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A formação integrada e o processo de emancipação para a formação omnilateral

4. FORMAÇÃO HUMANA E CURRÍCULO INTEGRADO: IMPERATIVOS

4.3 A formação integrada e o processo de emancipação para a formação omnilateral

No Brasil, a formação para a classe desfavorecida economicamente, ainda acontece mediante programas de governo. A falta de universalização da educação básica

gera desigualdades sociais porque muitos sofrem a exclusão do sistema no âmbito educacional, político, econômico e social, configurando o desemprego, subemprego, exclusão social, migrações, violência, etc., vinculados em sua maioria, à pobreza estrutural.

Romper com estas barreiras tem sido uma busca constante na construção da história do ser humano. Esta situação prevalece devido à ideologia imposta pelo capital que regula o mercado na corrida gananciosa de lucrar sempre mais mediante a exploração desumana dos indivíduos. Frigotto constata que

O ideário de globalização, em sua aparente neutralidade, cumpre seu papel ideológico ao encobrir os processos de dominação e de desregulamentação do capital e, como conseqüência, a extraordinária ampliação do desemprego estrutural, trabalho precário e aumento da exclusão social (2005, p.65).

Este processo de mundialização do capital tem como objetivo concentrar mais riquezas e poder nas mãos de um grupo cada vez menor de pessoas, ampliando e aprofundando as desigualdades entre regiões, grupos e classes sociais, geradoras da pobreza e da miséria, geralmente, em países periféricos. Esta situação também está refletida nos sistemas de educação, com nítida diferenciação de formação para a burguesia e para a classe desfavorecida socialmente.

Estamos em pleno século XXI dentro de uma realidade considerada bastante avançada denominada de ―revolução digital-molecular‖, mas a contradição em virtude do neoliberalismo continua: de um lado a ciência e a técnica, que teriam a função de garantir uma melhor qualidade de vida e de conhecimento, estão concentradas nas mãos dos detentores do capital que impõem seus interesses às nações pobres socioeconomicamente, e de outro, a educação em detrimento do trabalho, busca uma mediação às novas formas de globalização e produção flexível, sendo marcada pelo viés economicista, tecnicista, fragmentário na formação do cidadão polivalente e produtivo, (FRIGOTTO, 2005).

Frigotto ressalta ainda que ―é neste embate de concepções de sociedade e trabalho que se insere a disputa pela educação como uma prática social mediadora do processo de produção, processo político, ideológico, cultural‖ (2005, p.73). Uma mediação educacional às novas formas da mundialização do capital para a formação do cidadão polivalente, preparado para o trabalho complexo e dinâmico. Diante dessa complexidade de fazer valer os próprios interesses econômicos, Frigotto (1999, p. 26), ressalta ainda que: ―trata-se de subordinar a função social da educação de forma controlada para responder às demandas do capital‖.

As reformas educacionais foram responsáveis pelos embates e debates entorno de promover mudanças no seio educacional. Uma das ações mais recentes dessas reformas foi a aprovação do Proeja que busca uma formação mais abrangente, integrando trabalho, cultura, ciência, tecnologia, técnica, humanismo e cultura geral, abrindo novos horizontes no campo do conhecimento e oportunizando a entrada de milhares de jovens no mercado de trabalho.

Esta política educacional tem como aspecto norteador o rompimento com a ―educação bancária‖ e com a dualidade estrutural de educação para as classes favorecidas social e economicamente versus educação instrumental para classe trabalhadora ou para os pobres, com o objetivo de proporcionar uma educação básica sólida e integrada.

