia, ainda, que a formação do docente tem a ver com a busca de autonomia intelectual, demarcada pelos valores coletivos, e que “as mudanças no conceito de formação são fundamentais para construir alternativas mais eficazes para a formação de professores. Exigem coragem de mudar e um olhar investigativo arguto sobre as experiências exitosas nesse campo [...]” (CUNHA, 2010, p. 136).

Nessa ótica, acrescenta que o sentido de formação é mutável, processual, e que “[...] essa condição nos dá uma sensação de fragilidade, de pouca base epistemológica e, não raras vezes, somos [...] acusados de arautos, de modismos, sempre à procura de mudanças e desprezando contribuições amadurecidas em outros contextos” (CUNHA, 2010, p. 130).

No processo de formação de professores é fundamental que as instituições de Educação Superior levem em conta o contexto em que vive o aluno que se propõe a ingressar na carreira docente. Reconhecendo a importância da história de vida do aluno universitário, sua formação passa a ser considerada como um processo que busca construir alternativas mais eficazes e coerentes, estimulando o futuro professor a conquistar seus saberes profissionais e a exercitar sua capacidade de reproduzi-los com competência e autonomia, sem perder de vista que o contexto de uma sala de aula vai muito além dos conhecimentos adquiridos no curso de graduação.

Para Cunha (2010) não podemos admitir, nos dias de hoje, que os cursos de formação de professores das Universidades, Faculdades e Institutos de Educação Superior continuem a adotar currículos estáticos, defasados diante da realidade atual, em que permanentemente ocorrem alterações sociais, históricas, culturais e econômicas, pois é deste contexto que o recém licenciado fará parte como professor.

A escola sendo a instituição em que a educação ocorre e que nela se refletem as diversas transformações demandadas pela sociedade atual, a formação inicial do professor implica, de forma, o seu desempenho profissional. Há, pois, necessidade de se estabelecer relação entre mudanças sociais e formação do professor, a fim de se promover uma discussão mais ampla do currículo.

Estudos realizados demonstram que os egressos de cursos de formação de professores, quando questionados dão grande importância ao processo de sua formação na graduação, embora esclareça que esse fato decorre de representação pragmática de formação de parte dos egressos,

[...] que aspiram, não raras vezes, a possibilidade linear de transferir o que aprenderam em seus cursos para a prática profissional contextualizada [...] Por outro lado, também está a indicar as mazelas dos currículos da formação inicial, que ainda repetem práticas ultrapassadas, reeditando as velhas dicotomias entre teoria e prática, ensino, pesquisa, conhecimento e experiência [...] (CUNHA, 2010, p. 136-137).

É de grande responsabilidade ser professor em uma sociedade em que mudanças ocorrem constantemente e refletem diretamente na formação e na atuação do docente. Também é grande a responsabilidade das instituições formadoras de professores, pois devem repensar, sistematicamente, os processos de formação para a educação básica, sem perder de vista o compromisso com uma educação emancipatória. Nesse aspecto, Cunha relata que, ao ser questionado a respeito de sua iniciação profissional e do impacto que sofre ao enfrentar pela primeira vez a prática escolar e docente, o professor geralmente recorre a sua trajetória de formação e ressalta, muitas vezes, que encontra um vácuo entre:

[...] a realidade escolar e o percurso curricular que percorreu. Tem conhecimentos estanques sobre a matéria de ensino e sobre a organização escolar e a didática. Mas falta-lhe maior articulação desses componentes, especialmente diante do campo complexo e exigente que é a sala de aula contemporânea [...] (CUNHA, 2010, p. 137).

Considerando que os currículos adotados pelas instituições de ensino superior dão grande ênfase na teoria em detrimento da prática, torna-se difícil para o estudante universitário entender que a prática é o ponto de partida para a formulação de novos conhecimentos. No âmbito das escolas ─ da educação básica à educação superior ─ a teoria é entendida como geradora da prática. É importante salientar que esta postura tem dificultado que os princípios da pesquisa sejam assumidos no contexto do ensino. Nesse sentido, são elucidativas as considerações de Cunha sobre a formação de professores, ao destacar que essa concepção:

[...] ao não reconhecer a prática como produtora de saberes, não reconhecia, do mesmo modo, a escola e o trabalho como espaço de aprendizagens e de formação. Certamente essa condição é, em grande parte, responsável pelo

estatuto profissional diferenciado entre os professores universitários e os que atuam na escola fundamental e média (CUNHA, 2010, p. 140).

Para a autora, é preciso entender que “[...] ainda estamos longe de reconhecer [...] a escola como parte e parceira na formação inicial de professores [...]”, e assegura que há “[...] uma cultura a ser modificada, que exige investimentos tanto da universidade como da escola” (CUNHA, 2010, p. 141).

Quando o professor tem uma formação inicial sólida, em que se aliaram as aprendizagens da experiência, da reflexão, da pesquisa e da contradição nos conhecimentos construídos na universidade, ao fazer suas construções, reconstruções e ampliações, o professor certamente terá sua formação inicial como fonte e base estrutural para seu desenvolvimento. Assim, para Cunha (2010, p. 141) é por meio de uma formação inicial de qualidade que pode se assegurar ao professor o alicerce para a formação continuada em sua trajetória.