Os documentos do Proeja destacam a necessidade de uma formação integrada, politécnica e com vistas para onilateralidade, capaz de romper com a dualidade de trabalho manual e intelectual e formar um novo homem, capaz de alcançar sua autonomia como cidadão, compreender a realidade social, econômica, política e cultural, para adentrar o mercado de trabalho cada vez mais científico e tecnológico, de forma crítica e competente. O documento-base do Programa enfatiza que:

Um projeto como esse, requerido para o desenvolvimento nacional, precisa, em nível estratégico e tático, de uma política pública de educação profissional e tecnológica articulada com as demais políticas. A educação profissional e tecnológica comprometida com a formação de um sujeito com autonomia intelectual, ética, política e humana exige assumir uma política de educação e qualificação profissional não para adaptar o trabalhador e prepará-lo de forma passiva e subordinada ao processo de acumulação da economia capitalista, mas voltada para a perspectiva da vivência de um processo crítico, emancipador e fertilizador de outro mundo possível. (BRASIL, 2007, p. 32).

A formação assim pensada contribui para a integração social do educando. Mas é preciso perseguir um modelo de sociedade, cujo sistema educacional proporcione essas condições para todos, independentemente de sua origem socioeconômica.

O grande enfoque dos discursos sobre formação humana é em torno da formação do homem omnilateral, que visa uma formação integral, humanística, unitária, onde o ser humano é capaz de adquirir conhecimentos e participar de forma crítica e efetiva na luta por uma sociedade mais justa e igualitária.

Segundo Ciavatta (2005, p. 5), esta ênfase no termo integração é porque,

a idéia de integrar, integração, é muito sedutora. Significa juntar-se, inteirar-se, completar-se e outros significados afins – mas tem também

derivados menos atraentes como integrismo, no sentido de adequação total a um sistema, ou integralismo, aplicação total de uma doutrina política que conhecemos. Etimologicamente provém de integrar, tornar íntegro, tornar inteiro.

Manacorda (2007) aponta em Marx que, a formação integral não se desenvolve no mundo capitalista, no seu sentido de profundidade e completude de formação verdadeiramente humana de tornar inteiro, livre da divisão social e da alienação. Pode-se desenvolver a politecnia, aquisição de várias técnicas e habilidades com fins úteis para atender ao mercado nos diversos ramos da produção, que pode proporcionar a superação da unilateralidade ao transpor-se para além dessa sociedade, sem a divisão social do trabalho e de classes, aí sim, desenvolver-se-á um novo homem dentro de uma nova forma de realização social, o homem integral, onilateral, cujas aptidões serão desenvolvidas em todos os sentidos, pois serão livres para pensarem e se desenvolverem coletivamente.

De acordo com este autor, Marx trata em seus textos as questões educacionais e pedagógicas, ainda inacabadas, dentro de um ideal social-comunista, em que o processo educativo seja realizado desde o nascimento junto à família e depois àquele que está associado ao trabalho referente à união de ensino/trabalho para todas as crianças de acordo com a faixa etária. Um ensino sem o caráter unilateral (fruto da divisão do trabalho: manual/intelectual), mas onilateral em que os indivíduos desenvolveriam todas as suas potencialidades e aptidões em todos os sentidos, e por intermédio do ensino, acompanhariam todo o processo produtivo, ficando livres para se alternarem de acordo com suas necessidades, habilidades e aptidões, e assim, satisfariam suas necessidades quanto às suas inclinações pessoais, (MANACORD A, 2007).

O autor supracitado, não aprofunda os conceitos de politecnia e onilateralidade, com isso parece deixar uma lacuna para se pensar a formação onilateral no âmbito da sociedade burguesa.

Sousa Jr.(2010), aponta que esses conceitos com seus significados específicos, são de grande importância dentro da problemática da educação em Marx e faz uma relação entre os mesmos dizendo,

A politecnia diz respeito a um tipo de formação do indivíduo trabalhador no âmbito da produção capitalista, a onilateralidade se refere a formação do homem mesmo, ou seja, que se libertou das determinações da sociedade burguesa que nega a sua generacidade. Desta forma, os dois se mostram bastante distintos: o primeiro, da formação politécnica, é limitado pois comporta apenas uma série de habilidades manipuladoras e conhecimentos técnicos úteis para a produção social, enquanto o segundo processo, da formação onilateral, representa uma formação ampla do

homem mesmo, enquanto ser livre que se constrói nas relações livres (SOUSA JR., 2010, p. 3)

O autor ressalta ainda que

politecnia e onilateralidade se encontram, pois a primeira é a formação dos trabalhadores no âmbito da sociedade capitalista que, unida aos outros elementos da proposta marxiana de educação, deve encontrar o caminho entre existência alienada e a emancipação humana em que se constrói o homem onilateral ( p.9).

Então, podemos afirmar que a politecnia de viés capitalista, como base formadora de múltiplas técnicas e saberes para sua capacitação produtiva, pode ser um trampolim para a superação da unilateralidade e a porta de entrada para a construção do novo homem, da nova sociedade num contexto associativo e livre.

Gramsci, em sua obra Caderno do Cárcere, de 1932, menciona uma categoria de intelectuais preexistentes formado por um grupo social ―essencial‖ eclesiástico que monopolizava o saber e o conhecimento e estava ligado organicamente à aristocracia fundiária em troca de privilégios, assim, nunca foram abalados diante das transformações da sociedade tanto no campo político quanto social, pois eram parte da religião dominante. Esse grupo se autodenomina ―intelectuais independentes do grupo social dominante‖ por estarem inseridos na ideologia religiosa, na verdade, representavam a própria dominação.

Nesse contexto, em que a educação é privilégio de alguns e voltada para formação de trabalhadores eficientes e produtivos, não é possível a formação integral do homem.

Pois tanto para Marx quanto para Gramsci o projeto de formação mediante a escola integrada ao setor produtivo relacionava-se, na verdade, à libertação dos trabalhadores.

Gramsci pensou a escola unitária na perspectiva da formação integral, com alta qualificação técnica, mas, também, consciente do projeto socialista que prepara o indivíduo para a vida na construção de nova hegemonia. Cunha (2009, p. 68) relata,

O educador, para Gramsci, deve ter uma consciência dialética de sua tarefa mediadora e dinâmica e, ao mesmo tempo, uma consciência social do seu papel, posto que a educação não se dirige a camadas sociais homogêneas. Ignorar essa realidade é ignorar obstáculos sociais e psicofísicos que barram a estrada aos ―desclassificados‖ da sociedade na escola: a divisão tradicional entre dotados e não-dotados Não é um fato inato, hereditário, biológico, mas uma questão social.

É um obstáculo que precisa ser transposto com a contribuição de um sistema de ensino comprometido com as mudanças sociais.

Portanto, são grandes os desafios dos sistemas educacionais em alcançar autonomia e exercer com justiça e equidade a inserção social e causar mudanças no contexto da sociedade brasileira. O ponto crucial é enfrentar o neoliberalismo com atitude reflexiva no horizonte revolucionário para a formação de uma nova sociedade com educação para todos os homens, mediante processo educativo antiautoritário, aberto e criativo. Nessa perspectiva e diante do impasse em que se encontra a educação no Brasil, Frigotto (2005, p. 79) afirma,

Também é clara a direção da luta para todos aqueles que querem, ao mesmo tempo, alterar as relações sociais que produzem a desigualdade social e assegurar os direitos sociais básicos, entre eles a educação básica, gratuita, laica, unitária, politécnica e universal.

É nessa perspectiva que a educação é apontada como um espaço de luta por mudanças estruturais na construção de uma sociedade efetivamente democrática. Para tal desiderato, é proposta nova forma de educação e formação — a formação integrada.

Uma formação integrada pressupõe um currículo integrado e interdisciplinar, como afirma o documento-base do Proeja: ―na busca de priorizar a integração, os maiores esforços concentram-se em buscar caracterizar a forma integrada, que se traduz por um

currículo integrado‖ (BRASIL, 2007, p. 39, grifos do autor).